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Tratado entre Portugal e a Porta Otomana

Publicado: Quarta, 24 de Janeiro de 2018, 12h50 | Última atualização em Sexta, 23 de Abril de 2021, 17h19

Documento de análise das condições e motivos para assinatura de um acordo de paz e amizade entre Portugal e o Império Turco Otomano, em vista dos efeitos da Revolução Francesa sobre o continente europeu. Refere-se à criação de um tratado de navegação pelo Mediterrâneo, por meio do qual Portugal visa obter privilégios e isenção de impostos em Constantinopla como os obtidos pelos russos.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 731, pct. 01
Data-limite: 1742 - 1825
Título de fundo: Negócios de Portugal
Código de fundo: 59
Local:-
Data do documento: -
Folha (s): -

 

 

"Modo porque se considera a Negociação, que a Corte de Lisboa deseja concluir com a Porta[1]; negociação que está já começada em Londres, e para a qual se pediram depois os bons ofícios da corte da Rússia.

I

A nova situação das coisas, produzida na Europa pela Revolução Francesa[2], fez que a Porta se declarasse contra o inimigo comum e fizesse tratados de Aliança ou se propõe de o ser.

II

Nascia daqui dever Portugal considerar a Porta como um potência que concorria também para salvar a Europa, e em consequência concorria para a existência da monarquia portuguesa e eis aqui um motivo `mais que bastante] para a corte de Lisboa se propor a abrir uma correspondência direta com o grão senhor, e fazer com ele um Tratado de Paz e Amizade[3].

III

De um Tratado de Amizade de Portugal com os turcos havia conseguir-se direta ou indiretamente segurança da navegação Portuguesa no mediterrâneo, e por consequência o nosso governo não podia perder de vista as relações mercantis que podiam ter seus povos com os diferentes Portos da dominação Otomana.

IV

Daqui se interfere que os objetos das nossas negociações devem ser primeiro, um Tratado de Paz e Amizade, segundo, um tratado de comércio. Ao concluir-se um e outro objeto no mesmo tratado, não parece impossível, e isto reduziria duas negociações a uma só, e pouparia despesas.

V

Pode-se estar persuadido, que um negociador que a corte de Lisboa mandasse a Constantinopla[4], primeiramente como simples particular, mas com plenos poderes para os patentear quando fosse tempo, sendo dirigido ao ministro da Rússia Mr. de Tamara, cujo credito em Constantinopla todos sabem, ` e eu conheço o talento e a atividade] conseguiria o que desejamos.

VI

A coleção de Tratados e documentos mencionados na nota de letras V. u. V.u. , cujas copias são presentes e vão numeradas de N. I até N. XIII, não servem de muito, querendo-nos restringir só a outro documento, mas sempre servem para nos dar uma ideia do modo, por que a Porta contrata as suas estipulações; e estando o negociador português bem senhor destes tratados, pode reduzir a uma grande simplicidade a negociação dos artigos, que desejamos estipular relativos a amizade e boa inteligência que queremos ter com a Porta, os quais artigos `uma vez que esteja admitida a negociação] reduzem-se as coisas vagas e de direito público comum em uma palavra, aos artigos que a Porta tiver já estipulado com outras cortes relativamente ao mesmo objeto.

VII

Quanto ao comercio, tudo se reduz a termos os mesmos privilégios em Constantinopla; negociando-nos com a intenção do ministério da Rússia, podemos talvez conseguir os mesmos privilégios de que gozam os russos, não servindo-nos desta frase, mas estipulando `em artigos separados] os mesmo artigos de favores que a Rússia tem estimado e nos podem ser aplicados. Entra nisso o obter para os vassalos[5] portugueses, que comercializem nos Estados e portos Otomanos, as isenções, que devem estipular se nomeando positivamente a isenção e modificação.

VIII

O modo mais fácil e mais claro de obter privilégios para o comercio e prevenir para o futuro, as muitas dificuldades, que os oficiais das alfândegas turcas sabem suscitar a cada momento, é de convir logo em uma tarifa de direitos, como fez a Rússia e creio a outras nações, que também tem tarifas próprias de direitos.

IX

Fala-se em estipular uma tarifa, e não adotar a que tem feito outra nação para se puder incluir em tal tarifa as mercadorias provindas das colônias, que podem não ser comum as nações que tivessem a tarifa mais vantajosa.

X

Quanto às regências barbarescas[6] o melhor seria ver se podíamos negociar um artigo semelhante ao que a Porta estipulou com a corte da Rússia no artigo 61 do tratado de 1783, pelo qual artigo a Porta se obriga que o pavilhão russo seja respeitado pelas regências barbarescas, mas não podemos conseguir tanto, podemos certamente obter que a Porta se sirva da sua influencia para que se façam tratados com aquelas regências, sem as estipulações eficazes para procuram a segurança competente à navegação mercante portuguesa.

