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Conjuração em Minas Gerais

Perguntas ao Alferes

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 13h54 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 18h26

Depoimento do alferes Joaquim José da Silva Xavier, sobre a conversa com o ajudante João José Nunes Carneiro, relatando que o povo de Minas queria se lançar contra a derrama, e de como era perigoso não se contentar o povo. E em conversa com o coronel Joaquim dos Reis, este dissera que o povo estava impaciente, principalmente os que deviam à fazenda real e os que estavam mais levantados eram o desembargador Thomas Antonio Gonzaga, o coronel Ignácio José de Alvarenga, o vigário de São José, “padre Carlos” e outros que não se lembrava.


 
Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais - Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5 , vol. 5
Datas-limite: 1789-1792
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Local: Fortaleza da Ilha das Cobras, Rio de Janeiro
Data do documento: 27 de maio de 1789
Folhas. 6 e 7

 

Carta Régia de 17 de julho sobre Alçada do Rio de Janeiro. Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho, do meu conselho do de minha Real Fazenda[1] e Chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro[2]. Sendo-me presente o horrível atentado contra a minha Real Soberania e Suprema autoridade com que uns malévolos indignos do nome português, habitantes da capitania de Minas Gerais, possuídos do espírito da infidelidade, conspiração, perfidamente para se subtraírem da sujeição devida ao meu alto e supremo poder que Deus me tem confiado, pretendendo corromper a lealdade alguns dos meus fiéis vassalos mais distintos da douta capitania, e conduzir o povo inocente à uma infame Rebelião. Fui servida nomear-te e aos doutores Antonio Gomes Ribeiro e Antonio Diniz da Cruz e Silva para passarem à cidade do Rio de Janeiro e sentenciarem sumariamente em Relação os réus, que se acharem culpados nas devassas[3], que deste detestável delito se tiraram tanto por ordem do Vice Rei[4] e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil Luiz de Vasconcellos e Souza[5], como por ordem do Governador e Capitão General de Minas Gerais o Visconde de Barbacena[6], havendo por suprida qualquer falta de formalidade, e por sanadas quaisquer nulidades jurídicas, positivas, pessoais, ou territoriais que possa haver nas ditas devassas resultantes das disposições de Direito Positivo[7], atendendo somente às provas, segundo o merecimento delas conforme o Direito Natural[8], e sendo vós relator, e adjuntos certos e sobreditos doutores Antonio Gomes Ribeiro, e Antonio Diniz de Souza e Silva com os mais ministros, que o vice rei nomear, ou dos desembargadores que servem na Relação do Rio de Janeiro, ou quaisquer outros ministros de qualquer graduação da mesma capitania, ou das outras do Estado do Brasil, os quais sendo requeridos por vocês ao vice rei, ele os fará convocar em conformidade das ordens que lhe mando expedir. Havendo porém nas devassas alguns dos mesmos réus, que sejam eclesiásticos[9] e separáveis deles a parte que lhes tocar, para em auto separado, com a cópia das suas culpas e serem sentenciados por você com os adjuntos, como for justiça, por não terem privilégio algum de isenção nos crimes executados, dos quais o de lesa majestade[10] é o primeiro, e o mais horroroso, com declaração porém, que a sentença condenatória que contra eles for proferida, deverá ficar em segredo e eu me farei presente para resolver o que for serviço, considerando-se entre tanto os réus em rigorosa e segura custódia. Havendo igualmente entre os mesmos réus, outros que não foram dos chefes e cabeças da dita conjuração, nem entraram ou consentiram nela, nem a fomentaram, nem se acharam nas assembleias, em que os conjurados tinham as suas criminosas seções, e faziam os pérfidos ajustes; mas que tendo tão somente notícia ou conhecimento da mesma conjuração, nem a declararam, nem a denunciaram em tempo competente: Ordeno que as sentenças proferidas contra esta última qualidade de réus, se remetam a minha real presença, suspendendo-se entretanto a execução delas, ficando os réus em segura custódia até eu determinar o que for servido. Para escrivão ou escrivães dos autos das Devassas, o vice-rei nomeará os que vocês propuserem, sejam desembargadores ou magistrados inferiores, e para os auxiliar na proposição de tão volumoso processo, poderão valer-se de qualquer dos desembargadores da casa da suplicação[11] e seus adjuntos. Para os casos de empate ou outro qualquer incidente que necessite de nomeação de juízes, ou de comissão, ainda especial, e imediatamente emanada de minha real pessoa, e também nos casos de impedimento, ou falta de escrivão, o vice rei com o nosso parecer nomeará os que forem mais idôneos, ou da Relação do Rio de Janeiro, ou de entre os magistrados de maior ou menor graduação, que me serviram ou atualmente servem em toda a extinção das capitanias do Brasil; e para casos de empate em que a decisão compete ao Governador da Relação, o voto do vice rei como regedor deverá ter lugar, e será igualmente decisivo. Achando-se, porém, impedido o douto vice-rei, vós o substituireis, e o nosso voto terá a mesma força e qualidade. E porquanto a Conjuração[12] de que se trata, foi maquinada na capitania de Minas Gerais e do resultado das sobreditas devassas poderá ser necessário expedirem-se ordens aos ministros daquela capitania, ou ainda à os das mais, ou mandarem-se à ela outros ministros incumbidos de comissões particulares, ou para conhecerem, inquirirem, e devassarem sobre objetos relativos à esta comissão que os tenho encarregado, ou enfim para outras quaisquer diligências de diversa natureza concernentes ao meu real serviço: ordeno que em todos, e cada um dos referidos casos, ou outros semelhantes, procedendo-os sempre de acordo e inteligência com vice rei, expedindo todas as ordens que lhe parecerem convenientes, aos referidos ministros, para que concedo à todos a necessária jurisdição, encarregando-se o mesmo vice rei de as auxiliar e sustentar na forma que lhe determino em carta que a este fim lhe dirijo. E no caso de impedimento, qualquer que seja, o mesmo vice-rei também proverá como tendo ordenado, e isto sem embargo de qualquer lei, disposição de Direito, privilégios, ou ordens em contrário, que todas darei por derrogadas para ordens e feitos por esta vez somente ficando aliás sempre em seu vigor. Escrita em Lisboa em 17 de julho de 1790. Rainha. Para Sebastião Xavier de Vasconcellos Couto

