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Alimentação na américa Portuguesa

Postura do Senado da Câmara da Bahia

Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 19h14 | Última atualização em Sexta, 30 de Abril de 2021, 18h16

Postura do Senado da Câmara da Bahia, que determinava a quantidade e o preço de uma variedade de alimentos consumidos na colônia, como arroz, banana, laranja, carneiro, galinha, leite, peru, pombo, entre outros; além de indicar as penas previstas nos casos de desrespeito a cada uma das determinações.

 

Conjunto documental: Cópia de Postura do Senado da Câmara da Bahia
Notação: códice 90
Datas-limite: 1716-1716
Título do fundo: Câmara de Salvador
Código do fundo: 8G
Argumento de pesquisa: abastecimento
Data do documento: 1785
Local: Salvador
Folha(s): -

 

Postura do Senado da Câmara[1] da Bahia

Fielmente copiado de um livro manuscrito que nela serve; o qual traz a inscrição = Cópia das posturas do Livro 3, aprovadas no ano de 1716. Em 1785.

28º

Que a mostarda em grão, gergelim e amendoins torrados se vendam pela dita chamada celamim[2] de arroz[3] pilado, pagando o povo 40$ cada medida. Pena de 2$000.

29º

Que o arroz pilado se venda seu celamim pondo a cada medida 30$. Pena de 2$000.

31º designação

Que o leite de vaca se venda por medida de vintém a razão de uma pataca a canada[4], e o mesmo se pratique nas azeitonas como é estilo. O leite de cabras, por ser medicinal, se venda a razão de duas patacas a canada, tudo por medidas afiladas. Pena de 6$000.

33º

Que nenhuma pessoa dê menos de vinte bananas[5] por um vintém; vinte laranjas da terra um vintém; vinte limões um vintém.

35º

Que nenhuma pessoa, de qualquer condição que seja, vá abordo dos barcos, lanchas, saveiros, canoas, de frutas ou de peixes, para comprar o dito peixe, legumes ou qualquer outro mantimento, sem que primeiro o povo compre o que necessitar para o seu sustento (...).

46º

Que nas tavernas e casa de pastos[6] em que se venda pão, se não venda ao povo o que não tiver o peso, que no Senado da Câmara se declarar, com pena de incorrer nos que são impostos na forma acima declarada. Pena de 6$000.

47º

Que todas as pessoas que amassarem pão em suas casas para vender, na consideração de que pelo que pesam a farinha que hão de vender ao povo, usem de peso oito libras[7] para baixo uma onça[8], sendo afiladas com sua balança; e a farinha que se venderem ao povo será almotaçado[9], assim como se almotaça os que se vende nas tavernas. Pena de 6$000.

76º

Que nenhuma pessoa venda carneiro senão a peso três vinténs a lavra, e os miúdos com a cabeça do dito carneiro à meia pataca, a qual se venderá no açougue público[10] desta cidade. Pena de 6$000.

85º

Que uma galinha grande de quintal nesta Cidade se não venda por mais preço que duas patacas.

87º

Que uma franga enfeitada nesta Cidade se não venda por mais de uma pataca. Sendo vendidas no termo desta Cidade, se não a venderá por mais de um vintém.

89º

Que os ovos se venderão nesta Cidade a três por dois vinténs, sendo no termo a dois o vintém.

[...]

S.L.

 

[1] CÂMARA MUNICIPAL: peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos, etc; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

[2]CELAMIM: unidade de medida de capacidade de secos utilizada antes da adoção do sistema métrico, que foi decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado a ser plenamente substituído. Usada para a pesagem de trigo, cevada, arroz e outros grãos, equivalia a 1/16 alqueire, ou 0,43 litro. Hoje em dia é usado no Brasil como unidade de medida agrária, variando os valores de acordo com o estado. 

