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Conjuração em Minas Gerais

Infame Rebelião

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 13h54 | Última atualização em Quinta, 14 de Junho de 2018, 18h41

 

Carta régia ao conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho determinando a sua ida e a de mais dois doutores que teriam por incumbência sentenciar os réus acusados pelas devassas relacionadas ao levante em Minas Gerais. Ordena também que a devassa e sentença dos réus eclesiásticos devem ser realizadas em separado.

Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais – Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5 , vol. 9
Datas-limite: 1789-1792
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Data do documento: 17 de julho de 1790
Local: Lisboa
Folhas 2-5 

Carta Régia de 17 de Julho sobre Alçada do Rio de Janeiro.Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho, do meu conselho do de minha Real Fazenda 1 e Chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro 2. Sendo-me presente o horrível atentado contra a minha Real Soberania e Suprema autoridade com que uns malévolos indignos do nome português, habitantes da capitania de Minas Gerais, possuídos do espírito da infidelidade, conspiração, perfidamente para se subtraírem da sujeição devida ao meu alto e supremo poder que Deus me tem confiado, pretendendo corromper a lealdade alguns dos meus fiéis vassalos mais distintos da douta capitania, e conduzir o povo inocente à uma infame Rebelião. Fui servida nomear-te e aos doutores Antonio Gomes Ribeiro e Antonio Diniz da Cruz e Silva para passarem à cidade do Rio de Janeiro e sentenciarem sumariamente em Relação os réus, que se acharem culpados nas devassas 3, que deste detestável delito se tiraram tanto por ordem do Vice Rei 4 e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil Luiz de Vasconcellos e Souza 5, como por ordem do Governador e Capitão General de Minas Gerais o Visconde de Barbacena 6, havendo por suprida qualquer falta de formalidade, e por sanadas quaisquer nulidades jurídicas, positivas, pessoais, ou territoriais que possa haver nas ditas devassas resultantes das disposições de Direito Positivo 7, atendendo somente às provas, segundo o merecimento delas conforme o Direito Natural 8, e sendo vós relator, e adjuntos certos e sobreditos doutores Antonio Gomes Ribeiro, e Antonio Diniz de Souza e Silva com os mais ministros, que o vice rei nomear, ou dos desembargadores que servem na Relação do Rio de Janeiro, ou quaisquer outros ministros de qualquer graduação da mesma capitania, ou das outras do Estado do Brasil, os quais sendo requeridos por vocês ao vice rei, ele os fará convocar em conformidade das ordens que lhe mando expedir. Havendo porém nas devassas alguns dos mesmos réus, que sejam eclesiásticos 9 e separáveis deles a parte que lhes tocar, para em auto separado, com a cópia das suas culpas e serem sentenciados por você com os adjuntos, como for justiça, por não terem privilégio algum de isenção nos crimes executados, dos quais o de lesa majestade 10 é o primeiro, e o mais horroroso, com declaração porém, que a sentença condenatória que contra eles for proferida, deverá ficar em segredo e eu me farei presente para resolver o que for serviço, considerando-se entre tanto os réus em rigorosa e segura custódia. Havendo igualmente entre os mesmos réus, outros que não foram dos chefes e cabeças da dita conjuração, nem entraram ou consentiram nela, nem a fomentaram, nem se acharam nas assembléias, em que os conjurados tinham as suas criminosas seções, e faziam os pérfidos ajustes; mas que tendo tão somente notícia ou conhecimento da mesma conjuração, nem a declararam, nem a denunciaram em tempo competente: Ordeno que as sentenças proferidas contra esta última qualidade de réus, se remetam a minha real presença, suspendendo-se entretanto a execução delas, ficando os réus em segura custódia até eu determinar o que for servido. Para escrivão ou escrivões dos autos das Devassas, o vice-rei nomeará os que vocês propuserem, sejam desembargadores ou magistrados inferiores, e para os auxiliar na proposição de tão volumoso processo, poderão valer-se de qualquer dos desembargadores da casa da suplicação 11 e seus adjuntos. Para os casos de empate ou outro qualquer incidente que necessite de nomeação de juízes, ou de comissão, ainda especial, e imediatamente emanada de minha real pessoa, e também nos casos de impedimento, ou falta de escrivão, o vice rei com o nosso parecer nomeará os que forem mais idôneos, ou da Relação do Rio de Janeiro, ou de entre os magistrados de maior ou menor graduação, que me serviram ou atualmente servem em toda a extinção das capitanias do Brasil; e para casos de empate em que a decisão compete ao Governador da Relação, o voto do vice rei como regedor deverá ter lugar, e será igualmente decisivo. Achando-se porém impedido o douto vice rei, vós o substituireis, e o nosso voto terá a mesma força e qualidade. E porquanto a Conjuração 12 de que se trata, foi maquinada na capitania de Minas Gerais e do resultado das sobreditas devassas poderá ser necessário expedirem-se ordens aos ministros daquela capitania, ou ainda à os das mais, ou mandarem-se à ela outros ministros incumbidos de comissões particulares, ou