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Veto à eleição de mulatos para cargos municipais

Publicado: Sexta, 15 de Junho de 2018, 15h16 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 13h44

Cópia de ordem expedida em 27 de janeiro de 1726, proibindo a eleição para vereador, juiz ordinário e governo das vilas da capitania de Minas Gerais de qualquer homem mulato até o quarto grau ou qualquer um que seja casado ou viúvo de mulata. O documento integra uma compilação de leis, cartas régias, avisos e ordens da secretaria de Vila Rica.



Conjunto documental: Cópia de documentos diversos relativos à província de Minas Gerais, com um discurso de instrução aos governadores da mesma província pelo professor João Teixeira Coelho, desembargador da Relação do Porto.
Notação: códice 1070
Datas-limite: 1780 - 1780
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: População, mulatos
Data do documento: `1780]
Local: Minas Gerais
Folha(s): 68

 

Título 4º - Ofícios ou empregos civis

S.1. Suas nomeações

N.2. Ordem de 27 de janeiro 1726 que - não possa ser eleito vereador[1], ou juiz ordinário[2], nem andar na governança das vilas da capitania de Minas[3] homem algum que seja mulato[4] dentro no 4º grau, em que [mulatínio] é impedimento, e que de mesma forma não possa ser eleito o que for casado ou viúvo de mulata. F.

 

[1] VEREADOR: membro da administração municipal, além de estabelecer impostos e outras taxas, acumulavam as funções de produzir a legislação municipal, por meio de posturas e editais, regulando os diversos aspectos da esfera local de natureza administrativa, judicial ou policial. Na colônia, os vereadores eram escolhidos entre os chamados homens bons, pertencentes à nobreza da terra, por meio de eleições indiretas, que deveriam ocorrer a cada três anos. As câmaras municipais contavam com três ou quatro vereadores, sendo o mais velho presidente da Câmara. Em 1696, a presidência da Câmara foi transferida ao juiz de fora – letrado ou juiz indicado pela Coroa – em uma tentativa de restringir a autonomia local, estreitando o vínculo das municipalidades com a administração central. Criadas em todo império português, seguindo o modelo metropolitano, as câmaras foram instituições chave da colonização lusa. Mas, se de um lado garantiam o controle metropolitano dos domínios ultramarinos, de outro, representavam os interesses dos colonos. Até a independência do Brasil, em 1822, estiveram submetidas ao regimento de 1506 e às Ordenações Filipinas.

[2] JUIZ ORDINÁRIO: também chamados de juízes da terra, já que, a exemplo dos vereadores, eram eleitos entre a oligarquia local. Principal cargo nas câmaras municipais até finais do século XVII, integravam a magistratura de primeira instância. Entre os dois juízes ordinários que compunham a Câmara, um presidia o órgão. Eram responsáveis pela aplicação das leis no município, podendo revisar decisões de magistrados inferiores como juízes almotacés e juízes de vintena. Também lhes cabia a fiscalização da atuação dos funcionários municipais.

