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Inspeção às embarcações

Publicado: Sexta, 15 de Junho de 2018, 15h18 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 14h21

Proposta de criação de uma Visita de Saúde, estabelecimento encarregado de inspecionar todas as embarcações que entrassem no porto do Rio de Janeiro a fim de evitar a ocorrência de epidemias. O plano apresentado pelo procurador-geral da Real Junta de Comércio, Agostinho da Silva Hofman, ao príncipe regente, contém onze artigos nos quais regulamenta a inspeção às embarcações, o funcionamento da Visita de Saúde, estabelecendo suas atribuições, seus funcionários, além de estipular suas remunerações.

 

Conjunto documental: Expediente
Notação: IS4 1
Datas-limite: 1803-1818
Título do fundo: Série Saúde
Código do fundo: BF
Argumento de pesquisa: cidades, saúde pública 
Data do documento: dezembro de 1809
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 11

Senhor

Em todas as praças marítimas do mundo civilizado, se acha estabelecida uma corporação que vigia rigorosamente, como Visita da Saúde sobre os navios que entram nos diferentes portos, se vem de países onde há contágios, se trazem doentes, se as cargas trazem avarias de podridão, e segundo o estado de gêneros, da equipagem, e sítio donde vem, por longas viagens, maus mantimentos arribadas, ou outros motivos trazem às equipagens escorbuto[1], febres, ou outras doenças contagiosas, no ato desta visita se mandam por em quarentena semelhantes navios, os doentes, e as cargas vão para os lazaretos estabelecidos para este fim; tudo debaixo da direção da dita corporação, como assistência dos precisos guardas, até que pelos peritos se conheça e julgue, que pode haver comunicação, sem um perigo digno de tanta atenção, e que pode ter consequência as mais funestas, nas povoações das mesmas praças, e até grassar pelo interior dos Reinos e Impérios, em geral.

Um tão sólido estabelecimento, e indispensáveis cautelas, achavam-se praticadas em todas as praças da Europa, e muito rigorosamente observadas, de tempo imemorial, na cidade de Lisboa, e mais portos marítimos de Portugal; o que não obstante, todos sabemos o triste estrago que sofreu a povoação daquela cidade, por causa da peste que ali houve, e deu motivo a muitos votos, e penitências, para alcançar do Altíssimo a extinção de tal contágio, que ainda hoje se celebram com as procissões de penitência a Nossa Senhora do Ó, a São Sebastião, etc.

Por uma falta de cautela não se pôde evitar, há poucos anos, a grande peste que em Cadiz, Sevilha, Málaga, e em Gibraltar; a qual muito atemorizou Lisboa, Setúbal e Algarve; que a não ter havido tantas providências e cautelas na Visita da Saúde sobre os navios por entrada, obrigando-os a rigorosas quarentenas, teríamos talvez experimentado um flagelo de imensas desgraças, igual a que sofreram aquelas praças; tudo causado por um navio americano, que entrou em Cadiz, com febre amarela[2], sobre o qual houve pouca cautela, e foi a origem das infelicidades que experimentaram, aqueles países, e que tanto atemorizaram Portugal, e toda a Europa.

Não é preciso trazer à memória, os grandes contágios de peste, que tem havido, na Inglaterra em outro tempo trazida pelos navios que ali entraram da Berbéria; na Holanda trazida por um navio que veio de Smirna; e na Itália, onde tem sido tão frequentes semelhantes contágios, que deu lugar a que ainda hoje em Lisboa, se não concede descarga a navio algum vindo de Itália, com cargas de papel, sedas, ou fardos de outros gêneros; que não seja para lazaretos; e trazendo trigo, cevada ou milho se descarrega por bica; com as precisas quarentenas; e mais providencias praticadas.

