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Cadeia do Aljube

Publicado: Sexta, 15 de Junho de 2018, 15h22 | Última atualização em Quinta, 19 de Agosto de 2021, 22h01

Declaração do mestre de carpintaria e do mestre do ofício de pedreiro à secretaria da Intendência da Policia sobre o andamento das obras na cadeia do Aljube. Informam acerca das reformas feitas,  e dos espaços já concluídos, como uma enxovia e um xadrez para mulheres, as partes que puderam ser reparadas, como a capela, as áreas da cadeia que já muito danificadas não poderem ser reaproveitadas.

 
Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil, Ministério dos Negócios do Reino, Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiro, Ministério dos Negócios do Império e Estrangeiros, Instituições policiais. 
Notação: 6J-83 
Datas-limite: 1816 - 1817
Título do fundo: Diversos GIFI
Código do fundo: OI  
Argumento de pesquisa: cadeia do Aljube (Rio de Janeiro)
Data do documento: 13 de julho de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): -
 

Os mestres José Feliciano e Joaquim Coelho encarregados da obra desta cadeia de Aljube[1], sejam chamados à secretaria da Intendência[2], para baixo desta declararem especificamente as obras que ali se tem feito à custa da pensão de 1:00:000 de réis que dá o real Erário[3], e o que falta para se concluir o que positivamente a determinam. Rio 12 de julho de 1816.

[rúbrica]

José Feliciano de Oliveira e Joaquim Coelho Marinho mestres do oficio de carpinteiro e pedreiro, e encarregados do concerto da cadeia do Aljube declaram que as reformas que se tem feito na mesma cadeia são as seguintes: uma nova enxovia[4] para mulheres, pois a que havia estava toda arruinada ameaçando perigo.

Por cima desta enxovia se fez um xadrez de mulheres, por que o que existia também estava em ruína.

Por cima do xadrez se fez no todo a sala livre que compreende três casas grandes com cento e tantos palmos de extensão, com quarenta de largura, e da antiga sala livre nada se aproveitou por estar em considerável ruína, pois até o vigamento se achava suspenso pelos sualhos e pontaleces que antigamente se meterão.

Se fez no todo uma enxovia para homens, a qual ainda não tem serventia por precisar de comunicação para outra enxovia. Fizeram se dois segredos, em uma sala, e precisaram se mais outros dois. Reformou-se uma parte do xadrez e o resto está arruinado.

Reformou-se a canteira da sala livre, e enxovias, fizeram janelas novas, nove grades de ferro e estão reformando outras, e precisa-se grades para as enxovias da rua do Aljube, pois as que existem estão muito arruinadas.

Fechou-se todo pátio da cadeia com um grande paredão de pedra e cal, pela ladeira da conceição e acima e no fim dele se fez um pequeno quarto para sentinelas, cujo paredão compreende não só o pátio como toda extensão da cadeia, procurando a enxovia das mulheres, aonde teve grande profundidade para evitar as águas que vem do monte da Conceição[5].

Fizeram dois portões com portas e uma delas vai chapada de ferro, cantaria cunhaes, e o mais do que foi preciso, e entre eles compreende a casa para os guardas.

Reformando se também a capela[6]. Consertou-se o telhado de toda a cadeia, e casa dos vigários gerais, e seus competentes reboques e se tem feito outras muitas reformas na cadeia toda. Falta consertar o resto do xadrez cujo vigamento está escancarado e em ruína. Levantar o [cagedo] de duas enxovias por estarem muito baixo, e inferior ao nível da rua e uma delas rompesse a serventia com concreto limpeza dos canos dos despejos das prisões até o mar da prainha.

José Feliciano de Oliveira

Joaquim Coelho

 

[1]CADEIA DO ALJUBE: localizada no Rio de Janeiro, na antiga rua do Aljube (hoje rua Acre), entre as ruas do Ourives e Camerino, no bairro da Saúde. A palavra “aljube” deriva do árabe, e significa cárcere, masmorra, cisterna, e as descrições apontam para uma prisão úmida, suja e escura. Fora instituída pelo bispo d. Antônio de Guadalupe em 1735, para os eclesiásticos que tivessem cometido delitos, separando-os dos criminosos comuns. Com o tempo e em especial a partir de 1808, em consequência da falta de edifícios após a chegada da Corte, o aljube se fundiu com a cadeia comum e serviu de prisão para contrabandistas, estelionatários, presos comuns em geral, denominando-se a partir de 1823 “cadeia da Relação”. Em 1856, foi desativada face às péssimas condições de higiene e salubridade, tornando-se uma casa de cômodos. Foi definitivamente demolida em 1906.

