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Alvará que regula o julgamento dos crimes cometidos por índios, escravos e mulatos na capitania de São Paulo

Publicado: Sexta, 15 de Junho de 2018, 15h15 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 13h31

Cópia de alvará do rei d.João V no qual ordena aos ouvidores da capitania de São Paulo que sigam o regimento dos ouvidores da capitania do Rio de Janeiro no que tange ao julgamento de crimes. Lembra que no Rio de Janeiro era aplicada pena de morte aos crimes cometidos por índios e escravos, e seria proveitoso que na capitania de São Paulo os crimes cometidos por "escravos, índios e mulatos bastardos, ainda que forros, que estes eram os mais insolentes", fossem julgados com pena de morte sem que se pudesse recorrer à sentença. Argumenta ainda que o número de crimes cometidos por brancos na capitania era muito inferior ao das outras etnias numa proporção em que, a cada mil crimes, somente cento e cinquenta seriam de autoria de brancos.

 

Conjunto documental: Correspondência de São Paulo com o vice-rei do Brasil
Notação: códice 111
Datas-limite: 1723-1807
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: População, mulatos
Data do documento: 3 de setembro de 1723
Local: -
Folha(s): 7

 

Eu El Rei[1] faço saber aos que este meu alvará[2] virem, que fazendo me presente o Ouvidor-Geral da capitania de São Paulo, Manoel de Melo Godinho Manso, se achasse sem regimento, de que haja de usar; mas somente uma cópia, do que se dizia haver levado Antonio Luiz Peleja, quando fora criar aquele lugar sem fé de quem o tirara; e que além de se não acomodar a reger por um tratado particular, se lhe oferecia representar, que o regimento do ouvidor[3] do Rio de Janeiro dava alçada até 20 mil réis nas penas, e o outro só dez cruzados, e o do Rio de Janeiro nos casos dos crimes de escravos[4] e índios, dava jurisdição até pena de morte[5] inclusive com adjuntos; e no daquela ouvidoria se denegava na de morte, sendo este ponto muito necessário naquela capitania; porque passando de mil os culpados, e maior parte em casos de morte, apenas seriam cento e cinquenta os homens brancos; e como naquela capitania se achava hoje governador e juiz de fora[6] em Santos, seria utilíssimo que os ouvidores nos tais casos pudessem com o governador e juiz de fora, sem apelação, nem agravo sentenciar à morte os escravos, índios[7], mulatos[8] e bastardos, ainda que forros[9], que estes eram os mais insolentes(...) Hei por bem, que os ouvidores da capitania de São Paulo, usem do regimento que tem os ouvidores do Rio de Janeiro e que o ouvidor de São Paulo, com o governador e Juiz de Fora de Santos, sentenciem os crimes em junta[10] até a pena de morte nas pessoas, que no Rio de Janeiro se sentenciam em junta; e que no recurso da coroa pratique o dito ouvidor o mesmo que até agora se praticou. Pelo que mando ao Ouvidor geral da capitania de São Paulo que hoje lê, e aos que lhe sucederem cumpram, e guardem este alvará e na forma dele usem do regimento de que usam os ouvidores do Rio de Janeiro. E ao meu governador e capitão-general desta Capitania de São Paulo, ordeno faça registrar este alvará nos livros da secretaria, e da câmara, juntamente com o regimento dos ouvidores do Rio de Janeiro, para que em todo o tempo conste, o que por este alvará concedo aos de São Paulo, o qual quero que valha como carta, e não passará pela chancelaria, sem embargo da ordenação do livro 2º, títulos 39 e 40 em contrário, e se passou por duas vias.

Miguel de Macedo Ribeiro a fez em Lisboa ocidental a três de setembro de 1723.

O secretário André Lopes de Lavre a fez escrever

Rei

 

Está conforme José Pinto da Silva

 

[1] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[2] ALVARÁ: proclamações do rei, articuladas geralmente em incisos, tendo, originariamente, natureza de lei de cunho geral, mas que passaram a ter caráter temporário, modificando as disposições constantes em decretos, regulamentações, normas administrativas, processuais e tributárias, dentre outras.

