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Comentário

Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 13h40
 Nas máquinas do tempo: fábricas e manufaturas no Brasil joanino

Cláudia Beatriz Heynemann
Doutora em História Social pela UFRJ
Editora do sítio O Arquivo Nacional e a História Luso-brasileira

Renata William Santos do Vale
Mestre em História Social da Cultura pela PUC-Rio
Pesquisadora do Arquivo Nacional

    
O desembarque da Corte portuguesa no Brasil em 1808 promoveu inúmeras mudanças no campo cultural, político, simbólico e econômico. Podemos citar os novos hábitos, as transformações no espaço da cidade do Rio de Janeiro, a abertura dos portos às nações amigas, o maior afluxo de comércio e produtos importados e uma preocupação em introduzir as fábricas e manufaturas no Brasil, processo anteriormente iniciado, mas precocemente limitado durante o período colonial.

Entre os textos que documentam a gênese da industrialização no Brasil, talvez um dos mais lembrados e comentados seja o Alvará de 1785, que proíbe as manufaturas de tecidos finos no Brasil, transcrito na seção D. João nas escolas. Por um lado, para lembrar sua futura revogação, por outro, e essencialmente, por indicar uma aparente reafirmação do caráter colonial da América portuguesa. Para toda uma linhagem de historiadores, o Alvará representou o caráter repressor da política metropolitana, com graves efeitos para o que seria uma nascente produção local. Cabe aqui um retorno a meados do século XVIII para melhor compreensão do contexto no qual este documento foi produzido.

O reinado de d. Maria I, iniciado em 1777, foi por muitos considerado o período da "viradeira", ou seja, de um retrocesso face à política reformista ilustrada do governo de d. José I e seu célebre ministro, Sebastião Carvalho de Melo, o marquês de Pombal. Neste momento, o alvará apresentou-se como um símbolo desse retrocesso. No entanto, tal como sugere Fernando Novais, devemos analisá-lo à luz das idéias econômicas de cunho mercantilista e de matriz fisiocrata predominantes na época. Ao proibir as manufaturas e insistir que a verdadeira riqueza estava nos frutos da terra, Portugal expressava que não poderia prescindir do mercado colonial, enquanto a colônia ensaiava seus primeiros passos rumo a um desenvolvimento independente:desde o reinado de d. José I, foi uma constante preocupação dos governantes o estímulo aos estudos de botânica e mineralogia, à produção de memórias científicas e à realização de expedições que avaliassem as condições de exploração dos recursos naturais das colônias.

A partir do período joanino, visando ao crescimento da produção e da produtividade, o investimento em estudos científicos para a melhoria de técnicas agrícolas também aumentou. A agricultura passou a ser vista como uma arte, um exemplo da capacidade do homem interagir com seu ambiente e transformá-lo em seu benefício. Deste modo, as atividades agrícolas passaram a ser encaradas como a grande fonte de riqueza do Estado, a verdadeira arte produtiva, para onde deveriam se voltar todos os esforços científicos e práticos.

É nesse contexto que devemos pensar a proibição das manufaturas no Brasil em 1785, expressando o pensamento de inspiração fisiocrata do Estado português, e expressando a preocupação de não ferir os laços mercantilistas, nos quais a colônia é responsável pelo fornecimento dos gêneros agrícolas enquanto a metrópole se encarregava de prover os produtos manufaturados. Para além dessas razões, outra questão que pesava para a proibição das manufaturas no Brasil era a própria tentativa de Portugal de estabelecer e firmar uma indústria manufatureira que pudesse substituir em parte as onerosas importações da Inglaterra, que, depois da Revolução Industrial, detinha o controle do mercado de exportação de gêneros industriais. A colônia representava um importante mercado para as manufaturas nascentes de Portugal, que não sobreviveriam a mais uma concorrência e à falta de consumidores.

