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Jardins Botânicos

Flora medicinal brasileira

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 26 de Janeiro de 2018, 13h37 | Última atualização em Quinta, 25 de Março de 2021, 18h32

Carta do médico Manoel Joaquim de Souza Ferraz para o conde de Resende, d. José Luiz de Castro. O médico apresenta sua proposta para a construção de um Jardim Botânico no Rio de Janeiro, explicitando a importância desta instituição. Acredita também, que o sítio deveria proporcionar aulas de botânica para o ensino da utilidade das plantas medicinais e suas aplicações para o combate de enfermidades. O documento apresenta a preocupação dos chamados “homens de ciência” em estudar e conhecer as plantas nacionais e  suas aplicações, tendo em vista os prejuízos causados à monarquia pela utilização de ervas vindas da Europa.
 
Conjunto documental: Registro da correspondência do vice reinado para a Corte.
Notação: Códice 69, vol. 5
Datas-limite: 1790-1795
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim Botânico
Data do documento: dezembro de 1795
Local: s. l.
Folhas: 263 a 264v
 

“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor conde de Rezende[1]. Sendo o cuidado da saúde pública a primeira Lei do Estado social; e vendo eu que desgraçadamente são inertes e insuficientes os meios que empenha a este fim a arte saudável no fértil e aprazível continente do Brasil, servindo-se de drogas velhas corruptas, e adulteradas, que por grande preço se mandam vir da Europa, podendo-se aliás fazer uso com indizível proveito e vantagem das maravilhosas e mui virtuosas plantas de que a benigna providência enriqueceu esta famosa Província da Índia Ocidental[2], como consta pela geral autoridade dos botânicos[3] e viajantes[4] do Orbe, e pelas curas estupendas que vulgarmente aqui operam os curiosos empíricos e selvagens administrando remédios eficazes tirados dos vegetais indígenas; estando eu persuadido e certificado do que acabo de referir pelas informações que tenho buscado, pelas observações e experiências de que tenho usado e pelas digressões botânicas que tenho feito nos subúrbios desta cidade, faltaria o meu dever como patriota e bom vassalo, e a obrigação do meu ministério, como botânico e médico, se agora não fizesse estas representações a V. Excelência ... observando a causa primária de todos estes inconvenientes a qual é certamente a falta de conhecimento das plantas indígenas ou nacionais, e das suas virtudes, isto é a ignorância da ciência botânica aprovando os meios que vou propor a este respeito.

Primeiro- Que se estabeleça um Jardim Médico Botânico nesta capital para onde se hajam de transplantar e cultivar as árvores e plantas medicinais do país, encarregando-se os Generais Governos de mandá-las diligenciar por pessoas inteligentes, e remetendo-as ao dito Jardim, cuja edificação e tratamento se propõem fazer com mui tênue despesa.

Segundo- Que se institua no dito Jardim uma aula de botânica onde sistematicamente se ensine a ciência das plantas, as suas virtudes e modo de as aplicar às diversas enfermidades sendo todos os boticários[5] e cirurgiões[6] futuros obrigados a freqüentarem assiduamente o dito curso, onde serão primeiramente aprovados pelo Professor para depois serem licenciados, para o exercício das suas profissões.

