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Alimentação na américa Portuguesa

Balanço de importações e exportações de Portugal e seus domínios

Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 19h13 | Última atualização em Sexta, 30 de Abril de 2021, 17h54

Resumo do balanço geral das importações e exportações de Portugal com suas colônias e nações estrangeiras, elaborado pelo contador geral Maurício José Teixeira de Moraes. De acordo com o documento, Portugal exportou farinha, bolacha, bacalhau, queijo e vinho para suprir as carências do Brasil, decorrentes da escassez de colheitas e do aumento populacional. Quanto às nações estrangeiras, Portugal estabeleceu relações comercias com a Inglaterra, a Rússia e os Estados Unidos, que importaram produtos como bacalhau, manteiga, queijo, carnes, drogas do sertão, vinhos, frutas e sal. Em anexo, Teixeira de Moraes apresenta uma tabela contendo as exportações de vinho destinadas ao Brasil, domínios e nações estrangeiras após a Restauração de Portugal.

 

Conjunto documental: Resumo da balança geral do comércio do reino de Portugal com o Brasil, domínios e nações estrangeiras
Notação: códice 731, vol. 01
Datas-limite: 1816-1816
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos, bacalhau
Data do documento: 27 de setembro de 1817
Local: s.l.
Folha(s): - 

 

Resumo da Balança Geral do Comércio[1] do Reino de Portugal com o Reino do Brasil[2], Domínios, e Nações Estrangeiras, no ano de 1816. (...)

Vou portanto tratar da Balança Geral do Comércio do Ano de 1816 dividindo-a em duas partes: mostrando na Primeira o Comércio que fez este Reino com o do Brasil, e Seus Domínios, explicando os seus resultados, e o total de Importações, e Exportações: a Segunda parte compreende o Comércio com as Potências Estrangeiras, e conclui com as duas tabelas dos Câmbios, e Navios que entraram com carga pelas Barras de Lisboa, e Porto.

 

Primeira Parte

O Comércio deste Reino é balanceado com o Reino do Brasil (pelas suas Capitanias) em Segundo lugar com a Ásia, em Terceiro com a África (a), e em último com as Ilhas da Madeira, e Açores, e dos Saldos destas quatro Balanças que vão a f. 8, 9,10 e 11, formo a Balança Geral com o Brasil, e Domínios a f. 12, onde se vê sermos Credores de 4 Milhões 327 mil cruzados e 91$075 réis, saindo o Avanço, ou diferença da maior Exportação á Importação a razão de 12 por cento. [...]

Dois foram os Artigos que aumentaram extraordinariamente a Exportação: Primeiro = Mantimentos = que pela carência, e necessidade de comestíveis a que tem chegado as Capitanias do Brasil, pelo aumento da sua População, e escassez de colheitas, convidaram os exportadores aos grandes fornecimentos de Farinha, Bolacha, (a) Bacalhau[3], Manteiga[4], Queijo[5], e Vinho[6], que montou a 8 Milhões de cruzados: o Segundo foi = Ouro e Prata em Moeda = que passou de 17 Milhões, quando nos anos passados andou por 2, a 5, e já em 1815 passou de 11 Milhões, compreendendo-se nos 17, quase 8 para os Portos da Ásia; isto é Manifestado.

(a) Angola, Bissau, Cacheu, e Cabo Verde.

(a) Bacalhau, Manteiga, e Queijo é pedido de todos os anos a Portugal com preferência ao que levam as Nações ao Brasil, pelo bom estado do seu preparo no acondicionamento.

 

Segunda Parte

Vou nesta Segunda parte mostrar o Comércio em resumo que fez Portugal com as Nações Estrangeiras, no mesmo ano de 1816.

É balanceado este Reino com a Grande Bretanha, e seus Domínios, e sucessivamente com os Reinos de Castela, França, Rússia, Holanda, Suécia, Prússia, Dinamarca, Hamburgo, Itália, Estados Unidos, e Barbaria. [...]

