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A Academia Real e a Loteria

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 22 de Janeiro de 2018, 17h01 | Última atualização em Quarta, 28 de Abril de 2021, 00h32

Decreto do príncipe regente d. João, sobre a interrupção da loteria que ajudava financeiramente à Academia Real das Ciências de Lisboa, impossibilitando a continuação de seus trabalhos científicos "gloriosos e úteis". Este faz uma mercê de 4:800 anuais à Academia, como forma de demonstrar sua satisfação com a promoção do progresso nas ciências e nas artes. A mercê será paga pelo Cofre do Subsídio Literário, sendo responsável pelo pagamento o tesoureiro mor do Real Erário. Externando sua preocupação com a instituição, o príncipe realça que a Academia estará sob sua proteção, dada sua evidente utilidade.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino.
Notação: Caixa 724, pct. 01, pacotilha 6, 13.
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal.
Código de fundo: 59
Argumento de pesquisa: Academia Real das Ciências de Lisboa
Data do documento: 4 de novembro de 1799
Local: Palácio de Mafra, Portugal
Folha: -

Tendo consideração a que a Academia Real das Ciências[1] da cidade de Lisboa[2], em consequência de haver-se interrompido a continuação da loteria[3] que eu havia permitido se fizesse a benefício da Santa Casa da Misericórdia[4], do Hospital Real de São José[5], e da mesma academia; se acha destituída dos indispensáveis meios de continuar os trabalhos científicos, em que tão útil e gloriosamente se tem empregado por espaço de vinte anos: E querendo dar-lhe novas demonstrações e provas da minha real benevolência, e da satisfação com que tenho presenciado o seu zelo e eficácia em promover os progressos das ciências e artes, que maiores utilidades podem trazer à nação portuguesa e ao meu real serviço: Hei por bem fazer-lhe mercê[6] da quantia de 4:800 réis[7] anuais por hora, que lhe serão pagos pelo Cofre do Subsídio Literário[8] aos quartéis, por mão do tesoureiro-mór do meu real erário, enquanto eu não mandar o contrário e não for servido tomar a este respeito novas providências, que firmem de uma vez, assim a subsistência como a organização e ordem de uma corporação, cuja evidente utilidade me determinou a tomá-la debaixo da minha real e imediata proteção de que ela se tem feito tão benemérita. O marquês mordomo mór e presidente do meu real erário[9] o tenha assim entendido e faça executar: Palácio de Mafra[10] 4 de novembro de 1799.                

 

 

[1] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.

[2] LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[3] LOTERIA: usualmente conhecida como jogo de azar, por meio de bilhetes numerados ou frações destes com o fim de se obterem prêmios pecuniários que são indicados por sorteios. Sua criação em Portugal data do final do século XVII, quando já estava instituída em alguns países da Europa. As loterias foram criadas com o objetivo de arrecadar receita para operações financeiras, principalmente visando reformar a moeda e fazer circular o dinheiro existente no Reino. D. Pedro II, rei de Portugal de 1683 a 1706, em carta régia datada de 4 de maio de 1688, criou a primeira loteria portuguesa, chamada loteria real. Em 1805, o príncipe regente d. João VI decreta a mudança de definição de loteria real para loteria nacional. Ao estado cabia a prerrogativa de autorizar a realização de loterias, em geral concedida a instituições beneficentes e científicas. Um dos destinos dos recursos obtidos com tais loterias foi a Academia Real das Ciências de Lisboa, instituição científica criada em 1779. O 1º duque de Lafões, seu sócio fundador, foi o responsável por ser destinada à academia, por diversas vezes, parte das receitas das loterias, principalmente após 1799, quando o príncipe d. João VI arbitrou à instituição 4.800.000 réis anualmente.