É pois evidente, Augusto Senhor, que se na Europa, onde o clima é mais fresco, o ar mais saudável e sutil, e os ventos nortes são muito frequentes e fortes para depurar o mesmo ar, tem havido tantos contágios de peste, que tem dado motivo a grandes medidas de cautela e prevenção, quantas mais se fazem precisas estabelecer, quanto antes, em um país úmido, e excessivamente cálido, como é o Rio de Janeiro; cuja cidade e Corte, se acha fundada em uma planície ou vale, rodeado de montanhas, com pouco escoante as águas, que ficam estagnadas nas partes de menos [declive] da mesma cidade.

Em um país onde entram imensos navios carregados de negros[3] cheios de sarnas[4], lepra[5], febres e outras moléstias contagiosas: em um porto de tanta frequência de navios, vindos de todas as partes com diferentes cargas, e até da América Setentrional, onde em algumas províncias são tão frequentes os contágios de febre amarela, que em Filadélfia, tem havido ano, de morrer tanta gente, que os seus habitantes fogem para os campos, abandonando as suas casas, e deixando a ficar quase deserta aquela cidade, para a qual somente tornam no rigor do inverno, depois de remediado ou desvanecido totalmente o mesmo contágio, em uma praça marítima, aonde estão entrando e entrarão navios vindos da Jamaica e de outros portos vizinhos de S. Domingos e Martinica, de cujo país [demanou] a primeira causa de febre amarela, que ainda hoje  infesta quase toda a América Setentrional.

A vista, pois, desta verídica e sólida exposição, e do incontestável risco em que deve considerar-se, não só todos os portos de nossa América, como muito principalmente esta cidade, e Corte do Rio de Janeiro[6] onde Vossa Alteza Real reside com toda a Real Família[7], cuja preciosa vida e saúde deve ser o primeiro objeto dos nossos ardentes desvelos, para acautelar e prever semelhantes males, que só a lembrança deles fazem tremer, e não chegarmos a sofrer tais horrorosos flagelos, a que vejo exposta a Real habitação tão próxima ao mar, e uma cidade de tanta povoação, considero pelo objeto o mais digno dos meus deveres, oferecer aos pés do trono de Vossa Alteza Real o seguinte plano, o qual me parece que será muito do Real agrado de Vossa Alteza Real, em razão de ser um estabelecimento da primeira utilidade e precisão, e para que lembro os meios os mais fáceis e os mais próprios, ou análogos ao estado presente, para se pôr em prática, como vou manifestar.

(...)

Agostinho da Silva Hofman que tem a glória de ser fiel vassalo de Vossa Alteza Real, e que tem a honra de por aos pés do real Trono de Vossa Alteza Real o presente plano, espera na benignidade e incomparável bondade de Vossa Alteza Real haja de lhe fazer a graça da propriedade do ofício de Inspetor Intérprete da dita Visita da Saúde, pois que concorrem nele não só a ciência de falar perfeitamente a maior parte das línguas estrangeiras que fazem o comércio da Europa; predicado assaz preciso em uma interpretação de tanto cuidado qual é esta Visita da Saúde, mas também muita prática mercantil, de todas as nações, e do modo como se decidiram imensos casos sucedidos com navios impedidos por causa de contágios cuja graça implora, por três vidas incluída a do suplicante, e pelo que.

  1. Mce.

 

[1] ESCORBUTO: os portugueses chamaram o escorbuto de “mal de Luanda”, doença causada pela carência de vitamina C – ácido ascórbico – no organismo. Durante muito tempo, discussões impregnadas de racismo, atribuíam ao continente africano e a população negra submetida a migração compulsória para a América, a origem dos males que acometiam luso-brasileiros, como é o caso do escorbuto, por isso a relação entre a doença e a região de Luanda. A inflamação nas gengivas, que acarretava a perda dos dentes, e as hemorragias, que causavam a anemia e em casos extremos a morte, eram sintomas comuns entre os marinheiros, devido à falta de vitamina C na dieta alimentar durante o longo período de travessia em alto-mar, e não originária da África como se atribuiu. A partir do século XVIII, as tripulações passaram a consumir frutas cítricas (lima, laranja e limão) que são fontes ricas em ácido ascórbico, para combater a doença.