XI

Até agora só é permitida a passagem pelo estreito de Constantinopla para o Mar Negro e os navios que tem bandeira Russa ou austríaca, pode ser que por intervenção do ministro da Rússia, se possa conseguir um artigo eventual, que se possa conceder para outro futuro, a bandeira portuguesa será também compreendido nesse favor.

XII

Estas ideias sendo dadas pelo mesmo ministro, que negociou dois tratados de comércio, e negocia um tratado de aliança com a corte da Rússia, aonde não se encontra a palavra nação mais privilegiada ` a palavra vaga e que, por este motivo, tantas vezes tem procurado embarcações e dificuldades] é natural de supor, que logo não se faça nação mais privilegiada e que todas as estipulações sejam feitas em palavras positivas.

XIII

O negociador português, que for a Constantinopla, poderá informar a sua corte, ouvindo o ministro da Rússia e o ministro de Nápoles `que tem muito conhecimento da Porta, e é um bom conselho`, das pessoas do ministério Otomano, a quem será preciso presentear quando se assinar ou ratificar o Tratado: assim como os presentes que o príncipe nosso senhor poderá mandar ao sultão a inauguração da primeira enviatura portuguesa na conformidade do que praticarão as mais cortes europeias em casos semelhantes. As notícias que daqui se pode dar sobre este objeto seriam sempre sujeitas as mudanças do tempo presente em Constantinopla, e naquele país, o momento presente é o primeiro a contemplar."

 

[1] SUBLIME PORTA [OTOMANA]: na linguagem diplomática, a expressão designava o palácio do sultão, a corte imperial e o próprio centro de decisão política do Império Otomano. A imagem surgiu após a visita da comitiva francesa ao palácio do Grão Vizir em Constantinopla (atual Istambul), em 1536, que era alcançado através de uma imponente passagem Bab-ı Ali (literalmente grande portão ou portão principal). Os turcos têm origem nos povos pastoris nômades da Ásia central, que cruzaram a fronteira nordeste do domínio islâmico antes do século X e onde lograram ocupar papéis de destaque na hierarquia social e estatal, ascendendo à medida que as dinastias muçulmanas ocupavam o espaço deixado pela desintegração do Império Bizantino. Distinguiam-se dos povos árabes, mas sua convivência aumentou a medida em que suas alianças com estes povos obtinham sucesso nas áreas militar e econômica. O Estado nasceu nos principados criados com a expansão destes povos turcos para a Anatólia, ao longo da instável fronteira com o império bizantino, entre os séculos XI e XIII. O principado da dinastia de Osman era um deles, e daria origem ao grande Império Otomano [forma ocidentalizada de Osman/ Uthman]. Era um principado que contava com terras cultivadas, cidades prósperas, e que atraía também grupos ainda nômades, combatentes das fronteiras ou pastores em busca de pastagem. Seus domínios se expandiram com base em uma organização militar eficiente e moderna, e, em fins do século XIV, suas forças haviam cruzado o estreito de Dardanellos em direção a Europa Ocidental. Tanto como a organização militar, as estratégias da diplomacia junto aos estados europeus e de alianças com grupos locais garantiram a ascensão do estado otomano e sua subsequente transformação em império. Em 1453, absorveu o que restava do Império Bizantino e tornou Constantinopla sua nova capital, com o nome de Istambul. Durante séculos manteve seu domínio sobre uma área vasta [Europa Oriental, Balcans, Ásia Ocidental e maior parte do Magreb], com base numa burocracia centralizada e bem-organizada, a despeito de reunir uma enorme diversidade de grupos étnicos e religiosos. A maior parte do mundo muçulmano encontrava-se, na época da ascensão otomana, integrada em um dos 3 grandes impérios: otomano, safávida e grão-mogol. As regiões de domínio da língua árabe integravam o Império Otomano, com exceção da Arábia, Sudão e Marrocos. O árabe, no entanto, estava longe de ser a língua dominante e tampouco o islamismo era a única religião aceita. O idioma turco predominava entre as elites governante, militar e administrativa, muitas oriundas dos Bálcãs e do Cáucaso, enquanto as elites religiosa e jurídica formavam-se nas escolas de Istambul, onde os estudos eram ministrados em árabe. Segundo Albert Hourani, "O Império era um estado burocrático, contendo diferentes regiões dentro de um único sistema administrativo e fiscal. Foi também, no entanto, a última grande expressão universalista do mundo Islâmico. Preservou a lei religiosa, protegeu e ampliou as fronteiras do mundo muçulmano, guardou as cidades santas da Arábia e organizou a peregrinação a elas". Potência militar e naval atuante no Mediterrâneo, o Império Otomano encontrou-se em posição de conflito com as duas potências ibéricas do século XVI. Neste contexto, surgiram as alianças com os povos do Magreb, estabelecendo postos avançados ao longo da costa norte africana: Argel, Trípoli e Túnis. Embora a chegada na América tivesse desviado as atenções e energias de Portugal e Espanha para longe do Mediterrâneo, esvaziando o potencial de conflito entre as nações, e a ascensão ao poder de facções civis no Magreb mais interessadas em estabelecer um comércio legítimo com a Europa tenha enfraquecido a atividade corsária, tais relações permaneceriam ainda vulneráveis até o final do século XVIII.