Depois da Revolução Industrial, há uma crescente necessidade, por parte da Inglaterra, de mercados consumidores e fornecedores de matérias-primas para sua mais importante indústria, a têxtil, principalmente o algodão, produto de regiões e climas tropicais. Portugal representava nesta complexa teia de relações, um importante papel de aliado, importador dos produtos ingleses, que seriam repassados a suas colônias junto com seus próprios gêneros manufaturados. O Brasil, consecutivamente, cresce de importância, não somente para sua metrópole, tornando-se a mais valorosa colônia do Império português, mas despertando crescente interesse em outras nações atraídas pelo potencial lucrativo de um território tão vasto e fértil, apesar da enorme população destituída de meios de compra - os escravos. Durante as guerras de independência das treze colônias, o Maranhão tornou-se um importante fornecedor de algodão para a indústria têxtil inglesa, retornando manufaturado posteriormente por meio de Portugal. 

Cabe aqui avaliar o frágil equilíbrio de forças e a delicada posição de Portugal e da Inglaterra frente ao Brasil em termos comerciais e o papel importante do contrabando.2 No reinado de d. Maria I verificava-se uma significativa diminuição nos lucros obtidos com o comércio com o Brasil devido a concessões de licenças aos ingleses para comerciarem em alguns portos brasileiros, mas principalmente ao contrabando promovido por outros países europeus, sobretudo pela Inglaterra.3 Essa diminuição de lucros foi corretamente creditada a um aumento do contrabando nas costas brasileiras, principalmente de origem inglesa, e ao discreto desenvolvimento de oficinas e manufaturas grosseiras de têxteis, sobretudo.

Como reação, tentando restaurar sua parte no equilíbrio com a Inglaterra, que comercializava diretamente com o Brasil e rompia o traço mais importante dos laços coloniais, o exclusivo comercial, Portugal emite dois alvarás em 5 de janeiro de 1785, um proibindo as manufaturas e o outro reprimindo o contrabando no Brasil. Com o comércio ilícito lucravam os ingleses, com um grande mercado fornecedor e consumidor na América do Sul, lucrava o Brasil, onde se dizia ser possível encontrar tecidos de algodão mais baratos do que em Portugal, e perdia a Coroa portuguesa e suas manufaturas, que não conseguiam se desenvolver face à desleal competição com os produtos ingleses, de melhor qualidade, mais baratos (pois chegavam ao Brasil sem pagar os devidos direitos) e abundantes. Cabe assinalar que o alvará que proíbe as manufaturas no Brasil também agradou aos ingleses, que não tinham mais as manufaturas brasileiras para embaraçar o comércio. Novais avalia assim a situação:.

[...] no mais das vezes a aliança inglesa encobria para Portugal uma efetiva tutela. ... O que a côrte de Lisboa tinha em mira era um equilíbrio difícil que, sem comprometer de todo a necessária aliança política, permitisse recobrar uma mais larga faixa de movimentação econômica. [...]

Ao determinar a supressão das manufaturas existentes no Brasil (...), bem como ao intentar coibir a penetração de economias mais desenvolvidas no mercado ultramarino, a política colonial portuguesa reage a uma situação de fato, que deve ser encarada com objetividade, mas é indiscutível que ao fazê-lo procura preservar em moldes tradicionais o funcionamento do sistema, e nesse sentido é justo falar-se em persistência de uma orientação mercantilista.4

Voltando nosso olhar para a situação da colônia, percebemos que internamente os baixos níveis de capitalização entre os colonizados (as camadas mais pobres da população da colônia) dificultavam a convivência entre a atividade manufatureira e a produção agrícola, devendo haver uma preponderância em favor da segunda. No entanto, entre os colonos (produtores agrícolas exportadores) podemos verificar a presença de moeda corrente, oriunda do comércio contrabandista. Esse capital era freqüentemente convertido em produtos manufaturados, comprados comumente direto do contrabando inglês, de melhor qualidade e, muitas vezes, mais baratos do que os produzidos pelas manufaturas coloniais, que produziam artesanalmente e em pequena escala.

