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Taxação sobre o açúcar

Publicado: Sexta, 15 de Junho de 2018, 14h39 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 15h34

Registro de lei que proibia as comarcas de venderem livremente o açúcar. Estabelecia que todo açúcar deveria ir para o reino pesado, com um termo assinado pelo comissário responsável e com suas caixas marcadas, com as inicias F, R e B, de acordo com sua qualidade ("fino", "redondo" e "abaixo"). Caso fosse encontrado açúcar falsificado seria o senhor de engenho condenado à multa de quarenta mil réis e ao degredo. Já seu respectivo caixeiro iria pagar a mesma quantia e cumprir dois anos de degredo em Angola, sem que a Relação da Bahia pudesse conceder perdão em qualquer um dos casos. Determina também a ampla divulgação da lei pelas ruas da cidade para que ninguém ficasse dela ignorante.

 

Conjunto documental: Registro original da Provedoria da Fazenda
Notação: códice 61 v.18
Datas-limite: 1730-1734
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Contrabando; devassas; impostos
Data do documento: 24 de maio de 1730
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -            

 

Luis Vahia Monteiro[1] do conselho de sua majestade que deus guarde cavaleiro professo na ordem de cristo[2] coronel de um regimento de infantaria paga e governador da capitania do Rio de Janeiro. Porquanto sua majestade que deus guarde foi servido ordenar-me por carta de nove de setembro do ano de mil setecentos e vinte e oito a observância da lei de quinze de dezembro de mil setecentos e vinte e sete pela qual fui servido mandar que as comarcas[3] não possam pôr preços aos açúcares[4] e se vendam livremente segundo a venda das partes e que todo açúcar que das tais conquistas for comprado para o reino se pese em um [trapesé] aonde há de haver o peso fazendo-se termo em que há de assinar o comissário em que declare a bondade e lei do açúcar e que nas caixas se ponha marca de fogo para que se conheça a qualidade de que é o açúcar na maneira seguinte. O fino com um F o redondo com um R e o abaixo com um B para que vindo assim carregadas e remetidas as caixas achando-se algum dano pague o comissário[5] toda a perda ao seu correspondente porque se não pode considerar dano em dolo seu e achando-se açúcar falsificado seja logo o senhor de engenho[6] degredado por tempo de dois anos para uma das capitanias deste Estado e pague quarenta mil réis em dinheiro, e o caixeiro do engenho pagará a mesma pena pecuniária e será degredado por anos para Angola e na segunda vez incorrerá nestas penas em dobro [ilegível] dias as taxas trarão o número aberto com ferro em tal profundidade que se lhe não possa tirar sem que se conheça o que serão obrigados a fazer debaixo das mesmas penas e as caixas que os senhores de engenho quiserem mandar por sua conta o que chama de liberdade não serão obrigados a ir ver o peso mas trarão a marca do engenho e o número da taxa na mesma forma que todas as mais para que achando-se nela falsidade se possa proceder os senhores de engenho com as penas acima declaradas as quais em todos os casos referidos não poderão estar compreendidos nos perdões que se concedem na relação da Bahia[7]: E porque a sobredita lei está sem a sua devida observância e para que os transgressores dela com este pretexto não possam alegar ignorância pretendendo evadir as penas cominadas mando fazer público a dita lei por este bando[8] a som de caixas pelas ruas mais públicas desta cidade para que venha a notícia de todos e depois de publicado se registrará nos livros da secretaria deste governo, nos da provedoria e da ouvidoria[9] geral. Rio de Janeiro a vinte e quatro de maio de mil setecentos e vinte e nove // registrada no livro das ordens bandos a folha 32 da secretaria do governo. Rio 24 de maio de 1729 José Ferreira da Fonte // Registre-se nos livros da fazenda real. Rio a 24 de maio de 1729// Cordovil // o qual bando Antônio de Faria e Mello escrivão da fazenda real aqui fiz registrar bem e fielmente do próprio que se lançou bom o qual está conforme este registro que ocorri, subscrevi e assinei.

Rio de Janeiro, vinte e quatro de maio de mil setecentos e trinta

Antônio de Faria e Mello

 

[1]MONTEIRO, LUIZ VAHIA (1660?-1732): governador do Rio de Janeiro entre 1725 e 1732, substituído interinamente por Manoel de Freitas da Fonseca (1732-1733) em consequência de problemas, na época, descritos por demência. Foi o primeiro a alertar a Coroa para a existência de intensa atividade comercial ilegal na região de Angra dos Reis (incluindo Parati e Ilha Grande), incluindo descaminho do ouro, comercialização de gêneros que só poderiam ser vendidos pela metrópole e pirataria. Sua forma rígida de governar valeu-lhe o apelido de “o Onça,” fama esta que conseguiu ao não compactuar com o que considerava desvios de conduta das elites locais, que a seu ver, acobertavam o contrabando. Envolveu-se em conflitos com o Senado da Câmara, com os Beneditinos e outras figuras proeminentes no governo colonial, todos acusados de desvios de conduta ou facilitação do contrabando. Acusado de possuir “maus modos” e de intolerância extrema, dizia-se rígido no cumprimento dos regulamentos e ordens régias e acusava seus detratores de difamarem seu caráter de forma a que não fossem levadas a sério suas investigações de irregularidades.

