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Loteria para a vacinação

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 22 de Janeiro de 2018, 17h01 | Última atualização em Quarta, 28 de Abril de 2021, 00h37

Ofício enviado por José Bonifácio de Andrada e Silva, secretário da Academia Real das Ciências de Lisboa, solicitando a realização de uma nova loteria para patrocínio da vacinação pública promovida pela Instituição Vacínica da Academia Real. Menciona, ainda, os resultados da última loteria, cujo rendimento permitiu que a vacinação fosse realizada apenas em nove comarcas do reino de Portugal. Sugere que a nova loteria seja concedida em benefício das demais comarcas.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 703, pct.1
Data-limite: 1809-1818
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código de fundo: 59
Argumento de pesquisa: Academia Real das Ciências de Lisboa
Data do documento: 21 de fevereiro de 1817
Local: Lisboa.
Folha(s):12

 

A Academia Real de Ciências[1] sempre animada do mesmo espírito patriótico a favor da vacinação recorre segunda vez a soberana proteção de Vossa Majestade[2] pedindo vossa loteria[3], para a instituição vacínica[4] continuar na empresa de salvar, como já tem feito, a milhares de vidas aos vassalos[5] de Vossa Magestade.

A loteria, que V. Maj. concedeu no fim do ano de 1815 foi de cinco mil bilhetes, cujo produto distribuído com toda a economia apenas bastou para que a vacinação se estabelecesse em nove comarcas[6] segundo o plano, que V. Maj. se dignou aprovar agora julga a Academia dever representar muito conveniente, que este benefício se haja de estender gradualmente pelas demais comarcas do Reino de Portugal[7], e que para este bem chega a mais outras nove, se dobre o número dos bilhetes, favor que a academia espera de empreitar, porque ela só tem em vista a utilidade pública, que a mira dos paternais desvelos do seu Augusto Reinado, e o prazer do magnânimo coração de V. Mag. a vista do exposto V. Maj. ordenará o que for da sua vontade e agrado.

Secretaria d`Academia Real de Ciências em 21 de fevereiro de 1817

 

O Secretário da Academia, José Bonifácio de Andrada e Silva[8].

 

[1] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.

[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[3] LOTERIA: usualmente conhecida como jogo de azar, por meio de bilhetes numerados ou frações destes com o fim de se obterem prêmios pecuniários que são indicados por sorteios. Sua criação em Portugal data do final do século XVII, quando já estava instituída em alguns países da Europa. As loterias foram criadas com o objetivo de arrecadar receita para operações financeiras, principalmente visando reformar a moeda e fazer circular o dinheiro existente no Reino. D. Pedro II, rei de Portugal de 1683 a 1706, em carta régia datada de 4 de maio de 1688, criou a primeira loteria portuguesa, chamada loteria real. Em 1805, o príncipe regente d. João VI decreta a mudança de definição de loteria real para loteria nacional. Ao estado cabia a prerrogativa de autorizar a realização de loterias, em geral concedida a instituições beneficentes e científicas. Um dos destinos dos recursos obtidos com tais loterias foi a Academia Real das Ciências de Lisboa, instituição científica criada em 1779. O 1º duque de Lafões, seu sócio-fundador, foi o responsável por ser destinada à academia, por diversas vezes, parte das receitas das loterias, principalmente após 1799, quando o príncipe d. João VI arbitrou à instituição 4.800.000 réis anualmente.

[4] INSTITUIÇÃO VACÍNICA: instituição criada em 4 de abril de 1811, pelo príncipe regente d. João, que tinha por finalidade disseminar e ampliar a vacinação contra a varíola – doença também conhecida como bexiga. Este órgão contava com um inspetor e três vacinadores, que eram cirurgiões. A vacinação ocorria com data e local marcados, todas as quintas-feiras e domingos na igreja de N. S. do Rosário no Rio de Janeiro. O público-alvo era formado principalmente por escravos, incluindo os que estavam à venda. A vacina contra a varíola passou a ser uma exigência para que os escravos aportados no Brasil fossem entregues a seus respectivos donos, exigindo-se para tanto um certificado de vacinação. A prática da vacinação contra a varíola não era exclusividade desta instituição, constando anúncios de médicos particulares na Gazeta do Rio de Janeiro, oferecendo-se para vacinar a população gratuitamente. Em Portugal, a Instituição Vacínica da Academia Real das Ciências de Lisboa foi criada em 1812, também com objetivo de promover a vacinação contra a varíola. O médico Bernardino Antônio Gomes, membro da academia, desempenhou papel determinante na fundação e organização da instituição que promovia a vacinação baseada no método jenneriano. Em menos de 10 anos de sua fundação, mais de 90.000 crianças em Lisboa foram vacinadas.