[3] ARROZ: originário do sudeste asiático, já era cultivado no Oriente por volta de 3.000 a.C. Várias outras espécies são conhecidas e utilizadas na alimentação em todos os continentes, sendo a mais importante e hoje a mais vulgar o Oryza sativa L., ou arroz branco, Na carta de Pero Vaz de Caminha havia a menção à existência de tipos de arrozes utilizados pelas populações autóctones e introduzidos na alimentação dos primeiros colonos. Eram tipos silvestres do grão e acredita-se que fossem variações do arroz vermelho, ou Oryza mutica, descrito pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira no século XVIII e encontrado em grande abundância no Pará, embora de qualidade inferior ao o. sativa. O colono Gabriel Soares de Souza narra, em seu livro Notícia do Brasil do século XVI, que, já nesta época, a Bahia produzia o melhor arroz do Brasil, com grãos vindos de Cabo Verde, provavelmente o arroz branco, levado para lá pelos portugueses. No século XVIII, essa variedade de arroz chegou a São Paulo e Maranhão. Mas já havia o cultivo em outras partes da colônia, tendo sido fundado, no Rio de Janeiro, na década de 1750, o primeiro engenho de processamento. Foi durante o período pombalino que sementes das Carolinas na América do Norte foram trazidas para diversas localidades no Brasil. A rizicultura começou a florescer com maior incentivo e a produção a aumentar em quantidade e qualidade, tornando-se tema de memórias apresentadas à Academia Real das Ciências de Lisboa visando o melhoramento do cultivo. A maior parte da produção de arroz no Estado do Brasil era para consumo interno, apenas uma pequena parte destinava-se à metrópole. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão foi responsável pela disseminação da cultura do arroz no norte, especialmente no Maranhão, onde chegou a ser o 2º produto mais produzido, atrás somente do algodão, e, diferentemente do que acontecia nas capitanias do sul, o arroz maranhense era exportado em grandes quantidades para Portugal, sendo suficiente para suprir as necessidades de consumo da metrópole. Desde tempos remotos, o arroz fazia parte da alimentação de indígenas e africanos – que conheciam espécies próprias –, e de portugueses e brasileiros, a partir do início da colonização. Atualmente o Brasil aparece, junto com a Índia e a China, entre os principais consumidores e produtores mundiais do grão.

[4] CANADA: unidade de medida de volume de líquidos, utilizada em Portugal antes da adoção do Sistema Internacional de Unidades. Equivalia a 1,4 litro e era empregada para medir vinhos, azeites, leite e outros produtos molhados. [ver também REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS]

[5] BANANA: essa fruta é uma das mais antigas plantas cultivadas. Originária do sudeste da Ásia, onde é cultivada há mais de 4 mil anos, chegou ao Ocidente, advinda da África, trazida pelos portugueses no século XVI. A banana já era conhecida na região mediterrânea antes dos descobrimentos. Há relatos de cronistas como Thevet, Léry e Gabriel Soares de Souza de que existiria no Brasil uma espécie de bananeira, chamada pacobeira, antes da chegada dos portugueses, cujo fruto era consumido cozido, frito ou assado, substituindo as batatas. As outras espécies, banana-prata, banana-figo, banana-ouro, banana-maçã, banana-nanica e banana-robusta, foram aclimatadas e adaptadas ao nosso território trazidas de outras colônias portuguesas (como os arquipélagos de Cabo Verde, Madeira ou Açores). Durante o oitocentos e boa parte do século XX, a região da América Central ficou conhecida como grande produtora e exportadora da fruta para o mundo. Hoje em dia, é o quarto alimento mais consumido, atrás somente de grãos como arroz, trigo e milho. O Brasil está entre os maiores produtores e consumidores mundiais.

