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Festas das cabanas

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 19h54 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 15h01

Carta ao bispo de Algarves por parte dos suplicantes judeus, que estavam requerendo do bispo a licença para fazerem sua festa denominada das cabanas. Argumentando tratar-se de uma prática antiga de sua lei, os judeus estavam solicitando a tal licença em função do aviso recebido pelos suplicantes para não realizarem a festa, a qual tinha sido proibida pelo bispo. O documento apresenta uma descrição detalhada de uma das tradições culturais do povo hebreu.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 662, pct.02
Datas – limite: 1812-1813
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: judeus (Portugal)
Data do documento: s.d.
Local: cidade do Faro
Folha (s): _ 

 

Dizem os judeus[1], assistentes ao presente nesta cidade de Faro[2], que entre os suplicantes é antiquíssimo o fazerem a festa da sua lei, denominada a festa das Cabanas[3], e isto em qualquer parte ainda (sic) se acham cuja festa principia em 8 de setembro, durando oito dias, cuja festa consiste só em um quintal da sua habitação fazerem sua espécie de barraca com canos verdes, e na mesma comerem e beberem, sem que nisto dê em escândalos, porque se ajuntando as famílias de sua Nação, a noite se recolhem a suas casas, agora porém são avisados os suplicantes para tal não fazerem, porque tinha ordem de V. Exa para proibir; mas Excelentíssimo Sr. como esta festa entre os suplicantes não entra outra Nação e só sim os suplicantes Jesus, e isto se observa em toda a parte aonde os suplicantes habitam sem que lhe haja proibido, e que será muito constante a Va Exa por onde tem andando; é por isto que suplicam a V. Exa se digne conceder-lhe a licença para fazerem a sua dita festa, que eles protestam não dar o menor escândalo, como V. Exa se poderá informar, sirva-se V. Exa assim o haver por bem do que.

E Receberá Mercê[4].

 

