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Oriente

Expansão marítima

Escrito por Super User | Publicado: Quarta, 20 de Setembro de 2017, 19h52 | Última atualização em Segunda, 21 de Dezembro de 2020, 20h10

Capítulo da tradução portuguesa feita por Luís Inocêncio de Pontes Ataíde e Azevedo da obra L’Administration de Sebastien Joseph de Carvalho e Mello, na qual são abordadas as explorações comerciais de Portugal na China e na Índia, bem como as incursões comerciais da Inglaterra e da França na região. Trata-se de uma narrativa histórica na qual o autor analisa as medidas tomadas pelo marquês de Pombal, restabelecendo os negócios com a Índia, traçando também um breve histórico da situação política e comercial daquele local antes da penetração portuguesa. A narrativa aponta ainda a extensão cada vez maior das atividades comerciais de diferentes nações europeias no Oriente.

Conjunto documental: Livro de 12 capítulos da administração de Sebastião José de Carvalho e Mello, conde de Oeiras, marquês de Pombal, secretário de Estado e primeiro-ministro de d. José I, rei de Portugal.
Notação: códice 1129, vol. 1
Datas-limite: 1786
Título do fundo ou coleção: Diversos Códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: China e Índia
Data do documento: 1786
Local: Lisboa
Folha(s): -

 

Tinha-se espalhado uma notícia na Europa, que devia haver um caminho mais curto para chegar à Índia, que o que se trilhava até então. Esta ideia tinha esquentado todos os espíritos. Um príncipe português[1] empreendeu só, o que nenhum soberano se havia atrevido empreender. Mandou fazer esta descoberta[2]. Não havia até então outra astronomia[3] na Europa se não a que os árabes tinham deixado [...]. Não se conhecia a geometria[4] que tem servido depois a medir os grandes corpos [...]. A bússola[5] já era conhecida; porém ainda a não tinham feito servir ao uso que se empregou depois. [...] Os navios portugueses dobraram o cabo que está na extremidade d’África. A corte de Lisboa prevê, que se poderá abrir por aqui a passagem à Índia, o chamou Cabo da Boa Esperança[6]. Vasco da Gama[7] chega nesta parte d’Ásia depois de riscos, penas, e trabalhos [...]. A passagem dos portugueses à Índia pelo Cabo da Boa Esperança, é um dos grandes acontecimentos no nosso mundo. Esta descoberta avizinhando as partes as mais apartadas do globo, tem causado uma revolução[8] geral no gênio, nas artes, comércio, e indústria[9] das nações[10].
[...] Nenhum país no universo pode ser comparado ao da Índia[11]. Um céu feliz, um clima abundante, uma terra fértil cheia de produções de todos os gostos, e de todos os gêneros: eis aqui o seu quadro físico o mais iludente, que jamais a natureza ofereceu aos mortais. O seu comércio dá a todas as nações novos gostos, pelas trocas, que se faz da mão de obra  europeia, com  as primeiras matérias da Índia. A Europa não tardou em gozar de grandes vantagens. Com efeito, como houve mais riquezas, por consequência mais comodidades, mais facilidades, mais opulência. Com a fortuna dos particulares influi sempre sobre o Estado[12], os reis adquiriram mais poder, por que tiveram mais meios.
[...] Vasco da Gama não tinha exército regulado[13], nem entendia a língua indiana, duas armas, sem as quais nenhum almirante pode nem combater, nem negociar; porém [...] achou um mouro na terra, que sabia o português, e índio. Este intérprete lhe negocia uma audiência com o zamorim. O general lhe propôs um tratado de comércio com o Rei de Portugal[14] seu amo, o zamorim aceitou. [...] Este tratado ia a concluir-se quando os maometanos, que influíam muito na corte deste príncipe, lhe fizeram conhecer os inconvenientes a que se expunha, ligando-se com uma nação cuja ambição os obrigava a passar seis mil léguas de mar para se apoderarem dos tesouros do Industão[15] [...] e que nada era mais perigoso, que receber estrangeiros, cuja religião, e costumes eram opostos ao dos índios. O general português não podendo concluir coisa alguma com o zamorim, voltou a Lisboa.
[...] Os primeiros obstáculos que se tinham opostos à conquista da Índia, em lugar de desgostar a corte de Portugal, não serviram senão em irritar a sua ambição. [...] O papa[16] não faltou de aproveitar esta ocasião para fazer valer os seus direitos sobre o Industão. Concedeu ao rei de Portugal todas as costas de mar, que descobrisse no Oriente. Esta segunda expedição que era formal, teve bom êxito. Era uma armada naval[17] composta de treze navios de guerra; com este poder, que era o mais formidável, que tinha aparecido, conquistou as Índias [...].