[6] TAVERNAS E CASAS DE PASTO: o comércio de alimentos no período colonial envolveu várias modalidades, como vendas, armazéns, comércio das ruas, das quitandeiras, além de casas de pasto e tabernas. Esses espaços funcionaram também como um espaço de sociabilidade e para hospedagem, como se pode ver em diferentes narrativas dos que passaram pelo interior das capitanias, encontrando pouso em estalagens ou vendas e experimentando os mais diversos cardápios, alguns muito precários, outros reservados aos mais abastados. Mas, no início do século XIX, é na capital que as casas de pasto se multiplicam e, depois também, restaurantes de hotéis, que passam a servir refeições nas áreas nobres da cidade ou no centro. Assim, como descreve Maria Beatriz Nizza da Silva em Vida Privada e cotidiano no Brasil na época de d. Maria I e d. João VI, abriam-se mesas redondas onde se pagava semanalmente uma subscrição pelo jantar, única forma de admissão dos comensais. O jantar, que ocorria às 14 horas habitualmente poderia incluir vinho e em alguns casos também se poderia escolher não partilhar a mesa, ocupando um quarto fechado. Além dos portugueses, outros estrangeiros se ocuparam do negócio no Rio de Janeiro, como ingleses e franceses, em hotéis como o Royaume du Brésil. Comia-se nesses estabelecimentos sopas, cozidos, doces, e algumas receitas mais sofisticadas anotadas por Jean Baptiste Debret em sua Viagem pitoresca: “lembrarei, pois, que em 1817 a cidade do Rio de Janeiro já oferecia aos gastrônomos recursos bem satisfatórios, provenientes da afluência prevista dos estrangeiros por ocasião da elevação ao trono de d. João VI”. Era, segundo o artista francês, o paladar de comerciantes e viajantes ingleses e alemães que exigia os prazeres da mesa, atendidos pelos italianos que imperavam no comércio relacionado à alimentação, em restaurantes e casas de comestíveis que vendiam azeites finos, frios bem conservados, massas delicadas, frutas secas de primeira qualidade. Foram também os únicos padeiros da cidade então em atividade, na rua do Rosário, seguidos por outros concorrentes no abastecimento de pão.

[7] LIBRA: unidade de medida de massa utilizada antes da adoção do sistema métrico, decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado para ser plenamente substituído. Equivalia a um arrátel, no antigo sistema português de medidas, ou 459 gramas, ou a 16 onças. Ver também REFORMA DE PESOS E MEDIDAS.

[8] ONÇA: unidade de medida de massa utilizada antes da adoção do sistema métrico, que foi decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado para ser plenamente substituído. Equivalia a um arrátel no antigo sistema português de medidas, ou 459 gramas. Correspondia a 16 onças.

[9] ALMOTACEL: juiz eleito pela câmara municipal, encarregado da inspeção dos pesos e medidas, da regulamentação dos preços dos gêneros alimentícios, da limpeza da cidade e outras funções no âmbito da segurança pública. De acordo com o costume e as leis portuguesas, esse cargo só poderia ser ocupado pelos chamados homens bons.

[10] AÇOUGUE PÚBLICO: estabelecimento no qual os criadores levavam seus animais para serem abatidos, cortados e tratados. No açougue fazia-se também a venda de carne verde (fresca) consumida pela população dos núcleos urbanos. O corte do açougue, junto à produção de aguardente, os estancos e os secos e molhados, constituiu um dos ramos do comércio, que envolvia o município e suas freguesias, sob o controle das câmaras municipais. Entre outras atribuições, cabia às câmaras cuidar da conservação dos serviços básicos prestados à população urbana, como o abastecimento de gêneros, definir os preços e fiscalizar as condições dos alimentos. Para a obtenção do privilégio da exploração dos açougues, os comerciantes ou marchantes (profissional que abatia e tratava a carne das reses) podiam arrematar um dos seus talhos (direito de corte), sendo escolhidos pelos camaristas entre as pessoas com prestígio junto às autoridades coloniais e metropolitanas. Tal privilégio podia ser transferido de pai para filho, sendo, inclusive, incluído na lista de dotes matrimoniais.

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