[2] FEBRE AMARELA: a doença que assolou a capitania de Pernambuco na segunda metade do século XVII foi considerada, pela literatura médica, a primeira epidemia de febre amarela no Brasil. No século XVI, já havia registros de casos isolados da doença na ilha de São Domingos (onde se situam hoje a República Dominicana e o Haiti) e em Cuba, cujo primeiro surto oficialmente documentado data de 1620. O elevado número de infectados, as altas taxas de mortalidade e o período prolongado da epidemia que vigorou na capitania de Pernambuco, de 1685 e 1695, levaram as autoridades coloniais a elaborar medidas sanitárias de combate à febre amarela. O médico português João Ferreira da Rosa chegou à capitania de Pernambuco para estudar a epidemia que se espalhou no Recife a partir de 1685. As medidas profiláticas e higiênicas contidas no seu Tratado único da constituição pestilencial de Pernambuco, publicado em Lisboa em 1694, foram postas em prática a partir de 1691, mandadas executar pelo governador Antônio Félix Machado da Silva e Castro, 2 º marquês de Montebelo. Os parâmetros de controle adotados por Montebelo, que contraiu e se curou da febre seguindo as orientações de Ferreira da Rosa, para combater a epidemia possuíam amplo raio de ação visando ao controle de vários pontos da cidade do Recife: fiscalização do porto; detecção do doente e isolamento em locais apropriados para evitar a propagação da doença; limpeza das casas, ruas e praias e algumas medidas que proibiam a prostituição, com punição dos infratores, em vistas a evitar sua disseminação. Para Ferreira da Rocha, a causa da febre amarela era o ar infectado que se tornava contagioso devido a causas astrológicas, físicas e morais. A febre amarela atingiria o indivíduo através do ar (miasmas) por isso as medidas prescritas visavam à sua purificação (acender fogueiras, limpar as casas, lavar as roupas, limpar as cloacas e reforçar as sepulturas). Em 1686, houve um grande surto de febre amarela na Bahia, sendo este um dos últimos registros do século XVII. A terrível epidemia voltaria a assolar a cidade de Salvador no século XIX. A causa do surto de 1849 foi atribuída à chegada ao porto daquela cidade de um navio procedente de Nova Orleans (Estados Unidos). Em 1850, nova epidemia vitimou um terço da população do Rio de Janeiro. No final do século XIX, o médico cubano Carlos Finlay (1833-1915) defendeu em seus artigos a tese de que o mosquito era o verdadeiro transmissor da febre amarela. Essa hipótese só seria confirmada anos mais tarde. Em 1900, uma comissão médica do exército americano chefiada pelo médico Walter Reed (1851-1902), que realizou novos estudos em Cuba, confirmou a hipótese do médico cubano. No Brasil, a primeira grande campanha vitoriosa contra a febre amarela foi chefiada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. As medidas sanitárias tomadas pelo então diretor de Saúde Pública, como a criação de brigadas de mata-mosquitos e a vacinação obrigatória geraram muita polêmica à época. Entretanto, garantiram a erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro em 1907. Nos anos 1930 do século XX, a Fundação Rockefeller começou a produzir vacinas em larga escala. A febre amarela é uma doença infecciosa cujo agente é um arbovírus pertencente ao gênero Flavivirus febricis que reúne cerca de setenta vírus na qual a maioria é transmitida por insetos. Os hospedeiros são os primatas (macacos) que habitam as florestas tropicais. O vírus não é transmitido de uma pessoa para a outra, ocorrendo a transmissão apenas quando o mosquito Aedes aegypti pica uma pessoa ou primata (macaco) infectado, normalmente nas regiões de floresta e cerrado, e depois pica uma pessoa saudável que não tenha sido vacinada. O mosquito aegypti é originário da África e emigrou daquele continente para a Europa e América a partir do século XVI nas embarcações que faziam o comércio de escravos.