 

[1] O personagem referido é o Infante d. Henrique (1394-1460), que ficou conhecido como “O Navegador”. É considerado o grande instigador das viagens dos descobrimentos às costas africanas. Em 1417, voltando de uma expedição a Ceuta, estabeleceu-se em Sagres, junto ao Cabo de São Vicente, onde passaram a se reunir diversos fidalgos para a discussão de assuntos concernentes às expedições navais. Estas reuniões tornaram-se conhecidas como Escola de Sagres.

[2] Referente à expansão marítima e comercial europeia ocorrida no século XV, que possibilitou a descoberta e a conquista de novas terras, além do estabelecimento de novas rotas comerciais com a Ásia, África e América. As viagens marítimas foram decorrentes de uma série de fatores, principalmente a necessidade de se encontrar um caminho alternativo para o Oriente e novas fontes de metais preciosos (ouro e prata). Portugal foi pioneiro na aventura marítima, valendo-se da sua posição geográfica, da precoce centralização política, da existência de uma marinha e de uma forte burguesia urbana e comercial. Além disso, desde o século XII, a lenda de Preste João fazia parte do imaginário europeu, servindo também para animar a aventura marítima. Buscando evitar o comércio mediterrâneo dominado pelos venezianos e genoveses, navegadores portugueses se lançaram no ultramar em busca de uma nova rota para as tão desejadas especiarias: contornar o continente africano para se chegar às Índias. Para o périplo africano, como ficou conhecido o novo e arriscado trajeto, foi necessário o estabelecimento de entrepostos ao longo da costa da África. Esse percurso foi concluído em 1498, com a viagem de Vasco da Gama. Existiam indícios da existência de terras também a oeste do continente africano, importantes para “volta pelo largo”, se distanciando da costa para fugir da calmaria nas proximidades do golfo da Guiné. Assim, a expedição de Pedro Álvares Cabral, saída de Lisboa com destino a Calicute, na Índia, estendeu sua rota no Atlântico para alcançar e tomar posse dessas terras. Fato que ficou conhecido como descobrimento do Brasil, em 1500. Esse novo território, que a princípio serviu de entreposto comercial do pau-brasil e abastecimento para as viagens ao Oriente, tornar-se-ia a mais importante colônia portuguesa. As descobertas marítimas modificaram intensamente a vida econômica, social e cultural da Europa, em especial dos portugueses e dos espanhóis que se tornaram as primeiras potências do Velho Mundo. Gradativamente, o oceano Atlântico transfigurou-se na principal rota do comércio internacional e o seu mais importante eixo econômico. Na historiografia contemporânea discute-se sobre o caráter das Descobertas em continuidade ou em contraste à política colonial, nos termos de uma atenuação desta última ou da promoção de um nacionalismo português calcado no caráter experimental e nos avanços técnicos das navegações.