Terceiro- Obrigando-se os boticários atuais a substituírem plantas indígenas às européias inertes e corruptas de que abundam as suas oficinas, vigiando sobre isto o professor de botânica autorizado a condená-los, uma vez, que não se conformem a estas determinações ao menos quanto for possível ... Julgando-se sic finalmente S. M. com assaz de zelo para fomentar no Brasil os progressos desta ciência, e reformar as oficinas de farma; e com Luzes suficientes para ocupar melhor que outrém no Brasil esta nova cadeira pelas informações sic que a este respeito ser-me-á fácil obter de ilegível Lente[7] de botânica e agricultura na Universidade de Coimbra[8] a quem dei provas da minha aplicação no decurso de quatro anos que pratiquei a medicina na cidade do Porto[9], e me entreguei ao estudo e aquisição na flora do Minho, de dom Vandelli[10], lente de prima jubilado em Lisboa; e da Real Academia das Ciências[11], onde há bem poucos anos recitei uma Memória sobre a necessidade de se adiantarem os conhecimentos de Botânica em Portugal e no Brasil, onde a natureza se mostra quase pródiga nas suas produções; sobre os erros em que se tem precipitado a Medicina por falta de Luzes Botânicas e sobre as vantagens do médico botânico; eu me ofereço para exercer este importante ministério em todo o zelo e diligência de que é capaz um vassalo[12] honrado e amigo do bem público fazendo algumas digressões para descobrir e indagar as plantas medicinais comprovando pela experiência a sua eficácia quanto permitirem as minhas tênues forças e fraca (sic) saúde, e isto por qualquer remuneração que determinar S.M. Deus Guarde V. Excelência. Para felicidade nossa e glória dos seus ilegível dezembro de 1795. ilegível dito Manoel Joaquim de Souza Ferrás.”

 

[1] CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

 

 

[2] ÍNDIAS OCIDENTAIS: no final do século XV, a expressão era utilizada para designar o novo continente descoberto – do ponto de vista da ignorância europeia – por Cristóvão Colombo em 1492, que acreditava ter atingido a Ásia e, assim, chegado à Índia. Dessa forma, o termo passou a ser empregado pelos europeus para designar seus próprios territórios na América.

[3] BOTÂNICO: a botânica como campo do conhecimento mereceu os primeiros esforços registrados de sistematização a partir de Teofrasto (371-287 a.C). Discípulo de Aristóteles (384-322 a.C), ele estabeleceu um vocabulário técnico próprio à descrição das diferentes partes das plantas. Por muito tempo o exercício da botânica foi um domínio dos médicos, os únicos que recebiam educação formal nessa matéria e que não iriam, necessariamente, praticar a medicina quando diplomados. É no século XVIII que a botânica passa a se desvincular da farmácia, da produção de medicamentos, interesse primeiro que, desde o Renascimento, regeu também a constituição dos jardins botânicos, de que é exemplo o Jardim Real de Plantas Medicinais, fundado em 1635 na França. Médicos ou naturalistas ocuparam-se do mundo vegetal em atividades de herborização, voltadas para o cultivo e observação das plantas, vivas ou conservadas secas em herbários, tarefa que competia com a construção de um sistema de classificação e de uma nomenclatura que viabilizasse o ordenamento e o inventário da natureza. Esse projeto não se restringiria ao mundo ou reino vegetal, sendo mais amplamente desenvolvido no campo da história natural. Em 1735 a obra Sistema Natural, do médico sueco Carl Von Linné (1707-1778), divide os chamados três reinos da natureza em classe, ordem, gênero e espécie, proposta que, na botânica, estabelece um sistema sexual segundo características dos pistilos e estames, adotados como princípio único a ser obedecido. Na América portuguesa os naturalistas envolvidos com as coleções botânicas e a organização de jardins tinham diferentes formações: entre os práticos foram improvisados muitos militares, enquanto o médico Inácio da Câmara Bittencourt, formado em medicina pela Universidade de Montpellier, foi convidado a criar um jardim botânico na Bahia em 1796. Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), egresso do curso de medicina, formado em filosofia natural pela Universidade de Coimbra, liderou a Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792, e o frei franciscano José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811) destacou-se como naturalista na segunda metade do século XVIII, empreendendo a obra Flora Fluminensis, publicada entre 1825 e 1831 e na qual se encontra a descrição, pelo método de Lineu, de quatrocentas novas espécies de plantas da flora local.