[3] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

[4] CRIME DOS ESCRAVOS: a maior parte dos delitos cometidos por escravos, sobretudo durante o período joanino, podia, de acordo com Leila Algranti (O feitor ausente. Estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro - 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988.), se dividir em quatro grandes categorias, a saber: crimes contra a propriedade, crimes de violência, crimes contra a ordem pública, e fugas, motivados, em geral, por duas razões principais: a imediata de suprir as próprias necessidades básicas e materiais (alimentação e roupas) e, de forma geral, contestar o regime escravista e se vingar dos maus tratos recebidos dos senhores. Em sua maioria os crimes no período joanino eram cometidos por escravos de ganho, que tinham dificuldades para pagar as diárias a seus proprietários e se manter, mas outros cativos, forros e brancos pobres eram responsáveis pela criminalidade, que tanto assustava a "boa sociedade" do Rio de Janeiro. Dentre os crimes executados por escravos, os considerados mais graves eram as fugas e os crimes contra a ordem pública, como capoeiragem, porte de armas, vadiagem, insultos a autoridades, jogos de azar (entre eles o jogo de casquinha), desrespeito ao toque de recolher, brigas, bebedeiras, agressões físicas e pequenas desordens, os dois primeiros sendo considerados os piores. A capoeira aterrorizava a população livre porque não era somente uma dança, mas uma luta, uma forma de defesa e ataque, e os escravos não precisavam estar praticando-a para serem presos - bastava que usassem algum adorno típico (fitas coloridas), assobiassem músicas, carregassem algum instrumento para serem levados pela Polícia. O porte de armas também era considerado um crime gravíssimo cuja punição seria equivalente ao uso que se poderia fazer delas. As armas mais comuns eram facas, canivetes e navalhas, mas poderiam ser qualquer objeto: paus, pedras, ferro, vidro, garrafas, entre outros. Estes crimes e sua repressão evidenciavam a preocupação da polícia em disciplinar e controlar o comportamento e a circulação dos escravos, sobretudo depois do horário de trabalho. O estabelecimento do toque de recolher evidencia esse controle - os escravos eram proibidos de circular nas ruas depois do anoitecer. Essa preocupação e a vigilância aumentam à medida que cresce a população cativa do Rio de Janeiro, ao longo do período joanino. Os crimes contra a propriedade incluíam pequenos furtos, normalmente de roupas, alimentos, aves e pequenos objetos, sendo menos comuns os roubos de produtos mais valiosos. Os crimes de violência eram brigas, agressões físicas, facadas - habitualmente ocorridas por causa de bebedeiras ou desavenças por jogo em botequins. Quanto às penas, as mais comuns imputadas aos escravos eram os castigos corporais (ferros e açoites), de caráter exemplar; os trabalhos forçados, quase sempre em obras públicas da Intendência de Polícia; e a prisão, associada a outra forma de castigo, além dos castigos impostos pelos senhores. Também a intensidade da pena aumentou com o crescimento da população de escravos no Rio de Janeiro - por exemplo, um cativo apanhado por porte de armas, em 1808 pegaria pena de 50 açoites; em 1820 a pena seria de 300 açoites, três meses de prisão, quando não também alguns meses de trabalho em calçamento de estradas - e muitas vezes os escravos eram condenados sem provas, sendo tratados sempre como suspeitos de toda sorte de desordem.

[5] PENA ÚLTIMA [PENA DE MORTE]: as Ordenações Filipinas permaneceram em vigência no Brasil até a publicação do Código Penal de 1830. Enfatizando o criminoso em vez do ato, sua suposta natureza vil e perversa, e vinculando todo o processo (inclusive a determinação de pena) a linhagem e privilégios do réu, este código de leis, que remonta a Portugal do Antigo Regime, determinava penalidades corporais e o pagamento com a própria vida por uma série de crimes contra a honra e a propriedade. Em seu Livro V, que tratava das penalidades criminais, permitia a aplicação da pena capital com grande liberalidade: crimes contra a vida, contra a ordem política estabelecida ou contra o soberano, bigamia, relacionamento com não-cristãos, falsificação de moeda e roubo. O termo morra por ello (morra por isso) aparecia em profusão neste corpo de leis, que tinha entre suas punições possíveis a pena de morte, degredo, banimento, confisco de bens, multas e castigos físicos. Determinava-se castigo bastante específico para os escravos que assassinassem seu senhor: “Seja atenazado [ter as carnes apertadas com tenaz ardente] e lhes sejam decepadas as mãos e morra morte natural na forca para sempre.” As Ordenações foram sendo deixadas de lado a partir da Independência formal do Brasil, e a primeira Constituição aboliu castigos físicos, tortura, mutilação dos cadáveres dos condenados, exposição dos corpos. Isto, contudo, valia apenas para os homens livres, pois os cativos, propriedade privada de existência civil, continuaram a ser açoitados como forma de castigo por crimes comuns. Também deu fim às diversas formas de aplicação da pena de morte que a criatividade dos legisladores portugueses impôs ao antigo código (morte por fogo, asfixia, açoitamento, sepultamento, entre outras), permitindo apenas a forca. Além disso, sua aplicação restringia-se a homicídios e insurreições escravas. De fato, os escravos acusados de sublevação ou de assassinato de seus senhores, rarissimamente recebiam algum alívio da pena, pois, na prática, não podiam sequer alegar legítima defesa. A pena de morte foi muito pouco aplicada no Brasil do Segundo Império e, até mesmo, crimes cometidos por escravos contra seus senhores passaram ser passíveis de indulto nos últimos anos do governo de d. Pedro II. (https://www.academia.edu/11655581/O_tratamento_jur%C3%ADdico_dos_escravos_nas_Ordena%C3%A7%C3%B5es_Manuelinas_e_Filipinas)