[1] HEBREUS: povo‌ ‌de‌ ‌origem‌ ‌semita‌ ‌-‌ ‌indivíduos‌ ‌descendentes‌ ‌dos‌ ‌povos‌ ‌e‌ ‌culturas‌ ‌oriundas‌ ‌da‌ ‌Ásia‌ ‌ocidental‌ ‌e,‌ ‌portanto,‌ ‌pertencentes‌ ‌à‌ ‌mesma‌ ‌família‌ ‌etnográfica‌ ‌e‌ ‌linguística,‌ ‌como‌ ‌os‌ ‌assírios,‌ ‌os‌ ‌aramaicos,‌ ‌os‌ ‌fenícios‌ ‌e‌ ‌os‌ ‌árabes‌ ‌-,‌ ‌os‌ ‌hebreus,‌ ‌segundo‌ ‌os‌ ‌primeiros‌ ‌relatos,‌ ‌habitavam‌ ‌o‌ ‌sul‌ ‌da‌ ‌Mesopotâmia.‌ ‌Eram‌ ‌pastores‌ ‌seminômades,‌ ‌organizados‌ ‌em‌ ‌pequenos‌ ‌grupos,‌ ‌e‌ ‌que‌ ‌tinham‌ ‌na‌ ‌religião‌ ‌judaica‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌principal‌ ‌característica,‌ ‌aquilo‌ ‌que‌ ‌os‌ ‌identificava‌ ‌como‌ ‌povo.‌ ‌O‌ ‌judaísmo‌ ‌-‌ ‌primeira‌ ‌religião‌ ‌monoteísta‌ ‌-,‌ ‌os‌ ‌diferenciava‌ ‌sobremaneira‌ ‌dos‌ ‌outros‌ ‌povos‌ ‌que‌ ‌também‌ ‌habitavam‌ ‌essa‌ ‌conturbada‌ ‌região‌ ‌e‌ ‌praticavam‌ ‌o‌ ‌politeísmo.‌ ‌Há‌ ‌aproximadamente‌ ‌2000‌ ‌anos‌ ‌a.C.,‌ ‌os‌ ‌hebreus‌ ‌radicaram-se‌ ‌no‌ ‌vale‌ ‌do‌ ‌rio‌ ‌Jordão,‌ ‌na‌ ‌Palestina.‌ ‌A‌ ‌partir‌ ‌dessa‌ ‌ocupação,‌ ‌deixam‌ ‌o‌ ‌seu‌ ‌estado‌ ‌tribal‌ ‌para‌ ‌assumir‌ ‌uma‌ ‌identidade‌ ‌nacional,‌ ‌onde‌ ‌a‌ ‌terra,‌ ‌ ‌tornar-se-ia‌ ‌outro‌ ‌elemento‌ ‌de‌ ‌união‌ ‌desse‌ ‌povo.‌ ‌Por‌ ‌volta‌ ‌do‌ ‌ano‌ ‌70‌ ‌d.C.,‌ ‌os‌ ‌romanos‌ ‌dominaram‌ ‌a‌ ‌região,‌ ‌destruindo‌ ‌sua‌ ‌principal‌ ‌cidade,‌ ‌Jerusalém. A‌ ‌partir‌ ‌de‌ ‌então,‌ ‌os‌ ‌hebreus, expulsos,‌ ‌dispersaram-se‌ ‌pelo‌ ‌mundo‌ ‌–‌ ‌o que ficaria conhecido como‌ ‌diáspora‌ ‌judaica.‌ ‌Foi‌ ‌no‌ período‌ ‌romano‌ ‌que‌ ‌o‌ ‌etnônimio‌ ‌passou‌ ‌a‌ ‌ser‌ ‌utilizado‌ ‌também‌ ‌para‌ ‌referir-se‌ ‌aos‌ ‌judeus‌,‌ ‌um‌ ‌grupo‌ ‌étnico‌ ‌e‌ ‌religioso‌ ‌de‌ ‌ascendência‌ ‌hebraica.‌ ‌Durante‌ ‌a‌ ‌diáspora,‌ ‌os‌ ‌hebreus‌ ‌migraram‌ ‌para‌ ‌outras‌ ‌regiões‌ ‌do‌ ‌globo,‌ ‌sobretudo‌ ‌a‌ ‌Ásia‌ ‌Menor,‌ ‌África‌ ‌e‌ ‌o‌ ‌sul‌ ‌da‌ ‌Europa,‌ ‌onde‌ ‌formaram‌ ‌comunidades‌ ‌judaicas‌ ‌no‌ ‌intento‌ ‌de‌ ‌manter‌ ‌suas‌ ‌crenças‌ ‌e‌ ‌tradições.‌ ‌No‌ ‌mundo‌ ‌ibérico,‌ ‌sua‌ ‌presença‌ ‌sempre‌ ‌foi‌ ‌bastante‌ ‌conturbada.‌ ‌Constantemente‌ ‌sujeitos‌ ‌a‌ ‌perseguições,‌ ‌os‌ ‌judeus‌ ‌eram‌ ‌difamados‌ ‌como‌ ‌usurários,‌ ‌assassinos,‌ ‌ladrões,‌ ‌feiticeiros,‌ ‌etc.‌ ‌Expulsos‌ ‌pela‌ ‌Inquisição‌ ‌espanhola,‌ ‌em‌ ‌1492,‌ ‌também‌ ‌enfrentaram‌ ‌a‌ ‌Inquisição‌ ‌em‌ ‌‌Portugal‌,‌ ‌após‌ ‌o‌ ‌casamento‌ ‌entre‌ ‌‌d.‌ ‌Manoel‌ ‌I‌ ‌e‌ ‌Isabel,‌ ‌princesa‌ ‌espanhola‌ ‌filha‌ ‌dos‌ ‌reis‌ ‌católicos.‌ ‌Entre‌ ‌as‌ ‌diversas‌ ‌leis‌ ‌contra‌ ‌os‌ ‌judeus,‌ ‌que‌ ‌foram‌ ‌publicadas‌ ‌nessa‌ ‌época,‌ ‌destaca-se‌ ‌o‌ ‌édito‌ ‌de‌ ‌expulsão‌ ‌de‌ ‌d.‌ ‌Manoel‌ ‌I,‌ ‌publicado‌ ‌em‌ ‌1496,‌ ‌que‌ ‌obrigava‌ ‌os‌ ‌judeus‌ ‌e‌ ‌muçulmanos‌ ‌a‌ ‌sair‌ ‌do‌ ‌país‌ ‌ou‌ ‌a‌ ‌converter-se‌ ‌ao‌ ‌cristianismo.‌ ‌A‌ ‌partir‌ ‌de‌ ‌então,‌ ‌milhares‌ ‌de‌ ‌judeus‌ ‌foram‌ ‌forçados‌ ‌a‌ ‌adotar‌ ‌a‌ ‌fé‌ ‌católica,‌ ‌tornando-se‌ ‌os‌ ‌chamados‌ ‌‌cristãos-novos‌,‌ ‌mudando,‌ ‌inclusive,‌ ‌seus‌ ‌nomes,‌ ‌embora‌ ‌muitos‌ ‌tenham‌ ‌conservado‌ ‌em‌ ‌segredo‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌identidade,‌ ‌sendo‌ ‌denominados‌ ‌criptojudeus.‌ ‌Nas‌ ‌várias‌ ‌ondas‌ ‌de‌ ‌antissemitismo‌ ‌que‌ ‌atingiram‌ ‌os‌ ‌judeus,‌ ‌seus‌ ‌bens‌ ‌foram‌ ‌confiscados‌ ‌e‌ ‌suas‌ ‌mulheres‌ ‌condenadas‌ ‌à‌ ‌fogueira‌ ‌como‌ ‌hereges.‌ ‌Com‌ ‌relação‌ ‌à‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ ‌os‌ ‌judeus‌ ‌aqui‌ ‌aportaram‌ ‌já‌ ‌em‌ ‌1503,‌ ‌na‌ ‌condição‌ ‌de‌ ‌cristãos-novos,‌ ‌impulsionando‌ ‌o‌ ‌processo‌ ‌de‌ ‌colonização,‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌aval‌ ‌da‌ ‌Coroa‌ ‌portuguesa.