[4] VIAGENS E EXPEDIÇÕES FILOSÓFICAS: a América portuguesa recebeu, ao longo do setecentos, diversas expedições promovidas pela Coroa lusa que, até o último quartel do século, tinham como objetivo a demarcação de limites com a Espanha. Tais expedições, decorrentes de acertos dos tratados de Madri e de Santo Ildefonso, contavam com a presença de astrônomos, geógrafos, matemáticos e engenheiros, que promoveram minuciosa descrição geográfica das regiões fronteiriças. A partir da segunda metade do século XVIII, em compasso com o movimento característico da época moderna, o das viagens de exploração e conhecimento do território a história natural passa a figurar entre as principais preocupações das expedições, ao mesmo tempo em que, se configurava como disciplina na reformada Universidade de Coimbra. Concomitante ao mapeamento do espaço, impunha-se inventariar suas “produções naturais”, conhecer as potencialidades do território, seus recursos naturais e possíveis aplicações na medicina, na alimentação e na indústria, privilegiando, sobretudo, áreas como a botânica, a zoologia e a geografia, além de verificar os terrenos mais propícios a cada cultura. Idealizadas pelo naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, as chamadas Viagens filosóficas foram expedições enviadas às possessões portuguesas na América e na Ásia, comandadas por seus alunos, a partir da década de 1780. No ano de 1783, os naturalistas Joaquim José da Silva, Manoel Galvão da Silva, João da Silva Feijó e Alexandre Rodrigues Ferreira foram enviados para Angola, Índia e Moçambique, Cabo Verde e Brasil, respectivamente. As equipes contavam ainda com “riscadores” encarregados de desenhar as espécies da flora e fauna, além dos nativos. Cabia aos naturalistas, o recolhimento de espécies dos “reinos vegetal, mineral e animal” dos territórios coloniais que seriam encaminhadas a instituições científicas portuguesas. Uma vez recolhidas as espécies seriam analisadas e classificadas conforme o sistema de Carl Von Lineu. Durante as expedições, os viajantes, como ficaram conhecidos os naturalistas, deviam seguir os procedimentos estabelecidos nas Instruções para viagens, elaboradas pela Universidade de Coimbra ou pela Academia Real das Ciências de Lisboa, que determinavam o método a ser empregado na coleta, acondicionamento, classificação e remessa dos produtos, além de orientar sobre a produção de um diário de viagem. No âmbito da administração lusa, a Secretaria de Estado Dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, na figura do secretário Martinho de Melo e Castro esteve à frente desses empreendimentos. Embora o projeto inicial de Vandelli de produzir uma História Natural das Colônias não tenha sido levado a cabo, as viagens filosóficas produziram farta documentação, entre correspondências, diários, memórias, gravuras e ilustrações, e outras publicações, a respeito da natureza e geografia desses territórios, bem como serviram de fonte de informação sobre o cotidiano, cultura, hábitos e costumes dos povos indígenas no ultramar. A partir de 1808, as viagens científicas no Brasil passaram a ser promovidas também por iniciativa e coordenação de outros países europeus, como França e o Império Austro-Húngaro.

[5] BOTICÁRIO: restabelecer a saúde de um doente administrando e criando medicamentos foi, durante muito tempo, função de uma mesma pessoa. Foi no século VIII que a obtenção de remédios para a cura dos doentes deixou de ser uma atividade dos médicos, atribuindo-se aos boticários a manipulação de substâncias nas boticas, além de aviar receitas médicas. Para exercerem suas funções, os boticários necessitavam de licenças expedidas pela fisicatura-mor (1808-1828), órgão que regulamentava todas as atividades médicas. Diogo de Castro foi o primeiro boticário a chegar ao Brasil vindo de Portugal, em 1549, na comitiva do governador-geral Tomé de Souza, composta entre outras pessoas, por seis jesuítas, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, e de um físico e cirurgião da expedição, Jorge Valadares. De início, os medicamentos preparados vinham da metrópole, porém chegavam irregularmente e, com frequência, estragados devido à demora na viagem. A solução para os problemas de saúde na colônia residia, então, na manipulação de raízes, folhas e sementes da flora brasileira, respaldada no conhecimento dos índios para aplicação terapêutica das plantas medicinais. Os jesuítas, no seu trabalho de catequese, se dedicaram ao aprendizado manipulação de matérias primas nativas para obtenção de remédios que curassem as doenças próprias da região dos trópicos. Tal fato também contribuiu para o empenho dos jesuítas em aprender a transformar em medicamento o que as plantas nativas ofereciam, mesclando os conhecimentos médicos europeus com aqueles obtidos com os indígenas. De certa forma, os jesuítas foram os primeiros boticários e nos seus colégios criaram-se as primeiras boticas, onde o povo encontrava os medicamentos para alívio dos seus males. Foram instaladas sob a direção dos padres boticas na Bahia, Olinda, Recife, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. A mais importante foi a da Bahia, por se tornar um centro distribuidor para as demais.