Inglaterra. Importou quase 25 Milhões: a saber em Mantimentos 8 Milhões, que se dividem 4 Milhões de Bacalhau, 2 e ½ de Manteiga, e Queijo, 1 e ½ de Farinha, Carnes, [sinal público] em Tecidos de Algodão 8 Milhões, em Manufaturas de lã 5, e em linho, Sedas, Metais, e Drogas[7] 4 [milhões]. A Exportação andou por 10 Milhões e meio, a saber 6 e ¾ de Produções do Reino, 1 de Gêneros Coloniais, e da Ásia; e mais de 2 e ½ de Mercadorias Estrangeiras reexportadas. [...]

A França, a f. 19, Despachou nas Alfândegas[8] por entrada o valor somente de Um Milhão, e 196 mil cruzados, e Exportou mais de 6 Milhões, e nesta conformidade Somos Credores de quase 5 Milhões: Podemos dizer que este Avanço é para pagar o que nos introduziu clandestinamente em Mercadorias de luxo, perda real do Estado, e nos anos passados foi a Despacho o valor de 3, e 5 Milhões das suas Fazendas de Lei. Pede muita vigilância este Comércio.

O Comércio da Rússia a f. 20: Importou 3 Milhões, e 891 mil cruzados, e levou o valor de um Milhão, e 132 mil cruzados em Vinhos, Frutas[9], e Sal[10], ficamos no Alcance de 2 Milhões, e 759 mil cruzados: Este Império sempre será Credor a Portugal, uma vez que precisamos dos seus linhos em rama, tecidos de lonas, Brins, e Massames, para uso da Marinha.

A Praça de Hamburgo, a f. 25, vai aumentando o seu Comércio de Importação, e Exportação, neste ano foi a sua entrada o valor de 2 Milhões, e Exportou mais de 6 Milhões, em que se compreendem 5, e ½ de Gêneros Coloniais: esta Praça na Época passada, levou dos mesmos Efeitos 13, 14 e 20 Milhões de cruzados, e sempre éramos credores.

Depois da Paz geral de 1814[11], as Praças da Itália têm feito diretamente o seu negócio com Portugal, como o fazia nos tempos passados, e é constantemente sabido o sermos Credores, bem como sucedida com a Praça de Hamburgo: Neste Ano temos um Crédito de 4 Milhões, e 783 mil cruzados, provenientes dos Efeitos do Brasil, e Produções da Ásia.

Os Estados Unidos da América a f. 27, importaram 2 Milhões, e Exportaram Um Milhão, e 438 mil cruzados, ficamos Devedores de 723 mil cruzados: esta República fez a sua fortuna nos anos da Guerra, importando os seus Mantimentos no valor de 15, 32, e 34 Milhões de cruzados nesta Capital, e Porto, levando somente algum Vinho, Fruta e Sal em muito pouco valor, e realizando a sua venda a troco de Moeda Metal.

O Comércio que fizemos com a Suécia, Dinamarca, Prússia, e Barbaria, não foi de consideração. [...]

Julgo não ser incompatível dizer aqui o seguinte.

Queixam-se os Negociantes das Praças de Lisboa, e Porto, não terem saída os Vinhos de Portugal no Brasil, e que este ramo de Comércio ativo vai aparecer: vemos de fato que a Exportação deste mesmo gênero, nos quatro anos mais próximos, tem ido sempre em aumento: deste resultado concluímos ser fictício o que alegam; e por isso lembro, que o Político deve conversar os Negociantes para adquirir certos conhecimentos, e poder deliberar maduramente; porém não deve adaptar os seus conselhos, sem os examinar com circunspeção, e grandes precauções.

Contadoria da Superintendência Geral dos Contrabandos dos Reais Direitos a 27 de setembro de 1817.

O Contador Geral Maurício José Teixeira de Moraes. [sinal público]

 

[1] BALANÇA GERAL DO COMÉRCIO: as balanças de comércio de Portugal, com seus domínios e nações estrangeiras, conformavam mapas estatísticos criados pelo alvará de 20 de maio de 1774, durante o período pombalino, como parte das medidas modernizadoras do Estado português. Pretendiam formalizar um conjunto estatístico das importações e exportações de todo o reino, de 1796 a 1830, visando ao maior controle da economia. Parte destas estatísticas serviu a estudiosos, como o geógrafo italiano Adriano Balbi, que elaborou os primeiros censos estatísticos de Portugal, nos quais fica demonstrada a grande dependência que Portugal tinha com relação ao Brasil em termos econômicos e comerciais.