Desta forma, segundo Novais, não se pode concluir que "o impacto da proibição sobre a economia colonial brasileira tenha assumido dimensões de grande monta", fato esse verificável pelas escassas apreensões de teares que resultaram das buscas empreendidas pelas autoridades coloniais principalmente nos núcleos mais densos como a capital, o Rio de Janeiro e a antiga sede, a cidade de Salvador. Mantinham-se as manufaturas domésticas para a produção de tecidos grossos para vestimentas de escravos e dos grupos mais desfavorecidos, e para a confecção de sacos para transporte de gêneros agrícolas. A função da manufatura na colônia deveria ser de complementar as atividades agrícolas ou suprir as faltas da metrópole, nunca rivalizar com esta. Essa idéia da indústria como complementar da "verdadeira" atividade econômica, a agricultura, ganha força ao longo do oitocentos e é responsável pela demora na industrialização do Brasil.

O desembarque da Corte portuguesa no Brasil trouxe, logo de imediato, a revogação da proibição de 1785 no alvará de 1º de abril de 1808, que extinguia "toda e qualquer proibição, que haja a este respeito no Estado do Brasil, e nos meus domínios ultramarinos, e ordenar, que daqui em diante, seja o país em que habitem, estabelecer todo o gênero de manufaturas, sem excetuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como entenderem que mais lhes convém, para o que". O alvará de abertura dos portos em 28 de janeiro de 1808 preocupou os comerciantes e fabricantes portugueses que perdiam sua prerrogativa oficial de exclusivos no comércio com o Brasil, ainda que, na prática, soubessem dos contrabandos. Embora reconhecessem que era necessário à Coroa abrir os portos da nova sede do Império para a continuação das transações comerciais, e também tivessem ciência do acordo com a Inglaterra, que previa a abertura dos portos brasileiros aos produtos ingleses em troca de apoio na transmigração da Corte e da burocracia do Estado para o Brasil, os comerciantes e donos de manufaturas portugueses sentiram-se lesados em seus direitos e efetivamente não tinham como competir com um concorrente tão forte quanto a Inglaterra pós-Revolução Industrial.

O alvará de 1º de abril de 1808, reproduzido na seção D. João nas escolas5, foi uma tentativa de compensar parte das perdas e acalmar os ânimos, abrindo a possibilidade e promovendo a implementação de manufaturas no Brasil. Essa medida não foi suficiente, pois muitos portugueses haviam perdido seus bens com as guerras napoleônicas e na fuga para o Brasil, e não tinham condições de se restabelecer na nova Corte. Essa situação levou à criação do alvará de 28 de abril de 1809, que representou mais um esforço para favorecer a introdução de fábricas no Brasil e recuperar o frágil equilíbrio de forças, oferecendo privilégios de catorze anos para inventores e introdutores de novas máquinas no Brasil,6 sobretudo as que auxiliassem na agricultura, e pela criação de uma loteria, cuja arrecadação seria revertida para auxílio das manufaturas que se encontrassem em dificuldade, principalmente as de lã, algodão, seda, ferro e aço. Outra medida, exemplificada em um parecer da Junta do Comércio na seção D. João nas escolas, previa a proteção das manufaturas e tecidos estampados e de cor vindos das colônias portuguesas no Oriente, que chegavam ao Brasil obrigatoriamente via Portugal, e que teriam seus direitos reduzidos e a manutenção do privilégio de comércio para favorecer os comerciantes portugueses responsáveis pelo fornecimento dos gêneros e os que mediariam as transações.7