[6] CIRURGIÃO: a cirurgia vem de uma longa tradição científica que nos séculos XVII e XVIII podia ser localizada no tratado árabe “O método da medicina”, de Albucasis, (936-1013) traduzido em latim e largamente disseminado na Idade Média. Na França a cirurgia teria sido o campo mais radicalmente transformado no século das Luzes, como escreve Alain Touwaide (Chirurgie. In: Delon, M. Dictionnaire européen des Lumières, 1997). É nesse período que os cirurgiões conquistam o respeito dos médicos e que a cirurgia se torna, nas universidades, um instrumento de investigação do corpo e da própria doença. Os cirurgiões distinguiam-se dos médicos, havendo diferenças entre eles, como em Portugal onde eram divididos em três tipos, os diplomados, aprovados e barbeiros, segundo a formação e local de aprendizagem, como hospitais militares, misericórdias ou outros hospitais, como explica Lycurgo Santos Filho (Cirurgiões. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil, 1994). Predominaram no Brasil e em Portugal os cirurgiões-barbeiros, acolhidos como aprendizes pelos mestres cirurgiões. Ainda de acordo com Santos Filho, nos séculos XVI e XVII os cirurgiões eram quase todos cristãos novos, quase sempre perseguidos pelo Santo Ofício por práticas judaizantes, mas que dada sua especialidade chegaram a postos de destaque na sociedade colonial, como assinala Ronaldo Vainfas (Cf. Cirurgiões. In: Dicionário do Brasil colonial, 1500-1808, 2001). Nos séculos seguintes os cirurgiões na América portuguesa foram muitas vezes negros, escravizados ou não, além dos classificados como brancos ou mulatos. Cabia-lhes sangrar, aplicar bichas ou ventosas, escalda-pés, banhos, arrancar dentes, e, cortar cabelo e fazer a barba. Sem que tivessem autorização para tal, procediam a amputações e lancetavam abscessos diz Lycurgo S. Filho. A cirurgia seguiria dividida entre aqueles que adquiriam o conhecimento com mestres ou pela prática e outros que a exerceriam a partir das universidades. A partir de 1808 os hospitais militares de Salvador e do Rio de Janeiro passam a contar com cursos de cirurgia; Entre 1813 e 1816 são fundadas, nas mesmas cidades, academias médico-cirúrgicas que concedem diplomas de cirurgião e cirurgião formado. Em 1832 são criadas faculdades de medicina no Império. (PIMENTA, T. S. “Curandeiro, parteira e sangrador: ofícios de cura no início do oitocentos na corte imperial”. Khronos, nº6, pp. 59 - 64. 2018.)

[7] LENTE: professor catedrático, termo que denominava os professores das chamadas cadeiras grandes, isto é, os professores dos ensinos superiores. De acordo com os estatutos da Universidade de Coimbra de 1653, caberia aos lentes preservar todo o conteúdo das grandes áreas de ensino, apresentado e lido aos alunos, sem nenhuma espécie de questionamento. As aulas deveriam ser ministradas em latim, com os professores de barrete (espécie de chapéu de tecido) na cabeça – com pena de multa para os que não o usassem. Com a reforma pombalina da Universidade, em 1772, os novos estatutos reformularam a atuação dos lentes. Apesar das grandes áreas de ensino continuarem demarcadas, abriu-se o caminho do professor para o acompanhamento do aluno, através da indicação de bibliografia e explicação dos conteúdos, em uma tarefa levada mais à compreensão que a memorização. No Brasil, sua atuação iniciou-se com a criação das primeiras instituições de ensino superior (Academias Médicas e Militares) a partir da vinda da corte portuguesa em 1808.