[4] SANTA CASA DA MISERICÓRDIA: irmandade religiosa portuguesa criada em 1498, em Lisboa, pela rainha Leonor de Lencastre. Era composta, inicialmente, por cem irmãos, sendo metade nobres e os demais plebeus. Dedicada à Virgem Maria da Piedade, a irmandade adotou como símbolo a virgem com o manto aberto, representando proteção aos poderes temporal e secular e aos necessitados. Funcionava como uma organização de caridade prestando auxílio aos doentes e desamparados, como órfãos, viúvas, presos, escravos e mendigos. Entre as suas realizações, destaca-se a fundação de hospitais. Segundo o historiador Charles Boxer, eram sete os deveres da Irmandade: “dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; visitar os doentes e presos; dar abrigo a todos os viajantes; resgatar os cativos e enterrar os mortos” (O império marítimo português. 2ª ed., Lisboa: Edições 70, 1996, p. 280). A instituição contou com a proteção da Coroa portuguesa que, além do auxílio financeiro, lhe conferiu privilégios, como o direito de sepultar os mortos. Enfrentando dificuldades financeiras, a Mesa da Misericórdia e os Hospitais Reais de Enfermos e Expostos conseguiram que a rainha d. Maria I lhes concedesse a mercê de instituir uma loteria anual, através do decreto de 18 de novembro de 1783. Cabe destacar que os lucros das loterias se destinavam, também, as outras instituições pias e científicas. Inúmeras filiais da Santa Casa de Misericórdia foram criadas nas colônias do Império português, todas com a mesma estrutura administrativa e os mesmos regulamentos. A primeira Santa Casa do Brasil foi fundada na Bahia, ainda no século XVI. No Rio de Janeiro, atribui-se a criação da Santa Casa ao padre jesuíta José de Anchieta, por volta de 1582, para socorrer a frota espanhola de Diogo Flores de Valdez atacada por enfermidades. A irmandade esteve presente, também, em Santos, Espírito Santo, Vitória, Olinda, Ilhéus, São Paulo, Porto Seguro, Sergipe, Paraíba, Itamaracá, Belém, Igarassu e São Luís do Maranhão. A Santa Casa constituiu a mais prestigiada irmandade branca dedicada à ajuda dos doentes e necessitados no Império luso-brasileiro, desempenhando serviços socais como a concessão de dotes, o abrandamento das prisões e a organização de sepultamentos. Os principais hospitais foram construídos e administrados por essa irmandade, sendo esta iniciativa gerada pelas precárias condições em que viviam os colonos durante o período inicial da ocupação territorial brasileira. A reunião do corpo diretivo da irmandade da Santa Casa da Misericórdia, responsável pela administração desta associação, era chamada Mesa da Misericórdia.