[2]ORDEM DE CRISTO: ordem fundada por d. Dinis em 1318, em substituição à Ordem dos Cavaleiros do Templo (Ordem militar dos Templários, extinta no ano de 1311 por ordem do papa Clemente V), sendo reconhecida por bula papal no ano seguinte. No hábito dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo há uma cruz vermelha, fendida no meio com outra branca. A Ordem de Cristo esteve presente nos descobrimentos e conquistas ultramarinas, financiando navegações e assegurando o domínio espiritual sobre as possessões. Simbolizando sua presença na aventura marítima, todas as armadas que se lançavam ao mar levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da Ordem de Cristo. A Ordem Militar de Cristo era concedida por destacados serviços prestados ao reino e que mereciam especial distinção. Entre os seus cavaleiros incluem-se importantes navegadores do período da expansão marítima, como Gil Eanes, Vasco da Gama, Duarte Pacheco e Pedro Alvares Cabral.

[3]COMARCA: termo que designa as unidades administrativas de Portugal. No início do século XVI, as comarcas portuguesas correspondiam às atuais províncias ou regiões portuguesas de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. A partir de 1532, inicia-se a subdivisão dessas unidades em novas comarcas, processo que perdura até meados do século XVI, totalizando 27 unidades administrativas. A criação de novas comarcas viria a garantir um maior controle fiscal e administrativo do território, através da multiplicação da figura dos corregedores. Cabia ao corregedor, enquanto magistrado representante da coroa, a fiscalização do exercício do poder local tanto na esfera administrativa, quanto na jurídica. Estavam sob sua vigilância juizes, vereadores, procuradores dos concelhos, escrivães, tabeliães, alcaides, bispos, arcebispos, etc. A nova delimitação territorial levou em conta as características geográficas do território, com o respeito pelas bacias hidrográficas e o uso de cadeias montanhosas como fronteira entre diferentes comarcas.

[4]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[5]COMISSÁRIO: o termo, no período colonial, referia-se a um oficial encarregado dos serviços fazendários da administração dos navios e estabelecimentos navais. De uma forma mais genérica, refere-se a qualquer indivíduo que desempenha determinada missão para o governo ou o representa em circunstâncias específicas.

[6]SENHOR DE ENGENHO: o engenho era uma unidade de produção açucareira que conferia status no Brasil colonial. Ele incorporava a propriedade, a produção e a difusão de um modo de vida senhorial, e imprimia poder e prestígio ao proprietário, por vezes levava à nobreza da terra, e riqueza, muito embora esses elementos simbólicos não dependam exclusivamente das posses dos senhores. Até o século XVIII, ser proprietário de engenho era a maior aspiração dos colonos que ascendiam e enriqueciam. No dizer de um personagem da época, o jesuíta João Antônio Antonioni, pseudônimo André João Antonil, que escreveu Cultura e Opulência no Brasil, 1711, o senhor de engenho "traz consigo, o ser servido, obedecido, e respeitado de muitos." Os senhores de engenho variavam de prestígio e riqueza, de acordo, principalmente, com o tamanho e importância de suas propriedades. Os senhores dos maiores engenhos – chamados de reais, detentores de maior número de escravos, trabalhadores livres, dependentes e agregados, e maior produção de açúcar e aguardente – tinham mais poder e prestígio junto ao reino. Exerciam influência e poder na região de sua propriedade, embora este não fosse ilimitado, e administravam a produção bem como a casa, a família, os agregados, os escravos. Os proprietários dos engenhos menores, ou engenhocas, tinham uma esfera de ação mais restrita, mas, ainda assim, desfrutavam de alguma importância. Mesmo que os engenhos fossem um símbolo de riqueza, na maior parte das vezes os senhores tinham prejuízo ou muito pouco lucro. Seu prestígio advinha de uma relevância mais simbólica do que propriamente ligada a seus rendimentos e, frequentemente, os engenhos, quando passados de pais para filhos, pouco rendiam, a não ser esse legado de status e muitas vezes de títulos de nobreza. O século XIX assistiu a um renascimento da importância do engenho, já que o açúcar brasileiro voltou a ter aceitação no mercado europeu depois da independência e das guerras civis no Haiti. Não durou muito devido à baixa produtividade, ao arcaísmo da empresa açucareira brasileira e ao advento de uma nova cultura, mais barata e simples, e muito mais lucrativa: o café. No oitocentos brasileiro, melhor do que ser senhor de engenho, tal como no século XVIII, era ser barão do café.

[7]RELAÇÃO DA BAHIA: também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representá-la e ao mesmo tempo torna-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer as leis e a ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias. 

[8]BANDO: nome dado a uma determinação ou decreto do governador, tratando de repasse de ordens régias sobre determinados assuntos, tendo, na maioria das vezes, caráter circunstancial para atender as necessidades momentâneas. O bando deveria ser lido nas ruas da vila ou arraial e fixado nos lugares públicos mais frequentados.

[9]OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

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