[3] Compreendida na perspectiva da Revolução Científica, a astronomia é indissociável do processo de matematização da natureza, definido pela afirmação da escola realista, do princípio de que a matemática revelava a realidade das coisas, compreendendo o resultado acertado do cálculo como a demonstração da verdade absoluta ou ao menos aproximada da teoria. Tal perspectiva contrariava a vertente, de cunho aristotélico, que confinava as teorias formuladas a partir da matemática ao terreno das hipóteses e aos cálculos e predições. Na história moderna dessa ciência destaca-se inegavelmente o de Galileu Galilei (1564-1642) que fiel ao enunciado de Nicolau Copérnico, sustentou por meio de análises matemáticas e pesquisas experimentais ser o sol o centro do Universo, o que lhe valeu a condenação pelo Tribunal da Inquisição, em 1611, pelo crime de heresia. No século XVIII, considera-se essencial a constituição da mecânica celeste analítica, uma vitória das concepções de Isaac Newton, e que exigia observações exatas do movimento planetário. Esse momento de consolidação da disciplina inicia-se em 1687, com a publicação dos Principia de Newton, até as primeiras décadas do século XIX, quando se completa a edição do Traité de Mécanique Celeste de Laplace. Assim, como sintetiza Manuel A. Sellés (In: SELLÉS, M. et al. Carlos III y la ciência de la Ilustración, 1989), a astronomia no século XVIII é movida por dois grandes programas, um voltado para a grande tarefa de constituição da mecânica celeste e outro, destinado às atividades náuticas, cartográficas e hidrográficas, movido pela expansão econômica e comercial europeia no continente e no ultramar. Do ponto de vista ibérico, sobretudo português, deve-se lembrar que o tempo da publicação da obra de Copérnico é o mesmo em que se instala a Companhia de Jesus, tendo o ensino sob seu controle, seguindo fielmente a interpretação vigente das ideias de Aristóteles e S. Tomás de Aquino. O início das atividades científicas no campo da astronomia em Portugal pode ser fixado nos anos 1720, durante o reinado de d. João V, com a presença de jesuítas italianos, a construção de observatórios astronômicos e a publicação de obras voltadas à ciência moderna, de autoria de religiosos da Congregação do Oratório (Rômulo de Carvalho. A astronomia em Portugal no século XVIII, 1985). O período pombalino com a repressão à Companhia de Jesus e mesmo o desterro de oratorianos viria interromper essa trajetória, retomada na reforma da Universidade de Coimbra de 1772 com a criação da cadeira de astronomia. No reinado de d. Maria I destacam-se as expedições que, visando a demarcação de limites e o estabelecimento dos valores das coordenadas geográficas, ensejaram a aquisição de instrumentos astronômicos ou matemáticos.

[4] Parte da matemática que permite a conhecer o espaço, as grandezas, razões, proporções e suas formas, figuras e corpos que nele se podem conceber. A geometria foi de fundamental importância durante as grandes navegações ibéricas do século XV, sobretudo no que diz respeito à elaboração das tábuas de marear utilizadas pelos navegantes em suas aventuras por oceanos desconhecidos. Os navegantes passaram a usar, por exemplo, a altura do Sol e tábuas de efemérides astronômicas para se orientarem no mar do hemisfério sul tornando permanente o uso da trigonometria esférica. As ciências náuticas teriam por sua base a matemática. A obra de Pedro Nunes, matemático português que viveu no século XVI, procurou desenvolver métodos para se navegar em alto-mar através da geometria, além de dedicar-se à matemática aplicada na construção de mapas, ganhando o posto de cosmógrafo-mor do reino de Portugal.

[5] Importante instrumento de navegação utilizado durante a expansão marítima, a bússola chegou ao Ocidente pelas mãos dos árabes, embora sua invenção seja atribuída aos chineses. Empregada na Europa a partir do século XII foi o primeiro instrumento a permitir navegadores no mar ou em terra determinar sua direção de modo rápido e preciso a qualquer hora do dia ou da noite e sob praticamente quaisquer condições. Isso possibilitou que mercadorias fossem transportadas de maneira eficiente e confiável através dos mares e abriu o mundo para a exploração marítima. Muitas são as versões sobre a origem da bússola. Contudo, é plausível supor que os europeus a tenham obtido durante ou após a 1a Cruzada, iniciada em 1096. Um exame desse período sugere a hipótese de que as Cruzadas e a presença franca, normanda e italiana na Palestina (e também no Império Bizantino) tenham permitido o contato com uma bússola vinda da China. O período 1160-80 é tido como uma boa estimativa para a introdução da bússola no Ocidente.

[6] Situado ao sul do continente africano, é conhecido por ser uma localização geográfica importante durante o processo de expansão marítima europeia. No século XV, Portugal buscou novas rotas marítimas para comercializar os produtos provenientes do Oriente Médio. Além da conquista de novos territórios ao longo do litoral norte da África, portugueses chegaram ao limite do território africano, região de navegação perigosa, com águas turbulentas que ofereciam muitas dificuldades para a tecnologia marítima da época. Em 1488, o navegador português Bartolomeu Dias chegou à região com sua tripulação enfrentando vários dias de severas tempestades que colocaram em risco a sobrevivência da expedição, o que levou o navegador português a chamar esse local de Cabo das Tormentas, mais tarde denominado Cabo da Boa Esperança. Essa conquista significou a descoberta de uma nova ligação com as Índias e a ampliação das rotas comerciais que não mais eram obrigadas a passar pelo mar Mediterrâneo para alcançar mercados orientais.