[5] HOSPITAL‌ ‌REAL‌ ‌DE‌ ‌SÃO‌ ‌JOSÉ: ‌‌o‌ ‌antigo‌ ‌Hospital‌ ‌Real‌ ‌de‌ ‌Todos‌ ‌os‌ ‌Santos,‌ ‌primeiro‌ ‌hospital‌ ‌de‌ ‌grande‌ ‌porte‌ ‌português,‌ ‌teve‌ ‌sua‌ ‌construção‌ ‌iniciada‌ ‌ainda‌ ‌no‌ ‌reinado‌ ‌de‌ ‌d.‌ ‌João‌ ‌II‌ ‌(1455-1495),‌ ‌após‌ ‌sucessivas‌ ‌autorizações‌ ‌obtidas‌ ‌junto‌ ‌aos‌ ‌papas‌ ‌Sisto‌ ‌IV,‌ ‌Inocêncio‌ ‌VIII‌ ‌e‌ ‌Alexandre‌ ‌VI,‌ ‌para‌ ‌congregar‌ ‌diversos‌ ‌hospitais‌ ‌da‌ ‌cidade‌ ‌de‌ ‌‌Lisboa‌ ‌‌em‌ ‌um‌ ‌único‌ ‌estabelecimento.‌ ‌A‌ ‌inauguração,‌ ‌entretanto,‌ ‌ocorreu‌ ‌apenas‌ ‌em‌ ‌1504,‌ ‌sob‌ ‌o‌ ‌governo‌ ‌de‌ ‌‌d.‌ ‌Manuel‌ ‌I‌ ‌(1469-1521).‌ ‌Resultado‌ ‌da‌ ‌fusão‌ ‌de‌ ‌diversas‌ ‌instituições‌ ‌de‌ ‌assistência,‌ ‌o‌ ‌hospital‌ ‌refletia‌ ‌um‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌mudança‌ ‌no‌ ‌que‌ ‌tange‌ ‌o‌ ‌papel‌ ‌do‌ ‌Estado‌ ‌absolutista‌ ‌como‌ ‌promotor‌ ‌e‌ ‌gestor‌ ‌da‌ ‌assistência‌ ‌pública,‌ ‌exercida‌ ‌até‌ ‌então‌ ‌pela‌ ‌Igreja.‌ ‌No‌ ‌período‌ ‌medieval,‌ ‌os‌ ‌estabelecimentos‌ ‌de‌ ‌assistência‌ ‌como‌ ‌albergarias,‌ ‌mercearias,‌ ‌gafarias‌ ‌e‌ ‌hospitais,‌ ‌em‌ ‌sua‌ ‌maioria‌ ‌administrados‌ ‌por‌ ‌ordens‌ ‌religiosas‌ ‌e‌ ‌particulares,‌ ‌exerciam‌ ‌principalmente‌ ‌funções‌ ‌de‌ ‌recolhimento,‌ ‌hospício‌ ‌e‌ ‌abrigo,‌ ‌enquanto‌ ‌o‌ atendimento‌ ‌médico‌ ‌era‌ ‌prioritariamente‌ ‌destinado‌ ‌ao‌ ‌espaço‌ ‌domiciliar.‌ ‌No‌ ‌início‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XVI,‌ ‌atendendo‌ ‌às‌ ‌necessidades‌ ‌da‌ ‌crescente‌ ‌população‌ ‌urbana,‌ ‌e‌ ‌refletindo‌ ‌a‌ ‌centralização‌ ‌do‌ poder‌ ‌político‌ ‌na‌ ‌figura‌ ‌do‌ ‌rei,‌ ‌foram‌ ‌criados‌ ‌hospitais‌ ‌gerais‌ ‌nas‌ ‌principais‌ ‌cidades‌ ‌portuguesas,‌ sob‌ ‌controle‌ ‌régio.‌ ‌Além‌ ‌dos‌ ‌doentes,‌ ‌a‌ ‌exemplo‌ ‌das‌ ‌instituições‌ ‌de‌ ‌assistência‌ ‌da‌ ‌época,‌ ‌o‌ hospital‌ ‌abrigava‌ ‌crianças‌ ‌abandonadas‌ ‌(expostos),‌ ‌mendigos‌ ‌e‌ ‌peregrinos,‌ ‌embora‌ ‌não‌ ‌fossem‌ admitidos‌ ‌os‌ ‌portadores‌ ‌de‌ ‌doenças‌ ‌incuráveis‌ ‌e‌ ‌vítimas‌ ‌de‌ ‌peste.‌ ‌A‌ ‌instituição‌ ‌contava‌ ‌com‌ enfermarias‌ ‌separadas‌ ‌para‌ ‌homens‌ ‌e‌ ‌mulheres,‌ ‌uma‌ ‌“casa‌ ‌de‌ ‌doidos”,‌ ‌a‌ ‌casa‌ ‌de‌ ‌expostos‌ ‌e‌ instalações‌ ‌para‌ ‌nobres.‌ ‌No‌ ‌ano‌ ‌de‌ ‌1564,‌ ‌através‌ ‌de‌ ‌carta‌ ‌régia,‌ ‌o‌ ‌hospital‌ ‌passa‌ ‌a‌ ‌ser‌ ‌de‌ ‌responsabilidade‌ ‌da‌ ‌Misericórdia‌ ‌de‌ ‌Lisboa.‌ ‌Tendo‌ ‌parte‌ ‌de‌ ‌suas‌ ‌instalações‌ ‌destruídas‌ ‌por‌ ‌um‌ incêndio‌ ‌decorrente‌ ‌do‌ ‌famoso‌ ‌terremoto‌ ‌de‌ ‌que‌ ‌a‌ ‌cidade‌ ‌de‌ ‌Lisboa‌ ‌é‌ ‌palco‌ ‌em‌ ‌1755,‌ ‌seus‌ internos‌ ‌são‌ ‌transferidos‌ ‌pelo‌ ‌Marquês‌ ‌de‌ ‌Pombal,‌ ‌em‌ ‌1775,‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌Colégio‌ ‌de‌ ‌Santo‌ ‌Antão,‌ ‌antiga‌ ‌Casa‌ ‌da‌ ‌Companhia‌ ‌de‌ ‌Jesus,‌ ‌passando‌ ‌a‌ ‌receber‌ ‌o‌ ‌nome‌ ‌de‌ ‌Hospital‌ ‌Real‌ ‌de‌ ‌São‌ ‌José,‌ ‌em‌ ‌honra‌ ‌do‌ ‌rei‌ ‌‌d.‌ ‌José‌ ‌I‌.‌ ‌