[5] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[6] COMARCA: Termo que designa as unidades administrativas de Portugal. No início do século XVI, as comarcas portuguesas correspondiam às atuais províncias ou regiões portuguesas de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. A partir de 1532, inicia-se a subdivisão dessas unidades em novas comarcas, processo que perdura até meados do século XVI, totalizando 27 unidades administrativas. A criação de novas comarcas viria a garantir um maior controle fiscal e administrativo do território, através da multiplicação da figura dos corregedores. Cabia ao corregedor, enquanto magistrado representante da coroa, a fiscalização do exercício do poder local tanto na esfera administrativa, quanto na jurídica. Estavam sob sua vigilância juizes, vereadores, procuradores dos concelhos, escrivães, tabeliães, alcaides, bispos, arcebispos, etc. A nova delimitação territorial levou em conta as características geográficas do território, com o respeito pelas bacias hidrográficas e o uso de cadeias montanhosas como fronteira entre diferentes comarcas.

[7] PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[8] SILVA, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E (1763-1838): intelectual ilustrado, naturalista e político que exerceu grande influência no processo de independência do Brasil. Nasceu em Santos em 1763, proveniente de família rica e pai funcionário da administração colonial. Assim como os demais integrantes da “geração de 1790” formou-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de filosofia e direito. Como sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, viajou pela Europa estudando química e mineralogia. Em Portugal, ocupou as funções de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, professor de metalurgia em Coimbra e diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda. De volta a São Paulo em 1819, viajou pela província fazendo estudos mineralógicos e em seguida, por ocasião da Revolução do Porto, foi eleito membro da Junta Governativa de São Paulo. Era adepto da ideia de um Império luso-brasileiro, sem que o Brasil perdesse a autonomia já conquistada. Porém, as pressões das Cortes de Lisboa o fizeram mudar de estratégia e defender, então, a emancipação da colônia. Conhecido por suas articulações políticas na construção do novo império idealizou a aclamação do imperador, além de trabalhar na adesão das províncias que ainda se mantinham fiéis a Lisboa e no reconhecimento da independência junto a Inglaterra. Quando d. Pedro I, em 1823, dissolveu a assembleia constituinte para a qual foi eleito com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, Bonifácio rompeu relações com o imperador e passou a criticar seu autoritarismo e aproximação com os grupos portugueses, o que o levou a ser deportado para a França. A reaproximação entre ambos aconteceu em 1829, quando voltou ao Brasil. Depois se tornou tutor de d. Pedro II por ocasião da abdicação. Foi destituído desta função e preso em sua casa em Paquetá por seus adversários, acusado de apoiar a restauração de d. Pedro. Mesmo com a absolvição, em 1835, permaneceu nessa casa até sua morte em 1838. Inspirado pelo ideário das Luzes [Iluminismo], Bonifácio mostrou-se preocupado com as populações indígenas, contrário ao trabalho escravo e favorável à educação como meio de transformação da sociedade. Dentre suas principais contribuições à Assembleia de 1823 constam o fim da escravidão e a civilização dos índios, propondo a distribuição de terras gratuitas a imigrantes pobres, a negros forros, a mulatos e índios domesticados. Por outro lado, também assumia um ideário conservador ao defender o sistema monárquico centralizado e o princípio de um Estado aliado a uma elite para a condução do país ao progresso.

 

 

Sugestões para usos em sala de aula

Terceiro ciclo

- Eixo Temático: História das Relações Sociais, da Cultura e do Trabalho
- Subtema:  "As relações sociais e a natureza"
- Natureza e povos indígenas na visão dos europeus, exploração econômica de recursos naturais pelos colonizadores europeus, agricultura de subsistência e comercial, a conquista, a ocupação e a produção e a extração de riquezas naturais.

Quarto ciclo

Eixo Temático: História das Representações e das Relações de Poder

- Subtema: Nações, povos, lutas, guerras e revoluções
- Administração política colonial, coroa portuguesa no Brasil

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