para conhecerem, inquirirem, e devassarem sobre objetos relativos à esta comissão que os tenho encarregado, ou enfim para outras quaisquer diligências de diversa natureza concernentes ao meu real serviço: ordeno que em todos, e cada um dos referidos casos, ou outros semelhantes, procedendo-os sempre de acordo e inteligência com vice rei, expedindo todas as ordens que lhe parecerem convenientes, aos referidos ministros, para que concedo à todos a necessária jurisdição, encarregando-se o mesmo vice rei de as auxiliar e sustentar na forma que lhe determino em carta que a este fim lhe dirijo. E no caso de impedimento, qualquer que seja, o mesmo vice rei também proverá como tendo ordenado, e isto sem embargo de qualquer lei, disposição de Direito, privilégios, ou ordens em contrário, que todas darei por derrogadas para ordens e feitos por esta vez somente ficando aliás sempre em seu vigor.Escrita em Lisboa em 17 de julho de 1790. Raynha. Para Sebastião Xavier de Vasconcellos Couto 
1 REAL FAZENDA FAZENDA REAL. O termo se refere a economia real de uma forma geral. No presente contexto, a instituição mais relevante parece ter sido o Erário Régio. Criado em 1761 com a intenção de diminuir a pulverização da administração financeira e especialmente na arrecadação e depósito de rendas, o erário é um exemplo significativo das reformas centralizadoras empreendidas pelo marques de Pombal. Em março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. 
2 RELAÇÃO DO RIO DE JANEIRO. Criado em 1752, o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro representou uma solução para as queixas das câmaras municipais da região sudeste, que já superava a região do norte-nordeste em importância, em relação à distância que se encontravam do tribunal mais alto da colônia, até então a Relação da Bahia. A atuação da Relação do Rio de Janeiro ia da capitania do Espírito Santo até a colônia de Sacramento. Sua fundação expressava claramente a preponderância crescente das porções mais ao sul do continente, com o crescimento da extração de ouro e os conflitos de fronteira no extremo sul. 3 DEVASSA. Trata-se da investigação das provas e averiguação de testemunhas a fim de se apurar um ato criminoso. No direito antigo, era denominado como devassa um ato jurídico no qual as testemunhas eram indagadas acerca de qualquer crime. Mais tarde, a palavra devassa teve o seu significado alargado às investigações sobre determinadas pessoas ou determinados fatos. 
4 VICE-REI. Até 1720 o posto administrativo mais alto da colônia era o de governador geral, denominação naquele ano substituída pelo de vice-rei. Tal denominação explicitava a idéia de um império português, constituído por territórios externos a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado no senso estrito, e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto da colônia expressava mais a nova preponderância dos territórios brasileiros, em decorrência da expansão aurífera, e a relativa decadência do vice-reinado da Índia do que transformações concretas no plano administrativo. Pela lei, aliás, o vice-reinado não se tornou uma instituição, nem aqui, e nem na Índia. A chegada da família real portuguesa em 1808 transformou o Brasil em Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei.    
5 LUIS DE VASCONCELOS E SOUZA. Vice-rei do Brasil entre 1778 e 1790, tio do visconde de Barbacena, criou o famoso Passeio Público, no centro do Rio, entre outras melhorias urbanas, além de patrocinar alguns artistas, como o mestre Valentim. A postura que tomou logo após ser informado de uma sedição em Minas, através de Silvério dos Reis — que recebera ordens de fazê-lo do visconde de Barbacena — acabou por precipitar os acontecimentos: determinou prisão imediata de vários implicados, inclusive do próprio mensageiro; decretou o início de uma devassa oficial a partir do Rio de Janeiro, contrariando as recomendações do governador de Minas, que não achava necessário no momento, abrir um processo judicial, preferindo agir de forma cautelosa. Contudo, a reação do vice-rei deixou Barbacena na difícil posição de escolher entre tomar as rédeas do processo ou ver-se implicado no movimento, no mínimo por omissão. 
6 VISCONDE DE BARBACENA. Nascido em Lisboa em sete de setembro de 1754, Luís António Furtado de Castro foi o primeiro a receber o grau de doutor em filosofia pela universidade de Coimbra. Foi uma dos fundadores da academia real de ciências, e assumiu o cargo de governador de Minas Gerais em 1788, substituindo o mal afamado Luis da Cunha Meneses. Barbacena recebeu a dura incumbência de levar a cabo a cobrança de impostos atrasados que, segundo o ministro da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro, só se haviam acumulado em consequência do contrabando e da “perversidade” dos habitantes das Minas. Ao chegar em Minas, contudo, Barbacena percebeu não apenas que a produção de ouro de fato caía, mas também que o clima de inquietação já existente poderia fomentar revoltas e desordens generalizadas caso os habitantes se vissem forçados a uma despesa com a qual não tinham como arcar. Apesar de disposto a cumprir as ordens recebidas e impor a disciplina e as regras ditadas pela coroa, Barbacena procura convencer o governo metropolitano que a excessiva rigidez na cobrança de impostos atrasados talvez não se mostrasse adequada naquele momento.Suspensa a derrama que ocorreria em fevereiro, Barbacena vê suas suspeitas se confirmarem com a denúncia de Silvério dos Reis. Tenta realizar uma investigação discreta, mas quando se vê obrigado a informar o vice-rei da denúncia, abre um processo criminal contra os inconfidentes que são facilmente presos por suas tropas. 