[7] Navegador português, Vasco da Gama (1469-1524) foi o comandante da expedição que realizou a primeira viagem marítima da Europa à Ásia, chegando em Calicute na Índia em 1498. Pelo feito, d. Manuel I nomeou-o Comandante-mor das Índias. Voltou ainda por duas vezes tendo sido governador e segundo Vice-rei.

[8] Conceito que se refere às mudanças estruturais na sociedade, seja em caráter político, econômico, social ou cultural. O termo surgiu durante o Renascimento, em referência aos movimentos dos corpos celestes, recebendo um significado político apenas no século XVII, com a Revolução Inglesa. Revolução significava, então, um retorno à política anterior, ou seja, nesse caso, o fim da guerra civil e da política de Cromwell, e o retorno à monarquia, embora com diferenças da situação anterior. Foi apenas com a Revolução Francesa que o conceito passou a se vincular às mudanças insurrecionais, realizadas de forma rápida e violenta, isto é, trazendo transformações significativas para a estrutura das sociedades. No sentido moderno, revolução seria um movimento de subversão da ordem estabelecida e criador de uma nova realidade. Impulsionado por princípios iluministas e liberais, que cada vez mais passaram a ser associadas a subversão e “ideias perigosas”, o século XVIII é considerado por muitos historiadores o século das revoluções.  A revolução  seria concebida nas colônias portuguesas a partir das obras de pensadores franceses como as de Rousseau, Voltaire, Raynal e Condorcet, ou por meio dos exemplos de movimentos revolucionários bem-sucedidos, como a Revolução Americana (1776) – que resultou na independência das Treze colônias anglo-saxônicas, com a implantação de um sistema político republicano e democrático, baseado na divisão dos três poderes – e no caso do Haiti (1791) – onde revolução, independência e abolição da escravidão estavam combinados de forma a imprimir características radicais ao movimento. Os movimentos de independência das colônias hispano-americanas, irrompidos a partir de 1810, bem como o movimento contestatório de Pernambuco em 1817 (Revolução Pernambucana), estimularam o desenvolvimento do conceito na América portuguesa, propiciando a associação do termo revolução à ideia de abolição radical da ordem vigente. No entanto, durante o processo de independência brasileiro, o lado vitorioso foi o mais moderado, que associava o movimento de emancipação a uma “revolução positiva”, ou seja, um movimento de ruptura dos laços entre Brasil e Portugal, mas mantenedor da ordem monárquica e escravista, garantindo a permanência dos mesmos grupos sociais no poder, o trabalho cativo e a unidade territorial. (Pimenta, João Paulo G. A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. Revista História e historiografia. Ouro preto, setembro de 2009. Ver em https://www.historiadahistoriografia. com.br/revista/article/viewFile/69/34)

[9] O termo frequentemente associado à indústria e a fábricas é manufatura, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[10] A ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses político econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

[11] Região da Ásia meridional ligada à península Indochinesa. Desde o século XII os artigos orientais, como as especiarias, já se faziam presentes no comércio português, tornando-se em pouco tempo os produtos mais lucrativos no comércio europeu. A partir de 1453, quando Constantinopla e a rota de envio desses produtos para a Europa caiu sob o domínio turco, esses produtos sofreram uma alta abrupta de preços, colocando a necessidade de se buscar um caminho alternativo que possibilitasse aos comerciantes lusos tratar diretamente com os do Oriente. Esse foi um dos principais propulsores da expansão marítima do século XV, cuja finalidade era chegar às Índias, onde se poderia obter as tão cobiçadas especiarias, além de tecidos, porcelanas, chás, marfim, entre outros produtos de luxo. Vasco da Gama chegou a Calicute, no sudoeste da Índia, em 1498. Sete anos mais tarde, foi fundado o estado da Índia, colônia portuguesa com sede do governo em Cochim. Em 1530, a capital foi transferida para Goa, de onde o governador exercia sua autoridade sob as possessões portuguesas no Oceano Índico.