[2] BRASIL: colônia portuguesa na América que foi com a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, chamada de Ilha de Vera Cruz, teve seu nome alterado para Terra de Santa Cruz, mas era mais conhecida pelos marinheiros como Terra dos Papagaios. A abundância e o comércio intenso de um “pau de tinta” – o pau-brasil – acabaram por dar a denominação definitiva à nova colônia: Brasil. No início do século XX, autores como Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu contestaram a versão original de que o nome Brasil teria surgido em virtude da extração de pau-brasil. Na concepção de Capistrano, a origem do termo relaciona-se à existência de um arquipélago imaginário na costa da Irlanda, representado diversas vezes em cartografias medievais e cuja existência não foi comprovada. O primeiro mapa conhecido a colocar o nome Brasil, designando a América Austral, foi o Planisfério de Jerônimo Marini, de 1511. Contudo, o Atlas de Albernaz, cartógrafo oficial de Portugal, de 1640, registrou que Brazil era o nome vulgar da Terra de Santa Cruz. A criação do governo geral, em 1548, englobando as capitanias hereditárias distribuídas na década de 1530, conformou o Estado do Brasil, que, a princípio, não passava de uma estreita faixa de terra no litoral ocupada descontinuamente entre o Nordeste e São Vicente, mas que procedeu uma progressiva expansão. Com a vinda da corte do rei d. João VI, em 1808, o Brasil passou a integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, nome oficializado em 1815. A Independência, em 1822, levou o país à condição de império, mudando seu nome para Império do Brasil, que prevaleceu até 1889, quando, por força da Proclamação da República, adotou a denominação República dos Estados Unidos do Brazil. Atualmente, o nome oficial é República Federativa do Brasil.

[3] BACALHAU: durante séculos, o autêntico bacalhau era o Gadus morhua L, cujos cardumes eram abundantes nas águas geladas do Atlântico Norte. Os povos noruegueses, dinamarqueses e suecos (vikings) foram os pioneiros na pesca do Gadus morhua conservando-o seco, ao ar livre, para ser consumido aos pedaços, bastante endurecidos durante as longas viagens marítimas que realizavam. A comercialização do bacalhau em larga escala, iniciada por volta do ano 1000, pelos bascos só foi possível graças ao conhecimento que possuíam da técnica de conservação de salga e secagem. Foi na Espanha, no século XVI, que surgiu o termo “bacalao” para designar o peixe Gadus morhua. Chegou ao Brasil trazido pelos portugueses, que o consumiam durante a travessia marítima. No início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa, seu consumo se difundiu entre os brasileiros. Alimento barato, incorporou-se facilmente à dieta alimentar local, principalmente nos dias santos, feriados e às sextas-feiras. Em 1843, ocorreu a primeira exportação oficial de bacalhau da Noruega para o Brasil. Vários outros peixes de qualidade inferior passaram a ser assim chamados, vendidos salgados e curados.

[4]  MANTEIGA: Embora a palavra manteiga possa se referir a vários compostos de gordura e água, como a manteiga de amendoim, manteiga de jabuti – comum no interior do Brasil na época colonial – e manteiga de cacau, o termo sozinho designa o produto derivado do leite extraído da vaca. Surgida cerca de 3.000 anos antes de Cristo, era utilizada por gregos e romanos como unguento ou medicamento de uso externo. Ingrediente fundamental na culinária portuguesa, em especial nos doces e sobremesas, a manteiga durante muito tempo foi artigo raro no Brasil colônia, mesmo entre as elites. A manteiga consumida no Rio de Janeiro no início do século XIX ainda era rançosa, do tipo vermelha importada da Inglaterra e precisava ser lavada antes do consumo.