[8] UNIVERSIDADE DE COIMBRA: fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.

[9] PORTO, CIDADE DO: localizada à margem direita do rio Douro, é atualmente a segunda maior cidade de Portugal, sendo considerada a capital do norte do país. Inicialmente batizada de Cale e, posteriormente, de Portucale (nome que deu origem à denominação Portugal), a cidade passou a chamar-se Porto no século XIII, como forma de distingui-la do reino recém-fundado. Entre os séculos XIII e XV, a região desenvolveu fortemente a atividade marítima e comercial, reforçando as relações com portos importantes do Velho Mundo (Barcelona, Valência, Londres, entre outros). A cidade também se tornou conhecida pela produção e comércio de vinho de alta qualidade, que contribuiu para o aumento populacional da região no século XVII. No Porto foi instalada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o objetivo de sustentar a reputação dos vinhos dessa região, a cultura das vinhas, beneficiar o seu comércio. A cidade foi palco e centro irradiador da Revolução Liberal do Porto em 1820. De caráter liberal e antiabsolutista, tinha como principal objetivo a formulação da primeira constituição de Portugal.

[10] VANDELLI, DOMINGOS AGOSTINHO (1735-1816): nascido em Pádua, na Itália, Domenico Vandelli concluiu na mesma cidade a sua formação universitária nos domínios da medicina e da história natural e integrando o corpo de professores do Real Colégio dos Nobres, a convite do Marquês de Pombal em 1764. Logo em seguida, durante as reformas da Universidade de Coimbra, passou a lecionar na Faculdade de Filosofia como lente de química e de história natural. Foi o responsável pelo planejamento e fundação do Jardim Botânico do Palácio da Ajuda (1768), além do estabelecimento do Laboratório Químico e do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra. Elaborou o projeto de uma fábrica de louças por volta de 1780, no Rossio de Santa Clara de Coimbra, que ficou conhecida como “louça de Vandelles”, tornando-se famosa por sua beleza e qualidade. Foi designado o primeiro diretor do Jardim Botânico da Ajuda, em 1787, recebendo ainda a nomeação de deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação dos reinos e seus domínios. Pertenceu a muitas academias científicas, tendo participado da criação da Real Academia das Ciências de Lisboa e produzido diversas obras, principalmente sobre história natural (botânica). Em 1751, iniciou uma prolongada correspondência com Carl Von Lineu (1707-1778). Este, ao catalogar uma família de plantas, dedicou-lhe o gênero Vandellia. Levado pelo desejo de novas descobertas e conhecimentos científicos, Vandelli promoveu viagens e expedições filosóficas aos domínios ultramarinos portugueses, levadas a cabo por Alexandre Rodrigues Ferreira e outros naturalistas que foram seus alunos na Universidade de Coimbra. Teve ainda, entre seus discípulos, frei Mariano da Conceição Veloso, autor da obra Flora Fluminensis. Durante a invasão francesa a Portugal, foi acusado de defender as pretensões napoleônicas, sendo preso e deportado para a Ilha Terceira, nos Açores (1810), aos setenta e cinco anos de idade. Foi, posteriormente, para a Inglaterra, retornando a Portugal em 1815, onde faleceu um ano depois.

[11] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.

[12] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

 

 

 
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is): 
- No eixo temático  sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No sub-tema “As relações sociais, a natureza e a terra”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio ambiente”  

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: culturas naturais 
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais
- Viagens científicas
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