[12] Fundamental para as ciências sociais de uma forma geral, o conceito de “Estado” na verdade é, atualmente tão amplo que dificilmente pode ser definido sem um especificador. O princípio geral a delimitar o conceito reside em uma associação de indivíduos submetidos a uma ordem constituída e implementada por um número significativamente menor de pessoas, que detém o exclusivo poder final de coerção. O que habitualmente chamamos de Estado tem origem na formação dos Estados modernos europeus, desde o século XIII mais ou menos, e dos Estados-nação, que assim se nomeiam e constituem a partir de finais do XVIII e ao longo de todo o XIX. A estrutura básica para a existência de um Estado nos moldes europeus modernos era a existência de um povo, em um território, governado por um soberano a partir de um conjunto de regras sociais, políticas, jurídicas e econômicas aceitas para garantir a vida em sociedade. O conceito moderno de Estado, cujo exemplo mais antigo é o português, que começou a se organizar ainda no século XIII durante o reinado de d. Dinis, teve origem nas cidades-estado da Antiguidade. O termo começa a ser mais amplamente usado à medida que se consolidava, a partir do século XV, com a formação dos principais Estados europeus, tendo a França como modelo. As etapas que permitiram a formação dos Estados modernos, cuja soberania residia no direito divino do monarca, começaram ainda em finais da baixa Idade Média, com o início da demarcação de fronteiras dos reinos, a maior concentração de poder de decisão nas mãos dos príncipes, com o crescimento da Cristandade que era o elemento legitimador supranacional da soberania e poder dos monarcas, a criação de leis e regulamentos cada vez mais gerais, que incorporassem toda a população do território, além da burocratização do governo, ocupado pela elite dos representantes do príncipe, das relações exteriores, do sistema de tributação e da incorporação do mercantilismo. Entre os séculos XVII e XVIII o pensamento iluminista se ocupou em tentar explicar e fundamentar a natureza do Estado e estabelecer as relações entre esse e as sociedades. Propunham, cada filósofo a sua maneira, que na base dos Estados estava um pacto social, em que os homens preferiam um regime jurídico, em vez de um estado natural, sem nenhuma forma de organização, para garantir a sua sobrevivência, ou a ordem da vida social, ou a salvaguarda das leis, ou o direito à propriedade, ficando deste modo a soberania não no direito divino dos reis, mas no povo (entendido aqui como a elite intelectual e social dos países). Os iluministas eram, sobretudo, críticos das relações entre a religião católica e o Estado, expressa principalmente no direito divino, e absoluto, por consequência, mas também em sua presença em diversos setores da administração pública, que deveria ser laica. Esses princípios iriam se radicalizar com a Revolução Francesa em 1789. No século XIX, com as principais instituições estatais em funcionamento, a maior parte dos Estados europeus adotando o regime de monarquias constitucionais, as burocracias cada vez mais racionalizadas, começava a aparecer a importância da esfera simbólica para a garantia de continuidade dos Estados, na associação com a ideia de nação, da especificidade de cada povo e do sentimento de identidade e pertencimento que se ancorava nos símbolos nacionais mais evidentes, como a língua comum, as etnias, o território, a história e a literatura, por exemplo. Na sociedade do Antigo Regime, o Estado se confundia intensamente com a pessoa do monarca, e foi ao longo dos últimos séculos e desde as revoluções que marcaram a Europa e América do Norte a partir de fins do século XVIII, que o Estado paulatinamente se tornou uma instituição política como nós conhecemos, com base na soberania do povo que, de uma forma geral, divide o mesmo território, a mesma língua, a mesma história.

[13] São tropas permanentes, disciplinadas e organizadas, que surgiram em detrimento da utilização de soldados mercenários. O marco inicial para essa passagem foi a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A Suécia e a Espanha foram os primeiros Estados a realizar uma ampla reforma na organização militar, ainda durante a guerra, sendo a Suécia a primeira nação a comparecer com um exército nacional, livre de mercenários. No século seguinte, verifica-se a preocupação em profissionalizar e racionalizar os exércitos, cuja maior expressão foi o surgimento da Academia Militar na Europa e na América.

