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Oriente

Pirataria

Escrito por Super User | Publicado: Quarta, 20 de Setembro de 2017, 19h49 | Última atualização em Segunda, 23 de Agosto de 2021, 20h06

Carta do governador de Macau, Vasco Luís Carneiro, ao Senado, requerendo providências acerca do aprisionamento da chalupa de Antônio Félix Machado por piratas. Por meio da Mesa de Vereação, o Senado decide enviar três embarcações, devidamente equipadas com mantimentos e armas para resgatar a chalupa e afugentar os piratas, evitando outras possíveis incursões. A carta ainda inclui tabelas nas quais se pode perceber os recursos humanos e materiais de uma viagem marítima à época da expansão.

 

Conjunto documental: Secretaria do Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 664, pct. 1
Datas-limite: 1784-1815
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de Pesquisa: Macau
Data do documento: 7 de julho de 1793
Local: Macau
Folha(s): pacotilha 1, 42 e 43

 

Leia este documento na íntegra:  Pirataria 1 | Pirataria 2 | Pirataria 3

 

O horrível catástrofe sucedido [sic] a chalupa[1] desta praça, e da propriedade de Antonio Felix Machado, recolhendo-se da Cochinchina[2], deu motivo ao Governador desta cidade Vasco Luiz Carneiro o escrever deste Senado a carta que remetemos a Vossa Ex.ª por cópia [...] para entre outros assuntos se liberar material tão importante, no qual foram todos de unânime parecer, se armarem três embarcações em guerra Felix e Aventureira; Nossa Senhora do Resgate; Efigênia, não só para ver se podia restaurar a dita chalupa, e apanhar os piratas[3], mas ao menos afugentá-los destes mares, que estavam tão inficionados, sendo a escolha das mesmas embarcações, oficiais, e mais equipagem e munições de guerra[4], e da boca, e finalmente soldados e todas as  mais despesas que fosse necessário fazer-se, ao árbitro do dito Governador [...]

Lista da Tripulação da Corveta[5] Efigênia

Comandante Antonio Correa de Siger 

 

Segundo comandante Felipe Correa de Siger 

 

Primeiro piloto[6] Hipólito de Souza 

160,00

Segundo piloto Miguel de Souza 

80,00

Mestre[7] Miguel Antonio Samela  

80,00

Contra mestre Vicente da Cruz 

40,00

Escrivão José Place 

40,00

Condestável[8] Luiz Pereira 

30,00

Guardião João Foz do Rosário 

40,00

Carpinteiro china 

30,00

Segundo Carpinteiro china 

24,00

Dispenseiro Joaquim Xavier 

30,00

Quarenta e oito marinheiros a 8 [...] por mês em 2 meses 

768,00

Cozinheiro da Câmara china 

20,00

Servidores da Câmara Francisco, Antonio e José 

22,00

Mais ao Comandante para qualquer necessidade 

100,00

 

1464,00

Macau a bordo dada corveta a 17 de Julho de 1793. Antonio Correa de Siger.
O Escrivão[9] da Câmara Antonio Dias da Cunha

 

Conta das Despesas feitas com a compra de víveres para lotação e Mesa da Chalupa Nossa Senhora do Resgate. A saber

 Por

 

21: 33 cates[10] de biscoito a 4:655 [...] 

99,291

40: picos balança de arroz a 1:3 m 

54,400

20: 40 cates em 22 porcos entre grandes e pequenos a 6:5 m 

132,600

5: 75 ditos em 222 galinhas a 9:36 condorins 

53,820

1: 15 ditos em 19 patos a 8 condorins a lata 

9,200

1: 50 ditos em sírio[11], orelha de rato e tafu[12] seco

19,750

[...]

 

4 picos de feijões [...]

8,400

3 bujões grandes de vinagre

1,500

[...]

 

80 cates de laranja doce a 19 condorins

15,200

50 ditos de mação[13] de Nanquim a 15 condorins

7,500

1 pico de açúcar pedra

9,500

2 ditos de açúcar pedra a 4:5 mazes

9,000

1000 ovos de galinha

4,500

1 pico de farinha

3,930

[...]

 

30 cates de velas de sebo [...]

3,000

[...]

 

12: 05 cates de abóboras a 3 mazes

3,615

 

455,276

 

[...]

 

3 picos de farelo [...] para os animais

3,000

6:45 cates em figos, patecas[14], ananases e [...]

9,420

1 pico de lichias secas 

5,750

[...]

 

103 jarras grandes

405 ditas pequenas [...]

18,902

153 cates de presunto a 19:5 mazes  

29,835

120 ditos de manteiga de porco a 14:5 m.

17,400

360 ditos de peixe salgado a 68 mazes 

24,480

60 ditos de batatas a 4 condorins 

240

450 limões frescos 

600

2 picos de sal [...]

3,200

2 picos de Arroz fino a 2:6 mazes 

5,200

[...]