‌ ‌Desde‌ ‌1535,‌ ‌era‌ ‌prática‌ ‌Portugal‌ ‌deportar‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌América‌ ‌criminosos‌ ‌de‌ ‌todos‌ ‌os‌ ‌tipos‌ ‌e,‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌introdução‌ ‌do‌ ‌Santo‌ ‌Ofício‌ ‌no‌ ‌Reino,‌ ‌que‌ ‌teve‌ ‌seu‌ ‌primeiro‌ ‌Auto-de-fé‌ ‌em‌ ‌1540,‌ ‌os‌ ‌judaizantes‌ ‌-‌ ‌assim‌ ‌denominados‌ ‌aqueles‌ ‌que‌ ‌secretamente‌ ‌praticavam‌ ‌a‌ ‌fé‌ ‌judaica,‌ ‌mesmo‌ ‌na‌ ‌condição‌ ‌de‌ ‌cristãos-novos‌ ‌-‌ ‌também‌ ‌seriam‌ ‌degredados‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌além-mar.‌ ‌Muitos‌ ‌também‌ ‌vieram‌ ‌fugidos‌ ‌da‌ ‌Inquisição‌, mesmo antes de uma acusação formal, ‌pois o tribunal‌ ‌foi‌ ‌implacável‌ ‌na‌ ‌busca‌ ‌da‌ ‌origem‌ ‌étnica‌ ‌dos‌ ‌portugueses.‌ ‌Procuravam ‌nos‌ ‌novos‌ ‌territórios‌ ‌ultramarinos‌ ‌um‌ ‌refúgio.‌ ‌No‌ ‌entanto,‌ ‌em‌ ‌fins‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XVI,‌ ‌a‌ ‌Inquisição‌ ‌se‌ ‌fez‌ ‌presente‌ ‌também‌ ‌na‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ através das visitas de inquisidores do Tribunal do Santo Ofício português, ‌perseguindo‌ ‌e‌ ‌processando‌ ‌cristãos-novos‌ ‌por‌ ‌quaisquer‌ ‌condutas‌ ‌que‌ ‌ferisse‌ ‌os‌ ‌dogmas‌ ‌da‌ ‌Igreja‌ ‌Católica,‌ ‌entre‌ ‌elas‌ ‌as‌ ‌práticas‌ ‌de‌ ‌tradições‌ ‌e‌ ‌ritos‌ ‌judaicos.‌ ‌A‌ ‌partir‌ ‌da‌ ‌primeira‌ ‌visita‌‌ ‌em‌ ‌1591,‌ na Bahia, ‌os‌ ‌cristãos-novos,‌ ‌sendo‌ ‌eles‌ ‌sinceramente‌ ‌convertidos‌ ‌ou‌ ‌não,‌ ‌enfrentaram‌ ‌um‌ ‌clima‌ ‌de‌ ‌denuncismo,‌ ‌preconceito‌ ‌e‌ ‌hostilidade.‌ ‌Pode-se‌ ‌afirmar,‌ ‌contudo,‌ ‌que‌ ‌as‌ ‌perseguições‌ ‌que‌ ‌teriam‌ ‌se‌ ‌iniciado‌ ‌no‌ ‌século‌ ‌XVIII‌ ‌enfrentaram‌ ‌muitas‌ ‌dificuldades,‌ ‌tendo‌ ‌em‌ ‌vista‌ ‌à‌ ‌ocupação‌ ‌territorial‌ ‌bastante‌ ‌espalhada‌ ‌feita‌ ‌pelos‌ ‌cristãos-novos‌ ‌na‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ ‌levando‌ ‌a‌ ‌um‌ ‌número‌ ‌reduzido‌ ‌de‌ ‌prisões.‌ ‌Anita‌ ‌Novinsky‌ ‌(1972)‌ ‌também‌ ‌sustenta‌ ‌a‌ ‌ideia‌ ‌de‌ ‌que‌ ‌o‌ ‌interesse‌ ‌econômico‌ ‌da‌ ‌metrópole,‌ ‌ou‌ ‌seja,‌ ‌o‌ ‌peso‌ ‌das‌ ‌atividades‌ ‌financeiras‌ ‌desenvolvidas‌ ‌pelos‌ ‌cristãos-novos‌ ‌e‌ ‌sua‌ ‌importância‌ ‌na‌ ‌ocupação‌ ‌do‌ ‌território,‌ ‌contribuiu‌ ‌para‌ ‌as‌ ‌poucas‌ ‌detenções.‌ ‌Os‌ ‌judeus‌ ‌viveriam‌ ‌um‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌relativa‌ ‌liberdade‌ ‌religiosa‌ ‌durante‌ ‌o‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌ocupação‌ ‌holandesa‌ ‌no‌ nordeste brasileiro ‌(1630-1654).‌ ‌Algumas‌ ‌famílias‌ ‌de‌ ‌origem‌ ‌lusa,‌ ‌residentes‌ ‌nos‌ ‌Países‌ ‌Baixos,‌ ‌migraram‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌nordeste,‌ ‌especialmente‌ ‌para‌ ‌‌Pernambuco‌,‌ ‌desfrutando‌ ‌da‌ ‌liberdade‌ ‌concedida‌ ‌então,‌ ‌sobretudo‌ ‌no‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌Maurício‌ ‌de‌ ‌Nassau.‌ ‌Com‌ ‌a‌ ‌expulsão‌ ‌dos‌ ‌holandeses,‌ ‌muitos‌ ‌judeus‌ regressaram‌ ‌à‌ ‌Holanda,‌ ‌outros‌ ‌ajudaram‌ ‌na‌ ‌fundação‌ ‌de‌ ‌Nova‌ ‌Amsterdam,‌ ‌atual‌ ‌cidade‌ ‌de‌ ‌Nova‌ ‌Iorque.‌ ‌A‌ ‌diáspora‌ ‌judaica‌ ‌chegou‌ ‌ao‌ ‌fim‌ ‌em‌ ‌1948,‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌fundação‌ ‌do‌ ‌Estado‌ ‌de‌ ‌Israel‌ ‌em‌ ‌sua‌ ‌região‌ ‌de‌ ‌origem,‌ ‌onde‌ ‌havia‌ ‌se‌ ‌mantido,‌ ‌ao‌ ‌longo‌ ‌do‌ ‌tempo,‌ ‌uma‌ ‌expressiva‌ ‌presença‌ ‌judaica.‌ ‌Ainda‌ ‌hoje,‌ ‌o‌ ‌povo‌ ‌judeu‌ ‌mantém‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌unidade‌ ‌através‌ ‌das‌ ‌histórias,‌ ‌tradições‌ ‌e‌ ‌cultos‌ ‌religiosos,‌ ‌independentemente‌ ‌do‌ ‌idioma‌ ‌ou‌ ‌da‌ ‌nacionalidade‌ ‌de‌ ‌cada‌ ‌indivíduo.‌ ‌