[5] QUEIJO: produto derivado do leite (de vaca, cabra, ovelha, búfala), há registro de blocos de leite sólido e fermentado desde o neolítico, e atualmente é consumido sob uma enorme variedade de formas, texturas, gostos e consistências. A produção de queijo coincide com a domesticação e criação de animais produtores de leite. Os relatos de viajantes que passaram pelo Brasil desde a época da colônia, registram, ainda que parcialmente, a produção e o consumo de queijo por aqui. A pecuária começou a se desenvolver na América portuguesa desde a primeira metade do século XVI, mas os animais eram preferencialmente usados para o leite e a tração animal nos engenhos. Até o século XVIII, a maior parte do queijo que se consumia aqui vinha de Portugal, e chegava bastante curado quando não velho ou rançoso. Foi com o desenvolvimento das minas e a interiorização do território em busca de ouro que a produção do queijo (e também da manteiga) começou a se desenvolver, graças ao aumento dos rebanhos no interior para suprir as necessidades de alimentação de uma população que se concentrava ao redor das minas, e à carência de conservação do leite produzido. Um dos problemas para a sua produção na época colonial era a escassez de sal, que chegava importado de Portugal e alcançava, aqui, preços muito altos para os pequenos produtores. Até o século XVIII, o consumo de queijo pela população mais pobre era bastante limitado por todo o país, mantendo-se, como dizia o padre José de Anchieta, “um alimento só para os ricos”. Apenas a partir do início do século XIX, com a presença da nobreza portuguesa e os hábitos alimentares trazidos por ela da Europa, o queijo começou a se tornar um alimento mais acessível e conhecido, indispensável nas mesas mais abastadas.

[6] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[7]  DROGAS DO SERTÃO: a necessidade do uso de especiarias e outros gêneros na alimentação e conservação foi um dos motores das grandes navegações no século XVI, em busca de novos caminhos para o Oriente e de terras onde se pudessem explorar essa e outras riquezas. As então chamadas “drogas” eram “todo o gênero de especiaria aromática; tintas, óleos [...]”, conforme o dicionarista Morais e Silva de 1798 (baseado na definição de Raphael Bluteau), e ficaram conhecidas na historiografia brasileira como drogas do sertão ou do mato, produtos nativos ou aclimatados, vindos do norte da colônia, onde se localizam atualmente os estados do Amazonas, Pará e Maranhão. Na prática, referiam-se a especiarias, castanhas, frutas, ervas, sementes, tintas e também animais originários da Amazônia. O início da exploração das drogas no Brasil combinou a necessidade de Portugal conter o avanço de estrangeiros nas colônias do norte e recuperar o comércio de especiarias, a esta altura interrompido com o Oriente, aclimatando espécies de outros continentes e colhendo as nativas que poderiam substituir as tradicionais. Apoiada mais na extração do que no cultivo, a produção de drogas floresceu no norte do Brasil e tornou-se a atividade econômica mais importante da região, baseada na mão-de-obra indígena, e até 1759, controlada pela Companhia de Jesus. Foi das trocas com as populações autóctones que os portugueses tiraram o conhecimento das drogas e aprenderam a usá-las na alimentação. Belém foi a base para o escoamento da produção e para o comércio com o restante da colônia e com a metrópole, sendo que muitas vezes não eram vendidas, mas trocadas por outros produtos inexistentes no local. Durante a governação pombalina, foi criada a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755), com a finalidade de impulsionar e controlar melhor a extração e o comércio das drogas, bem como introduzir novas culturas no norte/nordeste, como o arroz e o algodão. Apesar do progresso obtido pela Companhia, esta acabou extinta em 1777, durante o reinado mariano, trazendo um período de declínio para a produção dos gêneros. As drogas do sertão tiveram um papel importante na alimentação e no paladar dos habitantes da colônia, combinando produtos da terra com ingredientes e receitas vindas da Europa e criando uma culinária própria, mistura de hábitos indígenas, africanos e europeus. Entre os alimentos nativos destacavam-se o peixe-boi, muito apreciado pela carne e pela gordura, e a tartaruga e seus ovos, considerados iguarias, e que forneciam um tipo de manteiga, artigo raro na colônia. As drogas que se tornaram mais conhecidas e foram mais amplamente consumidas eram as variadas pimentas, as castanhas, o urucum, o gengibre, a salsaparrilha, o cacau e os animais – entre as nativas –, e o cravo, a canela, a urzela e o anil, que se adaptaram bem em terras brasileiras.