 

[1]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[2]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[3]DEVASSA: a devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, com características inquisitoriais, que concedia pouco ou nenhum direito de defesa ao acusado. Esse rito processual vigorou no Brasil até a promulgação do Código Criminal do Império, em 1830. Nas Ordenações Filipinas, assim como previsto nas Manuelinas, as devassas se dividiam em gerais e especiais: as gerais versavam sobre delitos incertos e eram realizada anualmente, sendo de competência do juiz de fora, ordinários e corregedores; as devassas especiais supunham a existência de um delito já cometido, cuja a autoria era incerta. A primeira tinha por objetivo o delito de autor incerto e eram tiradas uma vez por ano; a segunda se ocupava somente da autoria incerta. (Lucas Moraes Martins. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/f

[4] VICE-REI: Até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).

[5] SOUZA, LUÍS DE VASCONCELOS E (1742-1809): nasceu em Lisboa e se formou em bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra. Ainda em Portugal, ocupou importantes cargos da magistratura. Entre os anos 1779 e 1790, foi vice-rei do Brasil, sucedendo o 2º marquês do Lavradio. Em seu governo criou uma prisão especial destinada à punição dos escravos, como alternativa aos violentos castigos impostos pelos seus senhores; promoveu a cultura do anil, do cânhamo e da cochonilha; apoiou as pesquisas botânicas realizadas por frei José Mariano da Conceição Veloso e patrocinou a criação de uma sociedade literária no Rio de Janeiro em 1786. Entre as melhorias realizadas na cidade do Rio de Janeiro durante sua administração, destacam-se a reforma do largo do Carmo; o aterro da lagoa do Boqueirão; a construção do Passeio Público – primeiro jardim público do país – em 1783 e de novas ruas para facilitar seu acesso, como a rua do Passeio e das Bellas Noutes – atual rua das Marrecas. Foi um incentivador das obras de Mestre Valentim – um dos principais artistas do período colonial – responsável pelo projeto do Passeio Público e de outras obras públicas na cidade. Destacou-se, ainda, na repressão à Inconfidência Mineira [conjuração mineira], sendo um dos interrogadores de Joaquim Silvério dos Reis. Pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, recebeu a honraria da Grã-Cruz da Ordem de Santiago e o título de conde de Figueiró.