[6] JUIZ DE FORA: cargo de magistrado criado no Brasil em 1696. Nomeado pelo rei por três anos, possuía as seguintes atribuições: aplicar justiça contra aqueles que cometessem crimes em sua jurisdição; compor as sessões da Câmara; cumprir as funções de juiz dos órfãos nas localidades desprovidas deste ofício de justiça; dar audiências nos conselhos, vilas e lugares de sua jurisdição; garantir o respeito do clero à jurisdição da Coroa. Em fins do século XVIII, assumiu as atribuições antes delegadas ao juiz ordinário ou da terra, pois se acreditava que ele obteria isenção na administração da justiça aos povos, por não possuir vínculos pessoais com os mesmos. Como o próprio nome já diz, originalmente este juiz vinha de fora da colônia, isto é, do Reino. A criação do cargo significou o reforço da autoridade régia sobre os territórios ultramarinos.

[7] ÍNDIOS: os europeus, ao chegarem à América, deram a seus habitantes a denominação de índios por pensarem estar pisando terras das Índias. Mesmo depois que suas explorações os levaram a perceber seu engano, os habitantes do Novo Mundo continuaram a ser chamados de índios, imputando o termo às mais diversas populações que habitavam o território, numa clara perspectiva etnocêntrica. Índios eram os não-europeus. A categoria índio abrange populações muito diferentes entre si, quer seja do ponto de vista físico, linguístico ou dos costumes. Contudo, esse termo genérico é amplamente encontrado na legislação e em documentos da coroa portuguesa. Em algumas situações, o termo pode vir associado a qualificações como índios bravos/hostis ou índios mansos. Em outras ocasiões, faz-se uma diferenciação entre os índios tupi, que majoritariamente habitavam a costa brasileira, e tapuias, aqueles não tupi. Todavia, o termo encerra uma natureza homogeneizadora, não raro eivado de preconceitos, que visa omitir o caráter pluriétnico de uma população que girava em torno de cinco milhões em 1500 e que, um século depois se reduziria a quatro milhões pelas epidemias das populações do litoral atlântico, que sofreram o primeiro impacto da civilização. Essa redução prossegue, entre 1600 e 1700, não só pelas doenças, mas pelo trabalho escravo e pelas guerras, reduzindo a população indígena para cerca de dois milhões. Ao final de período colonial, estima-se que essa população estivesse reduzida a um milhão.

