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Ilhas Atlânticas

Casamentos

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 17 de Outubro de 2017, 13h55 | Última atualização em Segunda, 16 de Agosto de 2021, 22h22

O documento é uma resposta à súplica de um morador da Ilha Faial (arquipélago dos Açores) para casar-se. Revela um pouco das práticas e costumes da época com relação a instituição do matrimônio, como a possibilidade de reparação, para as “noivas enganadas”, em caso de impedimento do noivo. Casar era não apenas um “contrato oficial carnal de fidelidade entre os noivos”, mas um verdadeiro processo de controle e domínio sobre os indivíduos nas possessões coloniais.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 680, pacote 1A
Datas-limite: 1806-1811
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Ilha do Faial
Data do documento: 25 de Agosto de 1809
Local: Angra
Folha (s): 302 e 302 v

 

“Remetida ao Reverendo Doutor nosso provisor para admitir o suplicante à caução[1] que oferece, para cujo tempo concedemos o tempo de um ano, findo o qual aparecendo alguma donzela, que segundo a Lei tenha direito contra o suplicante lhe será aplicada a quantia depositada para seu dote[2], e reparação[3], e não se mostrando o suplicante desimpedido, ou não apresentando dentro do mesmo ano certidão de Banhos[4], em forma do Patriarcado[5] de Lisboa, do Arcebispado[6] de Évora, da sua pátria, e do Bispado[7] de Coimbra se aplicará a sobredita quantia em esmolas[8], e obras pias[9] a nosso arbítrio: se porém aparecerem correntes os sobreditos papéis dentro do referido improrrogável se entregará a caução depositada ao suplicante na forma do Direito. Enquanto aos Banhos do Faial, devem o suplicante e o suplicado proclamar-se na forma do estilo nas igrejas da Vila da Horta: o que tudo assim cumprido subam os papéis a nossa presença para deferirmos a presente súplica, como se requer, visto que agora tem licença régia para se casar, sem a qual não devíamos consentir neste matrimônio[10]. Angra, vinte e cinco de agosto de mil oitocentos e nove.  Bispo.”

Redigida por João Nepomaceno de Assis, tabelião público[11]."

 

[1]CAUÇÃO: Fiança em dinheiro.

[2]DOTE: prática adotada na colônia desde o início da ocupação e povoamento do território. De acordo com o direito português vigente nos primórdios da colonização, expresso nas Ordenações Manuelinas e Filipinas, o dote tinha dois significados principais para a sociedade, dependendo do ponto de vista dos envolvidos na transação: para os doadores, representava os bens que os pais davam às filhas e às mulheres da família, quando se casavam ou eram recolhidas a um convento, para servir como contribuição para sua manutenção no futuro, considerado uma antecipação da herança a que tinha direito; por outro lado, para os recebedores, eram os bens, no caso do casamento, que as mulheres traziam e podiam ou não, unir aos dos maridos nos contratos de matrimônio. Um tipo de contrato, chamado de “carta a metade”, a comunhão de bens, previa que os bens passavam a ser do casal e deveriam ser divididos entre os herdeiros igualmente, em caso de falecimento de um dos cônjuges. No outro regime dotal, chamado então de “contrato de dote e arras”, semelhante ao regime de separação de bens, a mulher, em caso de viuvez ou separação, mantinha os bens do dote que recebeu para se casar e, quando houvesse, das “arras”, uma espécie de garantia em forma de bens ou dinheiro de que os valores seriam retornados. Esse sistema não era muito frequente no Brasil, mas protegia o dote, este inalienável, que ficava sob a administração do marido, que era obrigado a mantê-lo sem prejuízo. Na sociedade colonial, o dote era considerado um dever, uma obrigação moral dos pais com as filhas, embora não fosse uma obrigação legal, como também era seu dever prover e sustentar os filhos homens. Portanto, os valores dos dotes variavam muito de acordo com os recursos dos pais e os costumes de cada família e região, e podiam ser compostos de valores em moeda, mas eram mais frequentes os bens imóveis como terras e casas, joias e, até mesmo, escravos. Eram certamente determinantes para que as mulheres conseguissem se casar, e influenciavam na escolha do noivo e da família deste. Por vezes, a candidata a noiva não tinha como dote apenas seus bens, ou mesmo não os tinha; a condição social que ela trazia para o casamento poderia ser considerada um dote, já que distinção e nobreza faziam muita diferença em uma sociedade hierarquizada como a colonial, tanto que, por vezes, casamentos desvantajosos em termos de dote eram acertados em virtude da família da noiva e de seu nascimento nobre. A prática destes “casamentos desiguais” não era bem-vista, mas tolerada pela sociedade, já que aconteciam, sobretudo, em locais onde a nobreza estivesse empobrecida. O costume de dotar as filhas avançou até meados do século XIX, embora mais enfraquecido, e foi perdendo lugar e importância, principalmente nas cidades e províncias maiores, à medida que crescia a ideia do casamento afetivo, da individualidade e da diminuição da rigidez da sociedade patriarcal.

[3]REPARAÇÃO: trata-se de uma compensação pecuniária às “noivas enganadas” em caso de impedimento do noivo. É uma restituição legal dos bens dados no dote, acrescido de um valor estipulado por um juiz competente. Estavam previstas, também, penas e indenizações aos sedutores ou raptores, punidos, se não com o casamento, pelo menos por uma reparação pecuniária paga pelo sedutor, que, caso não tivesse bens, seria degredado para a África e açoitado.