[6] CASTRO, LUÍS ANTONIO FURTADO DE (1754-1830): 8º visconde e 1o conde de Barbacena, nasceu em Lisboa e foi o primeiro a receber o grau de doutor em filosofia pela Universidade de Coimbra e um dos fundadores da Academia Real de Ciências de Lisboa. Em 1788, assumiu o cargo de governador de Minas Gerais, substituindo o mal afamado Luis da Cunha Meneses. Barbacena recebeu a dura incumbência de levar a cabo a cobrança de impostos atrasados que, segundo o ministro da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, só se haviam acumulado em consequência do contrabando e da “perversidade” dos habitantes da região das minas. Ao chegar, contudo, Barbacena percebeu não apenas que a produção de ouro de fato caía, mas também que o clima de inquietação já existente poderia fomentar revoltas e desordens generalizadas, caso os habitantes se vissem forçados a uma despesa com a qual não tinham como arcar. Apesar de disposto a cumprir as ordens recebidas e impor a disciplina e as regras ditadas pela Coroa, Barbacena procurou convencer o governo metropolitano que a excessiva rigidez na cobrança de impostos atrasados talvez não se mostrasse adequada naquele momento. Suspensa a derrama, que ocorreria em fevereiro, Barbacena vê suas suspeitas se confirmarem com a denúncia de Silvério dos Reis acerca do movimento conhecido como Conjuração Mineira. Tenta realizar uma investigação discreta, mas, quando se vê obrigado a informar o vice-rei da denúncia, abre um processo criminal contra os inconfidentes que são facilmente presos por suas tropas.

[7] DIREITO POSITIVO: Podemos caracterizar o direito positivo (jus civile) através do seguinte preceito básico: origina-se de um povo, a ele referindo-se e orientando-o. É uma construção explicitamente jurídico-política, que encontra nas leis o seu anteparo concreto. O direito positivo tem sido visto pelos filósofos e estadistas como limitado no tempo e no espaço, sendo bastante claro o seu aspecto particular, específico. Mesmo se considerarmos que a ascensão da Igreja durante a Idade Média de certa forma apagou, ou deixou em plano secundário, a existência do político como origem das regras de orientação da vida em sociedade, ainda assim o direito positivo permanece sendo associado à vida dos povos, à vida em sociedade.

[8] DIREITO NATURAL: “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente” Platão, Ética a Nicomano. O direito natural (jus gentium), em geral, encontra-se associado à ideia mais abstrata de justiça, de um direito inerente à condição de ser humano, para além da sua vida em sociedade. O jusnaturalismo do período do Iluminismo coloca o direito natural no centro da discussão da origem da soberania e do próprio fazer político, algumas vezes utilizando o conceito como armadura protetora contra a arbitrariedade e tirania dos reis. O jusnaturalismo defende a existência dos direitos naturais a todos os seres humanos, anteriores e superiores ao Estado, com validade universal e irrevogáveis. As raízes do direito natural podem ser traçadas à Antiguidade clássica: No verbete Direito do Dicionário de política, Guido Fasso dá como exemplo o mito de Antígona, a qual se recusou a cumprir a lei dos homens (que impedia que ela enterrasse o irmão) por considerar que violavam a lei dos deuses. As regras que norteiam a conduta ética dentro da concepção do direito natural podem ter três origens, de acordo com a linha política/filosófica seguida: o mundo divino; a razão humana; e a natureza. Se em sua origem e até o final da Idade Média tais concepções naturalistas enfatizavam o universo das regras objetivas inatas, a partir da transição para a Idade Moderna as discussões políticas dominantes colocaram no centro do debate os direitos inerentes aos indivíduos, inalienáveis, que mesmo reis e imperadores deveriam respeitar.