[3] NAVIOS DE ESCRAVATURA: pouco se sabe como eram os navios que transportaram milhões de africanos escravizados pelas rotas de comércio do Atlântico. Segundo Jaime Rodrigues, no Dicionário da escravidão e liberdade (2018), são narrativas de viajantes e ilustrações de artistas estrangeiros que nos trazem limitadas informações do que representou a migração forçada de africanos para o continente americano. Chamados navios negreiros ou tumbeiros foram se transformando e adaptando-se ao comércio de mercadoria humana ao longo dos mais de três séculos em que cruzaram o oceano. O tráfico de escravos para o Brasil fazia-se em diferentes embarcações, no entanto, usualmente, eram navios bastante manobráveis devido as águas rasas dos ancoradouros africanos; velozes, para escapar da marinha britânica após a proibição do tráfico em 1831, e baratos, para atenuar os prejuízos em caso de naufrágio ou captura. Ainda segundo Rodrigues, em seu artigo Dossiê Tráfico Negreiro (História Viva, abril de 2009), na Bahia encontravam-se os principais estabelecimentos para construção e reparo desses navios, utilizando como matéria prima as madeiras obtidas no nordeste brasileiro, transportadas por indígenas até o litoral. Mas, foi o porto do Rio de Janeiro que registrou o maior número de entrada de navios negreiros na América, principalmente após a transferência da Corte no século XVIII, onde também seria instalada a infraestrutura necessária para construção e reparo naval. Tais embarcações realizavam a travessia atlântica atulhadas de negros cativos – de cem a seiscentas pessoas de acordo com a capacidade da embarcação –, muitas vezes numa quantidade maior do que seria suportada. Os escravos eram separados por sexo, mantidos nus, amontoados, com as mãos ou pés atados, acorrentados uns aos outros, mal alimentados – numa tentativa de diminuir sua resistência – e sujeitos a doenças. Passavam toda ou grande parte da viagem, que poderia durar de um a três meses, no porão do navio – divididos em três patamares, com altura de menos de meio metro cada um. Eram locais úmidos, mal ventilados, apertados e mal-cheirosos. O índice de mortalidade era bastante elevado – seja pelas epidemias que assolavam os navios ou pela violência da tripulação –, chegando a 1/4 do número de pessoas embarcadas. Rebeliões eram frequentes, e algumas revoltas resultavam na conquista da embarcação pelos escravos, como a do navio espanhol Amistad, em 1839. Capturados por um navio de guerra norte-americano, foram julgados pela Suprema Corte dos EUA, que os declarou livres, de acordo com o direito internacional que proibia o comércio de escravos. Os navios de escravatura transportaram cerca de 12,5 milhões de africanos para outras terras, sobretudo na América. O Brasil foi o país que mais recebeu escravos negros, um total de 4,8 milhões de africanos.

[4]  SARNAS: termo que designou, no Brasil, até meados do século XIX, de forma genérica, qualquer erupção na pele, confundindo-se com outras lesões cutâneas produzidas por doenças, como a sífilis, a lepra, entre outras. O ácaro Sarcoptes scabiei (ou Acarus scabiei) foi descrito pelo botânico sueco Carlos Lineu em 1758 e, mais tarde, o médico italiano Simon François Renucci demonstrou o seu papel na origem da escabiose humana (sarna). A doença causa reação inflamatória, urticária e coceira intensa. A transmissão parasitária se manifesta por meio do contato, especialmente em locais onde se reúne muitas pessoas (exércitos, hospitais, presídios etc.) e péssimas condições higiênicas. As crônicas e narrativas dos anos de colonização e do século XIX registraram a ocorrência da escabiose entre os indígenas brasileiros, os europeus e os escravos africanos aglomerados nos porões dos navios. Nesse período, os banhos de mar foram utilizados com bastante eficácia no tratamento da sarna dada a inexistência de escabicidas e outros medicamentos hoje empregados.