7 DIREITO POSITIVO. “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente” Platão, Ética a Nicomano. Assim, podemos caracterizar o direito positivo (jus civile) através do seguinte preceito básico: origina-se de um povo, a ele se referindo e orientando-o. É uma construção explicitamente juridico-politica, que encontra nas leis o seu anteparo concreto. O direito positivo tem sido visto, pelos filósofos e estadistas, como limitado no tempo e no espaço, sendo bastante claro o seu aspecto particular, específico. Mesmo se considerarmos que a ascensão da Igreja durante a Idade Média de certa forma apagou, ou deixou em plano secundário, a existência do político como origem das regras de orientação da vida em sociedade, ainda assim o direito positivo permanece sendo associado à vida dos povos, à vida em sociedade.  
8 DIREITO NATURAL. “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente” Platão, Ética a Nicomano . O direito natural (jus gentium) em geral encontra-se associado a idéia mais abstrata de justiça, de um direito inerente a condição de ser humano, para além da sua vida em sociedade. O jusnaturalismo do período do Iluminismo coloca o direito natural no centro da discussão da origem da soberania e do próprio fazer político, algumas vezes utilizando o conceito como armadura protetora contra a arbitrariedade e tirania dos reis. 
9 ECLESIÁSTICOS. Os principais réus eclesiásticos que se envolveram na conjuração foram: o cônego Luis Vieira da Silva, e os clérigos Carlos Correia de Toledo e José da Silva Oliveira Rolim. Contudo, o total de réus eclesiásticos enviados a Lisboa chegou a 5 — Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa — onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os clérigos inconfidentes mostravam grande interesse por filosofia e política, e ao mesmo tempo um maior desprendimento da vida sacerdotal. Tal desprendimento podia significar não apenas maior participação na política, mas também uma atitude tão corrupta em relação aos negócios quanto a de seus pares leigos, a levar-se em conta relatos da época, podendo-se dizer o mesmo quanto ao seu comportamento privado considerado imoral, sendo que sobre alguns deles pesavam acusações de relações impróprias com suas fiéis. Eram leitores das ditas “ciências profanas” (filosofia, história, literatura, etc) — principalmente o cônego Luis Vieira da Silva que possuía uma das melhores e mais modernas bibliotecas da capitania — e tinham como referência autores como Voltaire, Raynal e Montesquieu.Os clérigos inconfidentes não receberam sua sentença no Rio de Janeiro, como os civis e militares: seriam encaminhados para Lisboa, onde a rainha d. Maria I faria a declaração da sentença definitiva. Oliveira Rolim foi sentenciado a 15 anos nos mosteiros de Lisboa, mas em 1805 já estava de volta ao Brasil. Correia de Toledo morreu em Portugal, e Vieira da Silva retornou ao Brasil em data incerta. Manoel Rodrigues, outro inconfidente religioso de menor relevância, condenado a dez anos de cárcere em Lisboa, retorna ao Brasil e acaba por se tornar um dos primeiros membros do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e também deputado por Minas Gerais. 
10 LESA-MAJESTADE. Definido pelas Ordenações Filipinas, o crime de lesa-majestade é um crime contra a pessoa do rei, ou seu real estado — definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” — comparado à lepra — o crime suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça, e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se os mais graves, que atingiam diretamente o rei. O segundo tipo, mais leve, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. 
11 CASA DE SUPLICAÇÃO. Alto Tribunal de Justiça na corte (Lisboa), ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas, e os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. O órgão foi instalado no Rio de Janeiro em 1808, com a chegada da corte, sucedendo-se ao Tribunal da Relação, existente desde 1752.
12 CONJURAÇÃO. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, de Antônio Houaiss, conjuração é uma “associação de indivíduos, às vezes por juramento, para um fim comum; essa associação, secreta ou clandestina, ger. contra um governo; conspiração, trama, inconfidência.” O termo, à época do movimento mineiro em 1789, foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político anti-governo (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo “inconfidência” parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos — em especial depois da condenação dos réus — sendo substituído por “inconfidência”, em um processo que também construiu uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita em Conjuração foi assim esvaziada e substituida por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante,” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral. 

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