 

Temperos 

5,680

Para as pessoas que trabalharam para condução de mantimentos, entrando fios, papéis, cestos [...]

7,275

[...] para carreto e embarcação 

2,300

[...]

 

 

[...] 640, 525

Somam quinhentos e quarenta taes[15], cinco mazes, dois condorins[16] e cinco caixas. Macau, 16 de julho de 1793 que recebi. Rafael Bottado de Almeida.

 

[1] CHALUPA: embarcação de pequeno porte a remo ou a vela com a popa construída igual à proa para ser possível manobrar mais facilmente em todos os sentidos. Comuns nas navegações de cabotagem (pela costa) são tidas como um dos fatores de sucesso do sistema de navegação estabelecido pelos holandeses no Nordeste no século XVII. As chalupas figuram entre as embarcações responsáveis pelo tráfico de africanos escravizados, em grupos menores, e que ainda levavam a bordo panos e produtos comestíveis. Essa rota se fez, por exemplo, entre a Costa da Malagueta e o porto de São Luís, no Maranhão, com 40 indivíduos a bordo de uma chalupa, conforme pesquisa de Marinelma Costa Meireles (Outros Tempos. V. 6, nº 8, dezembro de 2009 - Dossiê Escravidão).

[2] CONCHICHINA: região localizada na parte norte do atual Vietnã, próximo ao rio Mekong. Os navegadores portugueses chegaram a essa região em 1516 e logo tentaram estabelecer um entreposto comercial na cidade litorânea de Faifo. Contudo, a instabilidade política na zona não permitiu a permanência de um contacto estável. Percebe-se, no entanto, o interesse português pelo estudo das rotas marítimas e da cartografia da região, utilizando a Cochinchina como acesso ao comércio litorâneo chinês. No final do século XVIII, a região passou para o domínio dos franceses, unindo-se à região indochinesa. Em 1949 foi incorporada ao Vietnã.

[3] PIRATAS: O saque, a pilhagem e o apresamento de embarcações e povoados vulneráveis foram, durante séculos, realizados por grupos organizados, que atuavam sob as ordens de um soberano ou de forma independente. O termo pirataria define uma atividade autônoma, sem qualquer consideração política ou razões de Estado (comerciais ou estratégicas). Sem nacionalidade juridicamente reconhecida, os piratas lançavam-se ao mar pilhando embarcações ou atacando regiões costeiras para angariar riquezas. Há registro de ataques piratas à costa brasileira, no período colonial, motivados pelo contrabando de produtos como o pau-brasil, bem como pela captura de escravos indígenas. Tornaram-se célebres os piratas franceses Jean Florin, Laudinière, Montbars, os irmãos Lafitte e Jean Davis, conhecido como o Olonês, que atuaram na região das Antilhas. Em um universo majoritariamente masculino, algumas mulheres disfarçadas também fizeram história, como Mary Head e Anne Bonney. O último reduto da pirataria ocidental foi o Mediterrâneo, onde piratas gregos e berberes eram atuantes desde a Idade Média. Não se deve confundir piratas com corsários. O corsário tem sua origem na Idade Média, mas se tornou especialmente importante durante os tempos modernos. Ao contrário do pirata, do ponto de vista do direito internacional, o corsário é um combatente regular, ligado a um Estado, a quem o governo dava uma carta de corso. Poderia ser mantido diretamente pelo governo ou por um particular. Não há grande diferença dos piratas quanto aos métodos. Porém, o corso reservava de 1/3 a 1/5 do butim para o tesouro real e executava ataques encomendados pelos Estados a que serviam, tal como DuGuay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro em 1711 a serviço da Coroa francesa no âmbito da guerra de sucessão espanhola, colocando em lados opostos França e Portugal, aliados, respectivamente, à Espanha e à Inglaterra.