[2] FARO, CIDADE DE: passou a integrar o território português em 1249, à época da reconquista cristã feita rei d. Afonso III. Em setembro de 1540, foi elevada à categoria de cidade pelo rei d. João III. Com a mudança da sede do bispado de Silves para Faro, em 1577, adquiriu uma nova importância econômica e política. Em 1755, a cidade foi seriamente danificada pelo terremoto que destruiu Lisboa e praticamente todo o sudoeste de Portugal. Um ano após a catástrofe, foi elevada à capital do Algarve.

[3] FESTA DAS CABANAS: festa típica da cultura hebraica, também chamada Sucot, ocorre após as comemorações do Rosh Hashaná (ano novo) e Yom Kipur (dia do perdão), representando o período dos 40 anos de peregrinação dos hebreus no deserto a caminho da terra prometida. Nesta celebração, os judeus devem, por sete dias, abandonar suas casas e habitar em cabanas frágeis para que se lembrem da proteção divina e a temporalidade da vida terrena.

[4] MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):

- No eixo temático sobre a “história das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No tema transversal “pluralidade cultural”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A formação da sociedade colonial
- Sociedade colonial: práticas e costumes
- A Contra-reforma e a Santa Inquisição:  conseqüências  no mundo ibérico
- Relação Igreja e Estado:  ações e conseqüências da propagação da fé católica

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