[8] MULATO: no Brasil colônia, o termo mulato começou a aparecer em escritos de fins do século XVI, referindo-se à ascendência, designando o filho de homem branco com mulher negra ou de negro com branca. De acordo com os estatutos de pureza de sangue portugueses, os mulatos eram considerados uma "raça infecta", sendo-lhes vetado o acesso a determinados cargos públicos e títulos de nobreza. A despeito disto, muitos conseguiram assumir postos de proeminência no Brasil colonial e conquistaram títulos nobiliárquicos. Com o tempo, o termo mulato passou a ser associado à cor, identificando aqueles cujo tom de pele estaria entre o negro e o branco. Enquanto o termo pardo, por sua vez, era privilegiado na documentação oficial, a categoria “mulato” assumia frequentemente uma conotação pejorativa, sendo associada a características negativas, como indolência, arrogância e desonestidade. As mulatas eram relacionadas à lascívia, ou seja, com considerada propensão a luxúria sendo, por isso, tidas como um risco à fidelidade conjugal da família branca. Não podiam, também, alcançar a estima social garantida às mulheres ditas honradas através do casamento legítimo, já que esse lhes era vetado. Elo entre as duas posições mais antagônicas da sociedade colonial, muitas vezes, resultante de relações extraconjugais entre senhores e escravas, o mulato era visto como uma ameaça à ordem senhorial escravista da qual era produto. Mesmo quando livres ou forros, os mulatos carregavam o estigma da escravidão. Não tinham direitos filiais, embora estivessem mais aptos que os negros de dispor de favores pelo seu parentesco com o senhor branco, daí a expressão utilizada no período colonial de que alguns senhores se deixavam “governar por mulatos”. A visão desabonadora a respeito dos mulatos, provavelmente deita raízes nessas “facilidades” provindas de sua origem paterna, por exemplo, na compra e concessão de alforrias colocando em questão o princípio do partus sequitur ventrem, que previa a hereditariedade do cativeiro, embora existissem exceções e, alguns conseguissem, inclusive, tomar parte nas heranças familiares.

[9] FORROS: eram considerados forros os ex-escravizados que haviam obtido a alforria, por meio de uma carta, por testamento ou no momento do batismo. Até a segunda metade do século XVII encontra-se a expressão “índio forro” com o sentido de libertar gentio como eram chamados os indígenas da suposta barbárie em que viviam, pela ótica cristã. Para Eduardo França Paiva, as alforrias são um componente da escravidão e já no mundo antigo eram praticadas com frequência. Alforria, como lembra esse autor, é um termo de origem árabe e equivale a libertar. Mas no mundo romano as libertações de escravos já ocorriam com frequência, chamadas de manumissões. Entre os ibéricos, com a escravidão introduzida no Novo Mundo, os forros ou resgatados foram sua imediata contrapartida. A ideia de resgate era bem conhecida dos portugueses que haviam tido que resgatar cristãos cativos no Norte da África. A partir do século XVII o aumento de africanos escravizados na América portuguesa provocou também a quantidade e variedade de tipos de alforrias, compradas, obtidas por negociação entre senhor e escravo, prometidas. A área das minas foi um catalizador para entrada de um imenso contingente de escravos no Brasil e fez surgir outra configuração social, com vilas e arraiais nos quais a maioria era de escravos, forros e nascidos livres. Ao final do setecentos torna-se comum que libertos passassem a possuir escravos, que da mesma forma lograram ser alforriados dentro da mesma lógica dos seus proprietários forros. Mas, como conclui França, a ascensão desses forros não apagava o seu passado naquela sociedade escravista. A combinação do nome com a categoria imposta e a condição jurídica acompanhava os “pretos forros” ou “mulato forro” até que acabasse por se dissipar. (Cf. FRANÇA, E. O. Alforria. In: GOMES, F., SCHWARCZ, Lilia M. Dicionário da escravidão e liberdade, 2018)

[10] JUNTA DE JUSTIÇA: a partir da administração do marquês de Pombal, percebe-se um deliberado esforço da administração metropolitana para fortalecer o poder central. Inserido nesse contexto, estava o estabelecimento de juntas de justiça no território colonial. Instituídas a partir de meados do século XVIII em diferentes capitanias brasileiras, a criação das juntas resultou das dificuldades de acesso às províncias mais distantes, onde os Tribunais de Relação da colônia tinham sua atuação muito enfraquecida. Se o isolamento físico representava uma barreira, o mesmo se pode dizer da atuação desencontrada e conflitante dos variados níveis responsáveis pela administração da justiça na colônia. O alvará de 18 de janeiro de 1765 determinava que em todas as partes do Brasil onde houvesse ouvidores fossem formadas juntas de justiça, compostas pelo ouvidor, que seria seu presidente e relator, e por dois adjuntos, que seriam ministros letrados ou bacharéis formados. Suas atribuições compreendiam diversos aspectos, desde o julgamento de processos, incluindo-se os crimes cometidos por militares, até a observância das leis e a conservação da paz. Eram órgãos de recurso, de nível inferior, que junto a outras instituições, tais como a Junta de Fazenda, funcionavam como contraponto à autoridade do vice-rei.

 

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