Tais medidas, visando a melhorar as condições dos portugueses, acabavam por ferir os acordos com a Inglaterra, que cobrava sua parte no pacto. O Tratado de Amizade, Comércio e Navegação firmado em 1810, novamente desestabilizou as já precárias relações entre portugueses e ingleses. O acordo firmado revela o frágil equilíbrio de forças e as dependentes relações entre Portugal e Inglaterra, resultando em uma concessão que favorecia diretamente os produtos ingleses em detrimento dos próprios gêneros portugueses, que pagariam 16% de impostos, e dos estrangeiros de outras nações amigas, taxados em 24%, contra os 15% cobrados dos ingleses. Este tratado resultou, praticamente, em um domínio inglês no mercado do Brasil, uma vez que se tornava bastante difícil para as outras nações competir com os preços, a variedade e a qualidade dos produtos oriundos da Inglaterra e suas colônias. Provocou profundo mal-estar e insatisfação entre os produtores e negociantes portugueses, que se sentiam lesados no comércio colonial que controlavam com exclusividade anteriormente, e também desagradou aos ingleses, desejosos de mais benefícios e privilégios em troca de terem ajudado na transmigração da Corte e na manutenção da integridade do Império português.

Outra medida tomada logo depois da chegada da Corte foi a criação da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação em 23 de agosto de 1808, em decorrência direta da abertura dos portos, para administrar questões relativas a matrículas dos comerciantes nas diversas praças comerciais do Brasil e para funcionar como um órgão regulador da implementação das fábricas e manufaturas no Brasil.

Era função da Junta dar permissão para abertura de fábricas, conceder privilégios, monopólios e isenções de direitos sobre produtos de acordo com o alvará de 28 de abril de 1809, regular disputas entre comerciantes e fabricantes, entre outras, como podemos verificar pelas ementas dos documentos na seção Textos joaninos.8 O fundo Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação é, portanto, instrumento privilegiado para o estudo deste período em que se pretendeu iniciar a industrialização no Brasil. Segundo Geraldo de Beauclair,9 podemos falar de uma pré-indústria no Brasil a este tempo, que, no entanto, não evolveu devido às precárias condições para instalação das manufaturas, à falta de mercado consumidor e trabalhadores, e à brutal concorrência com produtos de melhor qualidade e preço. As fábricas que conseguiram ir adiante foram as reais, como a Real Fábrica de Pólvora, cujo alvará de criação também se encontra transcrito na seção D. João nas escolas,10 e a fábrica de fiação da Lagoa Rodrigo de Freitas,11 providas com capital da Coroa.

Mas o mais forte argumento que explica o malogro da maioria das fábricas criadas durante as primeiras décadas do século XIX é o mesmo que se apresenta para explicar uma falta de "braços" trabalhadores na indústria em um país cuja mão-de-obra é escrava: as fábricas e manufaturas estariam sempre subordinadas à atividade agrícola, que representavam a maior fonte de riqueza do Brasil. José da Silva Lisboa, visconde de Cairú, deputado da Junta do Comércio, desembargador da relação da Bahia, que escreveu vários livros sobre a questão da indústria, do comércio, do direito e do liberalismo no Brasil, em sua obra Observações sobre a franqueza da Indústria e estabelecimento de Fábricas no Brasil, assim dizia sobre a presença de fábricas na colônia, apresentando um argumento muito semelhante ao já visto no alvará de 1785:


[...] Parece-me impróprio e pernicioso precipitar as épocas dos possíveis melhoramentos do Brasil no que respeita a fábricas; e é evidentemente absurdo pretendermos rivalizar e já competir com os países populosos e adiantados em estabelecimento desta natureza, e até no risco de distrair braços e fundos dos mais convenientes canais da riqueza nacional.

     E continua:

[...] enquanto tiver muitas e férteis terras, nenhum emprego pode ser tão lucrativo como o da agricultura, mineração, comércio interior e exterior, e artes mais imediata e proximamente associadas aos exercícios respectivos.12