[14] Apelidado de o Venturoso, d. Manuel I foi o 14º rei de Portugal. Sucedendo a d. João II em 1495, deu continuidade ao projeto marítimo português, incentivando os a conquista de novas terras e o desenvolvimento de monopólios comerciais. Sob seu reinado, deu-se o descobrimento do caminho marítimo para a Índia (1498) e do Brasil (1500), além de se ter assegurado o controle sobre as rotas comerciais no Oriente. No âmbito interno, d. Manuel promoveu uma reforma no ensino universitário através do estabelecimento de novos planos de estudo e de uma nova administração (1500-1504); promoveu uma reforma na legislação portuguesa que resultou nas Ordenações Manuelinas (1521); construiu prédios reais, fundando o estilo manuelino; entre outras medidas. Seu governo foi marcado ainda pela perseguição aos judeus e muçulmanos no Reino, principalmente entre os anos de 1496 e 1498, embora tenha buscado acabar com a perseguição aos judeus convertidos e à distinção entre cristãos-novos e velhos perante a lei. Homem religioso, investiu na construção de igrejas e mosteiros, como também patrocinou a catequese nas novas possessões.

[15] Região do sul da Ásia, onde atualmente se situam os estados da Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Butão. Muitas vezes identificado com a Índia, abrange contudo, um território cujos limites geográficos não coincidem com aquele Estado e seus limites geográficos variaram muito ao longo da história (incorporando inclusive o Irã e a parte da China). Região estratégica, foi importante ponto de passagem da rota da seda. Quando do domínio português na região, o Industão fazia fronteira com o Estado da Índia (possessões lusas no oceano Índico, com capital em Goa) e foi dominado pelo império mongol no início do século XVI.

[16] Sumo Pontífice da Igreja Católica, considerado vigário de Cristo na Terra e sucessor de São Pedro. Esse título é atribuído ao bispo e patriarca de Roma, condutor espiritual da Igreja e chefe do Estado do Vaticano. Desde 1274, a eleição do papa é realizada através de um conclave – assembleia de cardeais, com menos de oitenta anos – e seu posto é vitalício. Durante os séculos XV e XVI, o poder não se restringia aos reis, figurando como sujeito no âmbito internacional, o Papa. Época em que o Sumo Pontífice exercia através do seu poder temporal e espiritual significativa influência e interferência nos conflitos ocorridos entre os Estados. Os pontífices tiveram importante papel na colonização da América ao patrocinarem as missões religiosas nos territórios recém-descobertos. Para a Igreja Católica, a “descoberta” de novas terras no além-mar tinha como propósito a propagação da fé cristã, para tanto, a Igreja esteve presente desde o primeiro momento no processo de conquista, desempenhando um relevante papel no que condiz à conquista de novos territórios. Com base nas bulas papais promovia-se a conquista de terras de infiéis por meio da escravidão dos povos não cristãos, da apropriação de seus bens e da ocupação de suas terras. Logo que os portugueses conquistaram Ceuta, em 1415, o Papa Martín V expediu a bula Rex Regum de 4 de abril de 1418. A Bula Romanus Pontifex (1454) exarada pelo Papa Nicolau V e a Bula Inter Cetera (1493) assinada pelo Papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia) são exemplos do poder pontífice sacramentando a expansão das conquistas da Europa, em especial de Portugal e Espanha. Cabe registrar que, no Brasil, o alcance dessas bulas pontifícias se faz sentir até hoje como fundamento de todos os direitos de propriedade.

[17] No começo do século XV significava um conjunto de embarcações de guerra. Quando este conjunto era numeroso, chamava-se frota, fundamental para o sucesso das economias europeias, visto que a maior parte das riquezas (fossem especiariasouro, prata, tecidos) circulava entre os vários continentes através dos oceanos. A empreitada colonial apresentava a necessidade de proteção dos territórios conquistados em outros continentes, acentuando a importancia da defesa naval. Coube aos portugueses o pioneirismo nos descobrimentos marítimos, cujas primeiras navegações foram feitas em navios como a barcha ou barca e o barinel. Em meados de 1440, os lusos aperfeiçoaram um novo tipo de embarcação, que viria a ser o mais característico da época: a caravela. Era uma espécie mais alongada que os anteriores, de borda alta e usando velas latinas triangulares, o que a tornava apta a navegar quase contra o vento. Já no século XVIII, bergantins, as naus e fragatas foram os navios de guerra mais utilizados pela Coroa portuguesa.

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