[6]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[7] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[8]SUBSÍDIO LITERÁRIO: criado pelo alvará de 10 de novembro de 1772, consistiu em um imposto destinado a custear as reformas no campo da instrução pública promovidas pelo marquês de Pombal, arcando com o pagamento de mestres e professores das escolas menores públicas de todos os reinos e territórios de Portugal e ultramar. Seriam taxados o vinho, a aguardente e o vinagre dos reinos de Portugal e das ilhas dos Açores e da Madeira; na América e na África, a aguardente e as carnes de corte (frescas); e na Ásia, todas as aguardentes produzidas. Este subsídio consistia no pagamento de um real em cada canada de vinho, de 140 réis em cada canada de aguardente, de 160 réis por cada pipa de vinagre. Para a cobrança do imposto nas terras do Brasil eram responsáveis as Juntas da Real Fazenda instaladas em algumas capitanias. Após realizar a coleta do imposto, pagamento dos mestres e professores, os responsáveis teriam que enviar o saldo existente para Portugal. O sistema de coleta do imposto era realizado semestralmente e os valores eram anotados, assim como o nome do produtor, o local em que morava, a quantidade do produto manifestado e quando não produziam, os contribuintes também deveriam justificar o fato. O alvará estabelecia a unificação das medidas a serem usadas e as punições para os que tentassem sonegar o imposto, o que ocorria com frequência. Esta coleta substituiria todas as anteriores sobre os gêneros citados, muito embora os recursos arrecadados não fossem exclusivos para a manutenção das escolas e dos professores, além de não terem sido usados corretamente. No Brasil, a extinção deste imposto se deu em 1839, mas já em 1827 era fato notório que os valores coletados eram insuficientes para manter as escolas estabelecidas.

[9]REAL ERÁRIO:  instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[10] PALÁCIO DE MAFRA: localizado na então vila de Mafra, em Lisboa, o Palácio Nacional de Mafra foi construído durante o faustoso reinado de d. João V (1706-1750). Ícone da arquitetura barroca em Portugal, o palácio compõe um conjunto arquitetônico que inclui uma das maiores bibliotecas europeias setecentistas, com cerca de 40.000 livros, além do convento, da basílica e dos carrilhões, num conjunto de 92 sinos. As obras iniciaram-se em 1717 sob a direção de João Frederico Ludovice, ourives alemão, que estudou arquitetura na Itália. O projeto, que previa inicialmente a construção de um convento destinado à Ordem dos Frades Arrábidos, acabou tomando vulto e tornando-se um palácio-mosteiro, símbolo da espetacularização do poder real. Entre os muitos materiais importados para construção do monumento, consta o ouro brasileiro, cuja exploração, atingia seu apogeu nas Minas Gerais. Embora não tenha funcionado como moradia habitual dos monarcas, o palácio hospedava a família real por ocasião de festas religiosas ou das caçadas. Durante a invasão francesa, em 1807, Mafra funcionou como uma base militar. Foi também desse palácio que o último rei português, d. Manuel II, fugiu para o exílio com a proclamação da república, em 1910.

 

Sugestões para usos em sala de aula

Terceiro ciclo
Eixo Temático:

- História das Relações Sociais, da Cultura e do Trabalho
- Subtema:  "As relações sociais e a natureza"
- Natureza e povos indígenas na visão dos europeus, exploração econômica de recursos naturais pelos colonizadores europeus, agricultura de subsistência e comercial, a conquista, a ocupação e a - produção e a extração de riquezas naturais.


Quarto ciclo
Eixo Temático:

- História das Representações e das Relações de Poder
- Subtema: Nações, povos, lutas, guerras e revoluções
- Administração política colonial, coroa portuguesa no Brasil

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