[2]INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

[3]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[4]ENXOVIAS: Eram celas localizadas no subterrâneo (às vezes, no andar térreo) das antigas prisões, e abrigavam os prisioneiros acusados de crimes mais graves, tidos como mais perigosos. Assemelhavam-se às masmorras medievais, caracterizadas por sua escuridão, humidade e insalubridade.

[5]MORRO DA CONCEIÇÃO: localizado na região da Saúde, compõe com a Gamboa e o Santo Cristo a zona portuária do Rio de Janeiro. Juntamente com o morro do Castelo, o de Santo Antônio e o de São Bento formam o quadrilátero que formava e limitava a cidade colonial. Sua ocupação desde o século XVII esteve ligada a atividades militares e religiosas da colônia. Em 1624 foi erguida uma ermida dedicada à Nossa Senhora da Conceição (que deu nome ao morro); posteriormente o terreno onde ficava a capela foi doado à Ordem do Carmo para construção de um convento, e em 1669 passou aos frades capuchinhos franceses para construção de um asilo para doentes mentais. Com a expulsão dos frades franceses do Rio de Janeiro em 1701, o prédio passou ao Cabido da Câmara e depois de obras de ampliação tornou-se o Palácio Episcopal, ocupado em 1702 pelo terceiro bispo da cidade, d. Francisco de São Jerônimo. A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição foi erguida nos fundos do Palácio e sucedeu a Bateria do Morro mandada fazer pelo corsário francês Duguay-Trouin em 1711, quando da segunda invasão francesa a cidade, que se estabeleceu no Palácio. A edificação, pensada como parte do plano de defesa do porto e da cidade, iniciou em 1715 e as obras só ficaram totalmente concluídas em 1763, com um potencial de 36 bocas de fogo. Na fortaleza ficaram presos alguns dos inconfidentes de Minas Gerais, entre eles Tomás Antônio Gonzaga, e ao longo do Oitocentos a fortificação foi armada e desarmada algumas vezes, vindo novamente a servir como prisão. No século XIX o morro servia de moradia para comerciantes e empregados do comércio, que trabalhavam nos trapiches e companhias da região da Prainha, conhecida como Valongo, principalmente depois da transferência do mercado de escravos e da atividade portuária da região do Largo do Paço nas últimas décadas do XVIII, por ordem do vice-rei, o marquês do Lavradio. Essa transferência levou à criação do cemitério dos pretos novos, que na verdade não passava de uma área onde os escravos que não resistiam à longa viagem, submetidos a condições extremas, eram enterrados ou abandonados em valas comuns. Na descida do morro voltada para o porto, a Pedra do Sal recebia o sal importado de Portugal, descarregado por escravos estivadores. A região, já no século XX, transformou-se em ponto de encontro, tornando-se posteriormente palco de variadas manifestações da cultura afro-brasileira, considerada um dos locais de nascimento do samba.

[6] CAPELA: templo cristão secundário, usualmente constitui local para atendimento religioso de grupos específicos de pessoas ou comunidades religiosas, como em aldeias, colégios, universidades, presídios, quartéis, castelos e fazendas. A capela está subordinada e pertence a uma determinada paróquia. Normalmente, uma capela apresenta uma estrutura física modesta, comportando apenas um altar. Dada a ampla penetração da Igreja Católica em praticamente todas as instâncias da vida no Brasil colônia, era previsível a existência de uma capela em uma instituição pública, inclusive em uma cadeia. A ideia de os presos passarem os longos períodos de encarceramento sem assistir missa ou confessar seus graves pecados era inconcebível: a submissão aos princípios cristãos deveria ser reafirmada constantemente, e o papel do sacerdote (capelão) era justamente o de reforçar a educação cristã, intensificar sentimentos de arrependimento e temor dos castigos divinos.

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