Deste modo, as fábricas que se instalassem no Brasil não deveriam competir com a agricultura, retirando-lhe trabalhadores e capitais, mas auxiliá-la, modernizá-la e complementá-la, um bom exemplo sendo a introdução das máquinas agrícolas, que aceleravam a produção e aumentavam a produtividade. Um outro documento transcrito na seção D. João nas escolas, trata-se de uma consulta feita a Junta do Comércio na qual Louis Lecesne requeria isenção de direitos sobre três máquinas de descascar café que importara da França, sendo ele mesmo um pioneiro na introdução da cultura do café no Rio de Janeiro. Lecesne fora atendido, pois a Junta entendeu que cada uma das máquinas economizava o trabalho de seis pessoas, e afirmava que:em um país aonde a cultura das suas mais preciosas produções, estão ainda tanto na infância a introdução de todos e quaisquer inventos, que tenderem a melhorar a sua agricultura, e indústria devem sic ser assinada com todos os possíveis favores, pois que as decididas vantagens, que delas podem resultar em pública utilidade compensam super abundantemente [sic] a Fazenda Nacional do pequeno prejuízo, que sofre pela falta do pagamento dos respectivos direitos.13

     Pela Junta de Comércio passaram inúmeras consultas e concessões de incentivos e privilégios, embora, como previsível, as condições para o desenvolvimento dessas iniciativas fossem poucas. Mas o interesse pelo estabelecimento dessas fábricas é expressivo nos papéis da Junta, que concedeu muitas licenças para fábricas e uso de máquinas, como visto anteriormente, e que nos primeiros momentos da transmigração da Corte auxiliou comerciantes e fabricantes que fugiram da ocupação francesa e perderam suas propriedades e outros portugueses que vêm viver no ultramar a tentar aqui uma nova vida.

Podemos ainda citar outros exemplos, como Joaquim José da Silva, proprietário de uma fábrica de estamparia em Portugal, que teve de vir para o Rio de Janeiro devido à invasão francesa. Em consulta à Junta, pedia autorização para transferir de Portugal para o Andaraí a sua fábrica, que funcionaria em sociedade com a já estabelecida firma Carneiro Silva e Pinheiro;14 Francisco Wallis, mestre no fabrico de lanifícios e proprietário de uma fábrica em Lisboa, pedia para abrir uma do mesmo tipo em São Cristóvão;15 em Mata-Porcos, então subúrbio da Corte, foi autorizado o funcionamento de uma fábrica de tecidos de algodão, de propriedade de Antônio Xavier de Carvalho Bastos, esta já montada, contendo teares e todos os requisitos necessários;16 instalados no Maranhão, Antonio José Moreira Guimarães e seu filho Joaquim Antonio Moreira Guimarães, mestres fabricantes de seda, algodão e tinturaria na cidade do Porto, solicitam a abertura de uma fábrica do mesmo porte da que tinham em Portugal e que fora queimada pelos franceses. Viviam eles na "cidade do Maranhão", e foram encarregados de ensinar a alguns índios a arte de tecer.17

Verificamos, então, que este período de experimentação, de 1808 a 1821, representou mais uma fase de ajustes à nova situação promovida pela chegada da Corte e significou também uma primeira tentativa real, e com apoio da Coroa, de implementar fábricas e manufaturas no Brasil. Se não foi um momento marcado pela existência de muitas delas, foi um período em que muito se empreendeu e tentou para estabelecê-las, e que também trouxe à baila discussões sobre liberalismo, protecionismo, fisiocracia, o papel das máquinas, que nortearam parte dos debates ao longo do oitocentos. No entanto, e sem desconsiderarmos o esforço que se viria assistir por parte de homens do Estado e de indivíduos como o barão de Mauá, as décadas seguintes foram marcadas pela insistência na escravidão, denotando, além do aviltamento dessa população, uma visão inadequada ao crescimento econômico no século XIX. Manifesta-se também que a despeito da importância crucial da agricultura, a maior parte das práticas agrícolas assentava-se em técnicas algo rudimentares e predatórias, enquanto uma pasta ministerial para essa atividade só foi criada na década de 1860. O setor industrial não se firmou naquele século e o país, que como tal veio a nascer da expansão européia, ingressou no cenário industrializado na ponta do fornecedor de matérias primas e consumidor de manufaturados importados. Embora dispusesse de mão de obra barata e extensos recursos naturais, deixava assim pouco lugar para que as "indústrias manuais" se desenvolvessem no Brasil".18