[8] ALFÂNDEGAS: organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

[9] FRUTAS: desde os relatos dos primeiros cronistas, as plantas e frutos encontrados no Novo Mundo foram valorizados pela sua variedade e abundância. Se por um lado o colonizador português procurou transpor para os trópicos nomes e usos conhecidos na Europa, simultaneamente interessou-se pelo uso que as populações indígenas faziam das espécies nativas. Consumidas ao natural pelos índios, as frutas eram transformadas pelos colonos, com o açúcar de cana, em refrescos, doces e frutas secas, conforme as tradições portuguesa e árabe. Além das espécies nativas, de vários pontos do Império e do reino vieram a bordo das expedições sementes ou propágulos (elementos para a propagação vegetativa) de frutas que atendiam ao gosto dos portugueses. Em Notícia do Brasil, Gabriel Soares de Sousa cita figueiras, romeiras, laranjeiras, as limas doces, cidreiras, limões franceses, as palmeiras, tamareiras, e no início do século XVIII uma relação de frutas “estrangeiras” é apresentada por Sebastião da Rocha Pitta, tais como pêssegos, marmelos, peras, uvas, melancias, melões. Objeto do interesse de viajantes naturalistas e de artistas, as frutas tropicais, muitas de origem americana, foram representadas como naturezas-mortas ou em desenhos científicos, visando a sua classificação e denominação científica. Destacaram-se o abacaxi ou ananás, (Ananás comosus (L) Merril) da família das bromeliáceas, definido, em princípio do século XVII, como “a melhor fruta desta terra” por frei Cristóvão de Lisboa; o cacaueiro (Theobroma cação L.), da família das Esterculiáceas, cujas primeiras tentativas de cultivo no Brasil só ocorreram no nordeste em meados do século XVII; o cajueiro (Anacardium occidentale L.), da família das Anacardiáceas, que tem em André Thevet (1558) a mais remota menção, e ainda os maracujazeiros, pertencentes ao gênero Passiflora, da família das Passifloráceas, que compreende mais de 400 espécies, a maioria de origem na América tropical e das quais pelo menos sessenta dão frutos comestíveis, como assinala José E. Mendes Ferrão autor de A aventura das plantas e os Descobrimentos portugueses (2005). A chegada da corte de d. João ao Rio de Janeiro, deu lugar a uma maior influência europeia nos costumes alimentares: nesse caso, doces de ginja, damasco, pera, pêssego, figo e frutas conservadas em aguardente disputaram as preferências com goiabas, melancias, e as mais populares entre as camadas pobres da colônia, as asiáticas bananas e laranjas.

[10] SAL: desde o início da colonização, os indígenas que habitavam o litoral, e também os jesuítas retiravam o sal do mar para consumo. Durante a ocupação holandesa em Pernambuco, foram descobertas salinas de grande rendimento, o que provocou, em 1655, a proibição pela metrópole da atividade de extração de sal no litoral brasileiro, com vistas a evitar a concorrência com o sal metropolitano, produto estancado e comercializado somente pelo governo português, monopólio régio estabelecido em 28 de fevereiro de 1690. No século XVIII, foi permitida a produção de sal em Pernambuco, em Cabo Frio e no Rio Grande, mas este não poderia ser comercializado internamente entre as capitanias. Destinava-se apenas ao consumo das áreas produtoras, enquanto as outras regiões da colônia precisariam comprar o sal que vinha de Portugal. A interiorização da colonização e o crescimento populacional, intensificados pela busca do ouro nas minas gerais, aumentaram a demanda do produto, levando à escassez e à carestia. A capitania que mais sofria com a falta de sal era a de São Vicente, onde ocorreram diversos conflitos pelo produto e debates na Câmara Municipal. Essa situação foi ficando insustentável, o que levou a assaltos aos armazéns das alfândegas, onde ficava guardado o sal extraído para ser enviado a Portugal. O produto era extremamente importante para a atividade da pecuária e produção de charque e carnes salgadas nas regiões do interior da colônia. O sal possibilitava a conservação de carnes e peixes, essenciais para a alimentação. Seu abastecimento ao longo dos séculos XVII e XVIII foi um constante ponto de atrito entre as autoridades régias e os colonos e ensejou o alvará de 1801, que extinguiu definitivamente o monopólio do sal.