[4] PÓLVORA: conhecida como a arma do diabo no período colonial, a pólvora foi a principal munição de combate a partir do século XIV, dando novas dimensões à guerra, ao permitir a criação das armas de fogo. Embora tenha sido inventada pelos chineses, chegou ao Ocidente com os árabes. Resultado da mistura inflamável e explosiva de salitre, enxofre e carvão, com que se carregam os cartuchos das armas de fogo, a pólvora teve grande importância estratégica para Portugal, tendo sido largamente usada na conquista e defesa de territórios no ultramar, sobretudo na América e nas guerras do país. No século XVIII, após um aperfeiçoamento na produção e mistura desses componentes, produziram-se várias espécies de pólvora, com diferentes poderes de destruição. Durante o período colonial, toda a produção e o comércio eram monopólio da Coroa, sendo o Estado da Índia o principal fornecedor de salitre e outras matérias-primas, até o declínio do comércio indo-europeu. Em virtude das dificuldades encontradas, a Coroa incentivou a busca de minas de salitre na África e no Brasil, tendo sido descobertas no interior da Bahia e das Minas Gerais. O consumo de pólvora nos domínios ultramarinos, sobretudo no Brasil, era muito grande, tanto pelo governo, que a utilizava largamente na defesa do território, quanto pelos particulares, para a defesa da propriedade. Isto justifica o interesse da Coroa em manter o monopólio de um produto tão lucrativo e útil. As novas minas descobertas no Brasil deveriam ser exploradas somente pela Coroa, o que não aconteceu. Alguns particulares, atraídos pelos lucros da extração e comércio do salitre e da pólvora, iniciaram manufaturas e, mesmo tendo sido duramente reprimidos e perseguidos pela Coroa, numerosas foram as fábricas clandestinas que existiam no interior de Minas Gerais. O salitre de Minas Gerais era de boa qualidade e em quantidade suficiente para fornecer a produção em Vila Rica e no Rio de Janeiro, além de ser exportado. Este setor produtivo acabou por entrar na pauta dos estudos das universidades e academias científicas portuguesas, gerando pesquisas e a redação de memórias sobre a mineralogia que procuravam novas técnicas de extração e exploração econômica. A Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas foi criada em 1808 pelo príncipe d. João, visando produzir o suficiente para suprir o mercado interno do Brasil. O feito só foi possível com a revogação, assinada por d. João em 1o de abril de 1808, do alvará de 5 de janeiro de 1785, no qual d. Maria I proibira o estabelecimento de manufaturas no Brasil. A direção técnica e científica foi dada a Carlos Antônio Napion, que havia tido o mesmo cargo em Portugal e tinha grande experiência no setor. O decreto de 1808 que criou a Real Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas deu origem também ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que só foi mencionado explicitamente na legislação em 1811. A localização da fábrica próxima à lagoa deveu-se à abundância de água e ao desnível do terreno, vantajoso para movimentação das máquinas de produção de pólvora, bem como à distância em relação ao centro da cidade. A reorganização das forças militares na América portuguesa, irrompida com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, trouxe a necessidade de dotar a sede do governo luso-brasileiro de infraestrutura bélica, incluindo a construção da fábrica de pólvora.

[5] CORVETA: Tipo de embarcação de guerra que se seguiu à fragata, usada para exploração, escolta e guerra de velocidade. A corveta foi um dos primeiros navios de guerra a adotar a hélice, mesmo conservando as velas e os cascos de madeira.

[6] PILOTO: oficial náutico responsável pela condução do navio, detinha os conhecimentos técnicos necessários à prática da navegação. Sua função exigia a realização de medições e cálculos constantes, valendo-se da experiência, de mapas, livros, almanaques náuticos e guias de navegação, também chamados regimentos, e de instrumentos como bússola (que traçava o rumo); barquilha (que permitia o cálculo aproximado dos quilômetros percorridos); quadrante (que possibilitava situar a nau nas cartas de navegação através da medição da estrela polar); balestilha (que permitia situar a embarcação nas cartas náuticas durante a noite, por meio da medição de outros astros) e astrolábio (que permitia a orientação diurna do navio através do sol). O piloto deveria também conhecer e ser capaz de fazer bom uso das correntes marítimas e da direção dos ventos.

[7] MESTRE: experiente marinheiro responsável pela manobra do velame, pela supervisão geral do convés e da dispensa das provisões, prestando contas nos armazéns reis.

[8] CONDESTÁVEL: título criado pelo rei português d. Fernando I, em 1382, como substituto de alferes do reino. O condestável ocupava o segundo posto da hierarquia militar portuguesa, vindo logo abaixo do rei. Era o responsável pela campanha militar e pela manutenção da disciplina no exército.

[9] ESCRIVÃO: oficial público e privado encarregado de escrever autos, atas, termos de procuração e outros documentos legais junto a diversas autoridades, tribunais e corpos administrativos. No século XVIII, o escrivão era uma figura ativa e presente em toda e qualquer reunião ou ato oficial, pois a burocracia assim exigia o registro de todas as atividades públicas.

[10] CATES: peso antigo, na Ásia, de valor incerto, compreendido entre 500 gramas e 3 quilos.

[11] SÍRIO: saco ou fardo de palha para transporte de mandioca.

[12] TAFU: bebida chinesa, preparada com certa espécie de feijões.

[13] MAÇÃO: grande maço.

[14] PATECAS: o mesmo que melancia e melancieira.

[15] TAES: Unidade de peso, que tem valor monetário na China.

[18] CONDORINS: peso e moeda em circulação na Ásia e na Malásia era utilizado também pelos negociantes portugueses como descrito na "Relação das moedas dos países estrangeiros, com o valor de cada uma, reduzido ao dinheiro português para o uso dos comerciantes", publicada pela Casa Literária do Arco do Cego, do frei José Mariano Velloso em 1800. Os condorins são citados nos capítulos do Japão e da China, como referência de preço para avaliação de determinadas moedas de prata e cobre em um complexo sistema de equivalências entre moedas europeias e do Oriente.

 

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