[3] MINAS GERAIS, CAPITANIA DE: nascida a partir do desmembramento da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, ocorrido em 1720, Minas Gerais foi o foco da exploração de ouro e pedras preciosas – inclusive diamantes – ao longo do século XVIII. O início da exploração do ouro em fins do século XVII faria com que a metrópole implementasse reformas administrativas e legislativas com o intuito de estabelecer um maior controle sobre o território e sobre a exploração das suas riquezas, processo acentuado com a descoberta de diamantes na década de 1720. Em 1709, a crise causada pelo confronto entre os primeiros exploradores da região das minas e os “aventureiros” que chegaram posteriormente resultou no conflito conhecido por Guerra dos Emboabas e foi uma das causas para a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1720, a revolta de Felipe dos Santos (ou de Vila Rica), que questionava a forma de tributação sobre o ouro e a intensificação do controle da coroa sobre as atividades locais sob a forma da criação das casas de fundição oficiais contribuiu para novo desmembramento, e a criação da capitania de Minas Gerais. O levante de 1720 não seria o último a opor a coroa aos colonos em torno da exploração e taxação das riquezas da região; em 1789 – no período de decadência da exploração colonial do ouro, diametralmente oposto ao do movimento de Felipe dos Santos – ocorreu a Conjuração Mineira, já sob a influência das ideias liberais e da revolução americana. Tornada polo dinamizador da economia colonial, a capitania das Minas (agora, Gerais, e não apenas do ouro) desenvolve, na sua rede de povoados, vilas e cidades uma sociedade mais urbana e dinâmica do que a que caracterizava a economia agrícola, cuja exclusividade marcou os primeiros dois séculos da colonização. À medida que ouro e diamantes jorravam, as cidades se desenvolviam e sofisticavam, a sociedade se diversificava, assim como as atividades econômicas, a despeito da repressão da metrópole que não via com bons olhos a produção local de bens necessários ao dia a dia dos colonos e à própria atividade mineradora. Neste painel variado, a massa de escravos e o pequeno grupo de senhores – molas mestras da produção de riquezas – dividiam espaço com artistas, intelectuais, comerciantes de víveres, e um sem número de “sem destinos”, indivíduos que vagavam à margem da sociedade e da riqueza da qual se apossavam poucos privilegiados. De forma não muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, em regiões em que uma fonte potencial de riqueza é subitamente descoberta e explorada, os lucros e benefícios da nova atividade tendem a se concentrar de forma intensa, deixando à margem uma quase horda de excluídos, muitos deles vivendo a vã esperança de partilhar as sobras possíveis. Não é à toa que a paisagem arquitetônica desenvolvida ao longo do século XVIII impressiona até os dias de hoje, e lançou para a história nomes como Manuel Francisco Lisboa, que planejou a igreja do Carmo, em Ouro Preto (antiga Vila Rica). Artistas locais, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, desenvolveram uma versão nativa de barroco/ rococó e beneficiavam-se do grande afluxo de riquezas. Patrocinadas pelas irmandades e ordens terceiras – organizações religiosas de indivíduos sem vínculo com a Igreja, mas que se dedicam a um culto específico –, que tiveram um papel crucial na vida social da região das minas, as opulentas igrejas se multiplicaram, exibindo o esplendor de uma era que chegaria ao fim com o século XVIII. Após a década de 1760 percebe-se que a comarca do Rio das Mortes passou a apresentar um crescimento demográfico substancial, em oposição à comarca de Vila Rica, que começava a perder população. Isso se deveu ao declínio da produção de ouro – estreitamente relacionada à Vila Rica – e a diversificação e florescimento da agricultura, da pecuária e até mesmo, em certa medida, da nascente produção manufatureira em Rio das Mortes. Esta transformação marca o início da queda da produção de ouro na região e indica a diversificação de atividades para além da mineração.

[4] MULATO: no Brasil colônia, o termo mulato começou a aparecer em escritos de fins do século XVI, referindo-se à ascendência, designando o filho de homem branco com mulher negra ou de negro com branca. De acordo com os estatutos de pureza de sangue portugueses, os mulatos eram considerados uma "raça infecta", sendo-lhes vetado o acesso a determinados cargos públicos e títulos de nobreza. A despeito disto, muitos conseguiram assumir postos de proeminência no Brasil colonial e conquistaram títulos nobiliárquicos. Com o tempo, o termo mulato passou a ser associado à cor, identificando aqueles cujo tom de pele estaria entre o negro e o branco. Enquanto o termo pardo, por sua vez, era privilegiado na documentação oficial, a categoria “mulato” assumia frequentemente uma conotação pejorativa, sendo associada a características negativas, como indolência, arrogância e desonestidade. As mulatas eram relacionadas à lascívia, ou seja, com considerada propensão a luxúria sendo, por isso, tidas como um risco à fidelidade conjugal da família branca. Não podiam, também, alcançar a estima social garantida às mulheres ditas honradas através do casamento legítimo, já que esse lhes era vetado. Elo entre as duas posições mais antagônicas da sociedade colonial, muitas vezes, resultante de relações extraconjugais entre senhores e escravas, o mulato era visto como uma ameaça à ordem senhorial escravista da qual era produto. Mesmo quando livres ou forros, os mulatos carregavam o estigma da escravidão. Não tinham direitos filiais, embora estivessem mais aptos que os negros de dispor de favores pelo seu parentesco com o senhor branco, daí a expressão utilizada no período colonial de que alguns senhores se deixavam “governar por mulatos”. A visão desabonadora a respeito dos mulatos, provavelmente deita raízes nessas “facilidades” provindas de sua origem paterna, por exemplo, na compra e concessão de alforrias colocando em questão o princípio do partus sequitur ventrem, que previa a hereditariedade do cativeiro, embora existissem exceções e, alguns conseguissem, inclusive, tomar parte nas heranças familiares.

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