[11] CONGRESSO DE VIENA (1814-1815): em setembro de 1812, Napoleão Bonaparte ocupa a capital russa, Moscou, certo de que seria o primeiro passo para uma dominação sobre o Império czarista. No entanto, o czar Alexandre recusa a rendição, e os invasores franceses logo se viram em uma cidade abandonada por seus habitantes e deliberadamente queimada por eles. Com sérios problemas de abastecimento e escassez crônica de víveres, encurralado pela chegada iminente do inverno, ao exército francês não resta outro meio a não ser a retirada em uma situação cada vez pior: a saída deu-se com as armas inimigas em seu encalço. A perseguição se estendeu por meses a fio e, enquanto o exército russo atravessava a Europa Oriental e Central a caminho da França, uma aliança de apoio começou a se formar, liderada pela Áustria e Prússia e com o apoio da Grã-Bretanha. Assolados pelo frio e pela fome, perseguidos pelos inimigos russos, os soldados chegam de volta à pátria em reduzido número, esfomeados e maltrapilhos. Em março de 1814, o exército de Alexandre entra em Paris e sela o desastre bonapartista. Apesar do seu breve retorno durante alguns meses no ano seguinte, a era de guerras e política imperialista promovidas pelo monarca francês chegava ao fim. Napoleão parte para o exílio na ilha de Elba, de onde sairia no ano seguinte para tentar retomar seu império. O período de ilusão durou cem dias, interrompido pela derrota em Waterloo diante dos britânicos, depois da qual partiria para seu último exílio na ilha de Santa Helena. A aliança formada em torno da Rússia atuou no Congresso de Viena, iniciado em setembro de 1814, tomando para si a tarefa de “reconstruir a Europa”, muito nos moldes do que havia sido antes da ascensão de Napoleão. O objetivo do congresso era, além de reorganizar o mapa político europeu, reestruturar as relações entre seus diversos estados, incluindo aí suas colônias e políticas comerciais. Determinava, então, que as antigas monarquias europeias depostas por Napoleão reassumissem seus tronos, no entanto a monarquia portuguesa estava estabelecida no Rio de Janeiro desde 1808, uma situação considerada ilegítima, sendo Lisboa a sede do governo reconhecida pelo congresso. Para contornar tal objeção, foi necessária a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarve. Além disso, encerrou a chamada “Questão Caiena”, marcada pela discussão entre Portugal e França acerca da delimitação de suas possessões na América pelo rio Oiapoque. Como resultado das discussões em Viena, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, Caiena foi realmente devolvida à França, após a assinatura de um convênio entre este país e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. A questão do tráfico de escravos africanos, também foi abordada pelo congresso. A pressão inglesa contra o comércio da escravatura, iniciada em inícios do século XIX, resultou na interrupção do tráfico ao norte da linha do Equador. Esse acordo comprometia áreas importantes de abastecimento de mão de obra escrava na América portuguesa. Em 1817, d. João VI ratificou a decisão e, por um novo acordo, concedeu à Inglaterra o direito de visita e busca nos navios suspeitos de tráfico em alto-mar, sob pena de terem sua carga jogada no oceano. O tom do congresso, como não podia deixar de ser, era abertamente conservador. As nações mais apegadas às fórmulas do Antigo Regime (Portugal, então metrópole do Brasil, entre elas) apostaram em um recuo das ideias liberais e no fortalecimento do colonialismo. Contudo, se uma onda conservadora varreria a Europa, ela não foi capaz de impedir o desenvolvimento e avanço do liberalismo político por muito tempo e muito menos o de conter o movimento de libertação das antigas colônias, em especial, nas Américas. O colonialismo ganharia outras feições, teria outros senhores a comandar de forma diferente antigos territórios, mas o modelo ibérico encontrava-se esgotado.

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