[9] ECLESIÁSTICOS [PARTICIPAÇÃO NA CONJURAÇÃO MINEIRA]: a Igreja sempre foi um braço do Estado português na colônia, no entanto, contrariando as diretrizes da Santa Sé, vários grupos religiosos atuaram politicamente em movimentos sociais que questionavam a ordem vigente, como foi o caso da Conjuração Mineira. Os clérigos inconfidentes mostravam grande interesse por filosofia e política e, ao mesmo tempo, um maior desprendimento da vida sacerdotal, que podia significar não apenas maior participação na política, mas também uma atitude tão corrupta em relação aos negócios quanto a de seus pares leigos. A levar-se em conta relatos da época, podemos dizer o mesmo quanto ao seu comportamento privado, considerado muitas vezes imoral. Sobre alguns deles, por exemplo, pesavam acusações de relações impróprias com suas fiéis. Eram leitores das ditas “ciências profanas” (filosofia, história, literatura, etc) – principalmente o cônego Luis Vieira da Silva que possuía uma das melhores e mais modernas bibliotecas da capitania – e tinham como referência autores como Voltaire, Raynal e Montesquieu (ver ESCRITOS PERIGOSOS). Os principais réus eclesiásticos que se envolveram na conjuração foram: o cônego Luis Vieira da Silva, e os clérigos Carlos Correia de Toledo e José da Silva Oliveira Rolim. Contudo, o total de cinco réus eclesiásticos foram enviados a Lisboa – Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa –, onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os clérigos inconfidentes não receberam sua sentença no Rio de Janeiro, como os civis e militares: foram encaminhados a Lisboa, onde d. Maria I faria a declaração da sentença definitiva. Oliveira Rolim foi sentenciado a 15 anos nos mosteiros de Lisboa, mas em 1805 já estava de volta ao Brasil. Correia de Toledo morreu em Portugal, e Vieira da Silva retornou ao Brasil em data incerta. Manoel Rodrigues, outro inconfidente religioso menos conhecido, condenado a dez anos de cárcere em Lisboa, retornou ao Brasil e tornar-se-ia um dos primeiros membros do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e também deputado por Minas Gerais.

[10] LESA-MAJESTADE: definido pelas Ordenações Filipinas, trata-se de um crime contra a pessoa do rei ou seu real estado – definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” – comparado à lepra – o crime de lesa-majestade suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se a traição, a insurreição, a autoria ou cumplicidade em atentados contra o rei, contra sua família ou contra qualquer pessoa que estivesse em sua companhia ou, mesmo, a destruição de imagens, armas ou símbolos representativos do reino ou da Casa Real. Segundo as ordenações, qualquer desses crimes seria punido com a pena de "morte natural cruelmente", ou seja, execução pública por meio de torturas. Todos os bens dos justiçados passariam para a Coroa e as duas gerações de descendentes ficariam "infamados para sempre”, pois se tratava de uma tendência hereditária. O segundo tipo, relativamente menor e com penas mais leves, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. Outra característica específica dos crimes de lesa-majestade era ocasionar a perda das garantias que limitavam a ação da Justiça: "não gozará o acusado de privilégio algum (...) para ser metido a tormento, bastarão menores indícios (...). E as pessoas, que em outros casos não poderiam ser testemunhas, nestes o poderão ser e valerão seus ditos".

[11] CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.

[12] CONJURAÇÃO: o termo conjuração tem origem em Conjura, um tipo de resistência essencialmente aristocrática, herdeira direta das “Conjurationes” das ligas medievais como indica o historiador Luís Henrique da Silva Dias (Apud Valim, P. Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado. USP, 2007). Outros especialistas no período medieval ligam as conjurationes às federações nas quais comerciantes e trabalhadores se reuniam para exigir mais direitos civis e políticos daqueles concedidos. Na América portuguesa o termo, à época do movimento mineiro em 1789 [ver Conjuração Mineira], foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político antigoverno (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo inconfidência parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos – em especial depois da condenação dos réus – sendo substituído por inconfidência, em um processo que também buscava construir uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita no termo conjuração foi, assim, esvaziada e substituída por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante,” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral.

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