1 Cartas, provisões e alvarás. Lisboa, 5 de janeiro de 1785. Junta da Fazenda da Província de São Paulo. Códice 439.
2 Juntamente com o Alvará de 5 de janeiro de 1785 foi emitido um outro, acompanhado do mesmo ofício do secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, que previa uma série de medidas que tornasse mais efetiva a repressão ao contrabando no Brasil.
3 CARDOSO, Ciro Flamarion S. "A crise do colonialismo luso na América Portuguesa: 1750/1822". In: LINHARES, M. Yedda (org.) História Geral do Brasil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 116.
4 NOVAIS, F. "A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa no fim do século XVIII". In: Aproximações: ensaios de história e historiografia. São Paulo: Cosac & Naify, 2005, pp. 153-155.
5 Junta do Comércio. Portarias e circulares recebidas. Rio de Janeiro, 1o de abril de 1808. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 419, pct. 01.
6 Várias ementas de documentos presentes na seção Textos joaninos citam este alvará, que foi muito evocado pelos candidatos a fundadores de manufaturas na tentativa de obter algum privilégio ou monopólio da Coroa. Também verificamos alguns documentos que testemunham a tentativa de fabricantes portugueses que tentavam se restabelecer nas praças do Brasil, como no caso de João Manoel Borges, de Lisboa, que pedia auxílio da Coroa, por meio da Junta, para estabelecer uma fábrica de fiações e tecido no Maranhão, na tentativa de compensar a perda de uma fábrica de estamparia que tinha em Alcântara devido às invasões napoleônicas. Junta do Comércio. Fábricas. Lisboa, 6 de março de 1812. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, pct. 03.
7 Junta do Comércio. Falências comerciais. Rio de Janeiro, 23 de março de 1821. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 363, pct. 02.
8 Como nos requerimentos de Antônio Vieira da Costa, negociante da praça da Bahia, que pedia os benefícios e privilégios do alvará de 28 de abril para sua fábrica de cordoarias que manufaturava plantas indígenas, e de Domingos Gomes Loureiro e Filho, que pedia o benefício da isenção de direitos para as máquinas que havia importado para melhorar sua manufatura de meias de algodão. Junta do Comércio. Fábricas. Respectivamente, Bahia, 13 de julho de 1810 e Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1813. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 427, pct. 01.
9 OLIVEIRA, Geraldo Beauclair de. Raízes da indústria no Brasil: a pré-indústria fluminense, 1808-1860. Rio de Janeiro: Studio F & S ed., 1992.
10 Real Erário. Avisos e portarias. Rio de Janeiro, 13 de junho de 1808. Real Erário. Códice 57, vol. 01.
11 Junta do Comércio. Fábricas. Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1821. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 424, pct. 02.
12 Apud. ANDRADE, Rômulo Garcia de. Burocracia e economia na primeira metade do século XIX (a Junta de Comércio e as atividades artesanais e manufatureiras na cidade do Rio de Janeiro: 1808-1850). Niterói: UFF (Dissertação de Mestrado - mimeo), 1980, p. 59.
13 Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Consultas. Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1821. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Códice 45, vol. 02.
14 Junta do Comércio. Fábricas. Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1815. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 424, pct. 01.
15 Junta do Comércio. Fábricas. Rio de Janeiro, 28 de julho de 1812. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, pct. 03.
16 Junta do Comércio. Registro de provisões de matrículas de fábricas. Rio de Janeiro, 8 de março de 1812. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Códice 217, vol. 01.
17 Junta do Comércio. Fábricas. Rio de Janeiro, 8 de março de 1812. Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, pct. 03.
18 DEAN, Warren. "A industrialização durante a República Velha". In: FAUSTO, Boris. (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III. O Brasil republicano. 1º volume. Estrutura de poder e economia. São Paulo: Difusão européia do livro, 1975, p. 251.

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