[4] CERTIDÃO DE BANHOS: escritura feita por um sacerdote, também conhecida como banhos ou proclamas, que consistia na primeira exigência para o matrimônio. Os banhos eram afixados nas portas das igrejas para que as pessoas pudessem testemunhar sobre o casal, certificando haver ou não sobre os noivos impedimentos de ordem legal e/ou moral para a realização do casamento. A mobilidade geográfica do mundo português, a partir do século XVI, criou a necessidade de um maior número de comprovações, na tentativa de impedir os frequentes casos de bigamia e a ocorrência de uma série de outras infrações. Nas Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia declara-se a necessidade de dar notícia não apenas por meio de texto escrito, mas da leitura pública, dos impedimentos ao matrimônio.

[5]PATRIARCADO: jurisdição ou distrito do patriarca, ou seja, o território por ele governado. O termo patriarca, significa “o pai e legislador de uma família ou tribo”, para a Igreja Católica, seriam os mais altos bispos de sua hierarquia.

[6]ARCEBISPADO: também chamado arquidiocese, trata-se de uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, cuja autoridade máxima é exercida por um arcebispo. Na Igreja Católica também pode ser designado por Metrópoles Eclesiásticas, com outros bispados sufragâneos. Um arcebispado pode abranger vastos territórios, a exemplo do arcebispado de Goa que se estendeu desde o Cabo da Boa Esperança até a China.

[7]DIOCESE: território sob a jurisdição de um bispo, arcebispo ou patriarca. A criação das dioceses constituía uma prerrogativa da Coroa. No Brasil colonial, a primeira diocese instituída foi a de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, em 1551, sendo seguida pelas de Olinda, Rio de Janeiro e Maranhão, no século XVII, e as Mariana e São Paulo, em 1745. Na primeira metade do século XIX, foram criadas as dioceses de Cuiabá e Goiás.

[8]ESMOLAS: o recebimento de esmolas era uma prática comum nas ruas das principais cidades católicas e estava submetido à licença da autoridade pública. Todas as irmandades e confrarias, incluindo a da Misericórdia, dependiam das esmolas para se manterem e tinham seus próprios esmoleres, ou seja, aqueles que doam esmolas, inclusive a Coroa sendo uma das principais doadoras. A caridade era uma instituição fundamental para a Igreja Católica e para a assistência pública, então todas as famílias que tinham posses, mesmo as que tinham poucas, doavam esmolas para ajudar os mais necessitados dignos de auxílio, geralmente, mulheres, em especial donzelas pobres e viúvas, os doentes, órfãos e párias da sociedade. Esses precisavam receber uma licença para esmolar, para si e para as instituições que os ajudavam, assim como presos também esmolavam para as irmandades.

[9]OBRAS PIAS: as Ordenações Filipinas definiam obras pias no Livro I, título LXII: 41, visando o controle do uso dos rendimentos da instituição de capela com esse fim. Desse modo estabelece-se que obras pias são “as Missas, Aniversários, Responsos, Confissões, ornamentos e coisas que servem para o culto Divino. E bem assim curar enfermos, camas para eles, vestir, ou alimentar pobres, remir cativos, criar enjeitados, agasalhar caminhantes pobres, e quaisquer obras de misericórdia semelhantes a estas”, devendo-se entender o termo “aniversários” como a celebração anual dos defuntos. (Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p125.htm)

[10]CASAMENTO: a regulamentação eclesiástica do casamento deu-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563) e consistia em um contrato de fidelidade carnal entre um homem e uma mulher para fins de procriação. Durante o período colonial cabia estritamente à Igreja a celebração do matrimônio. A partir do século XIX, a relação entre Estado e Igreja tornara-se alvo de críticas e atividades que, anteriormente, eram exercidas pela Igreja, como a administração de hospitais, cemitérios, orfanatos, escolas, passaram a ser reivindicadas pelo Estado, assim como o casamento. Assim, a cerimônia passaria a ser feita por escritura pública, lavrada por um tabelião e assinada por testemunhas. Isto indica que a troca de votos verbais, perante uma autoridade eclesiástica, já se tornara insuficiente, sendo necessário um documento legal para o controle ou a garantia das responsabilidades estabelecidas no contrato nupcial. Este acordo constituía uma das formas de alianças, frequentemente motivadas por interesses políticos e econômicos.

[11]TABELIÃO PÚBLICO: durante o sistema de capitanias hereditárias, foi concedido aos donatários o direito da criação de vilas e de ofícios de justiça, responsáveis pela aplicação da lei em toda capitania. Com a criação dos ofícios, estabeleceu-se a figura do tabelião – funcionário público responsável pela elaboração de escrituras e instrumentos necessários para a autenticidade legal dos atos administrativos e judiciais, conservando ainda os traslados destes em notas. Institucionalizou-se os cargos de tabelião do judicial – atuava nas cidades sob jurisdição do juiz de Fora, entregando a este as querelas e inquirições já realizadas; registrava todos os autos; colhia a assinatura do juiz nas sentenças definitivas proferidas verbalmente em audiência; procedia a quaisquer autos, inquirições ou devassas, quando por ordem judicial etc. – e do tabelião das notas – responsável pelo registro de todas as notas dos contratos firmados, em livro próprio, bem como pela guarda deste livro e pela elaboração de todos os testamentos, inventários e instrumentos de posse das terras.

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”
- Ao abordar o eixo temático sobre as “Relações de Poder”
- Ao abordar o tema transversal “Pluralidade Cultural”
- Ao abordar o tema transversal “Orientação Sexual” (ao comentar a questão cultural: como se constituíam as relações amorosas/como são hoje)

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Sociedade colonial: práticas e costumes
- Formação do Mundo Moderno: A contra-reforma 

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