[5] MAL DE SÃO LÁZARO: a hanseníase, também chamada genericamente de lepra ou mal de São Lázaro, é uma doença causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, ou bacilo de Hansen. É uma doença infectocontagiosa de evolução crônica que ataca as células cutâneas e nervosas periféricas e se manifesta por nódulos e lesões na pele com diminuição da sensibilidade e pode causar atrofias, paralisias e incapacitação física permanente. O termo antigo “lepra” englobava uma série de outras afecções de pele semelhantes à hanseníase, mas de causas diversas. A origem da doença é incerta, mas acredita-se que tenha surgido na Ásia, já que há referências a ela pelo menos desde o século IV a.C. em manuscritos da Índia e China, além de registros também no Egito. Muito do estigma e preconceito existentes em relação à doença vem do fato de ela ter sido descrita na Bíblia, considerada uma forma de punição de Deus aos pecadores, associada à ideia de impureza, perversidade, repulsa, da corrupção da carne e do espírito. As narrativas religiosas associavam quaisquer marcas na pele e deformidades à “lepra”, tanto que o diagnóstico era feito por sacerdotes, religiosos, e não por médicos. Os portadores da doença eram afastados do convívio social, expulsos das cidades, obrigados a usarem roupas e luvas que cobrissem o máximo do corpo, e mesmo um sino, que anunciasse sua presença; não poderiam se casar, trabalhar, entrar em casas, hospedarias ou igrejas. Embora fossem objeto de caridade por ordens religiosas, irmandades católicas e devotos, o sentimento que prevalecia era o medo e a exclusão, já que não havia cura e o tratamento empregado não produzia resultados. O uso do termo “mal de Lázaro” era inspirado no episódio narrado no Novo Testamento, sobre o mendigo Lázaro, “leproso”, que quando morre ascende aos céus. Antes de ser cientificamente descrita acreditava-se que a doença era hereditária ou transmissível sexualmente, o que levava a mais discriminação e isolamento de famílias inteiras, até a descrição do bacilo pelo cientista norueguês Gerhardt Armauer Hansen em 1873. Chegou ao Brasil com o início da colonização, não havendo consenso se trazida por europeus ou africanos. As primeiras medidas para contenção e controle da doença datam do século XVIII, com a construção de lazaretos, hospitais e asilos, todos controlados pela Igreja Católica. O primeiro asilo construído no Brasil foi no Recife, em 1714; em 1763 foi inaugurado o Hospital de Lázaros do Rio de Janeiro, em São Cristóvão, administrado pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (também conhecido como Hospital Frei Antônio). Entre os séculos XVIII e XIX outras cidades brasileiras também receberam instituições para cuidar dos chamados “lazarentos” – todas de caráter caritativo e assistencial, mas que visavam excluir os doentes da sociedade. Já na República, foi criado o Laboratório Bacteriológico em 1894, funcionando no hospital Frei Antônio e foi a primeira instituição pública para pesquisa e atenção da doença. Até as primeiras décadas do século XX, todas as instituições asilares e hospitais ainda eram mantidos pela Igreja. Entre os anos de 1930 e 1970 a política adotada pelos governos brasileiros foi a de segregação obrigatória dos doentes, isolados e confinados nos “leprosários”, que havia em praticamente todos os estados brasileiros. Hoje em dia o tratamento da doença, que permite a cura total, é realizado de forma ambulatorial e sem necessidade de afastamento da família e da sociedade. Entretanto, até hoje a hanseníase pode ser considerada um grave problema de saúde pública no Brasil, que atinge principalmente as populações mais pobres e desassistidas de condições sanitárias.

[6] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[7] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

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