[2] REVOLUÇÃO FRANCESA: movimento que culminou com a turbulenta sublevação de julho de 1789, ao lado da revolução industrial inglesa, é considerado por uma grande parte da historiografia moderna um dos marcos fundadores da história contemporânea. Essa dupla revolução, de um lado econômica e do outro político-social, como observa Eric Hobsbawn, foi responsável pela derrubada do Antigo Regime e sua política mercantilista e a emergência do mundo capitalista, consolidando a ascensão sócio-econômica da burguesia no mundo ocidental. Outras linhas de pensamento, entretanto, destacam continuidades e vínculos com a tradição da antiga ordem, flexibilizando o caráter de ruptura que teria instaurado. Ainda assim, deve-se reconhecer que as instituições construídas nos anos revolucionários, os conceitos que se encontravam em suas raízes e também aqueles que foram criados durante o processo, as ideias em conflito, a dinâmica entre sociedade e política explicitada de forma objetiva foram elementos cuja influência marcaria o destino de todos os estados-nação e do sistema das relações internacionais a partir de então. Em fins do século XVIII, embora a França não fosse uma potência à altura da Grã-Bretanha, ela era a "mais poderosa (...) das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa", de forma que "o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras partes." (HOBSBAWM, E. A era das revoluções (1789-1848). 16ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 86). Desse modo, a Revolução esfacelou a estrutura estamental sobre a qual se baseava o Ancien Regime, que mantinha o poder decisório concentrado em setores que contavam cada vez menos para a economia da nação, alijando do poder os grupos-chave na dinâmica produtiva. Agindo contra a centralização do poder nas mãos da aristocracia e da Igreja, a insurreição teve por estopim a recusa do Terceiro Estado em aceitar as imposições do rei Luís XVI em relação às reformas que este desejava impor para sanar a grave crise econômica pela qual a França passava. Diante da tentativa de formação de uma assembleia constituinte por parte do Terceiro Estado, que representava o "povo" (homens livres, sem títulos nobiliárquicos, não-integrantes do clero), o rei radicaliza sua posição, declara a ilegalidade da assembleia e acaba por desencadear a maior revolta social da França moderna. Às questões financeiras e políticas mais prementes, juntavam-se velhos ódios de classe e disputas religiosas, e a necessidade de transformar a estrutura do Estado francês de forma a que permitisse maior dinamismo econômico. A agricultura de estrutura eminentemente feudal ainda respondia por cerca de 80% da sua economia, tornando-a frágil diante de variações climáticas e pragas, além de vulnerabilizar uma população já pobre e com poucas opções de trabalho. Outro elemento fundamental, e que teria, de forma inédita, contribuído para deflagrar a Revolução foi a difusão intensa das ideias iluministas, tributárias da Revolução Científica do século XVII, da ciência newtoniana, fundadas no predomínio da razão, contrárias portanto à lógica que sustentava o Absolutismo. Rousseau, Voltaire, Diderot eram exemplos de filósofos que desafiavam as noções tradicionais de poder, governo e religião, expressando o anacronismo crescente de concepções embasadas exclusivamente nos preceitos da Igreja e colocando o homem e a sociedade que ele construía no centro das discussões. Durante suas várias fases, transcorridas ao longo de cerca de uma década, a Revolução passou por momentos de radicalização e republicanismo (Jacobinismo), de despotismo intenso e acabou chegando em um tipo de ditadura militar sob domínio de um líder carismático, Napoleão Bonaparte. Embora, de acordo com Tocqueville, a revolução tenha tido “duas fases bem distintas: a primeira, durante a qual os franceses parecem abolir tudo o que pertenceu ao passado; e a segunda, onde nele vão retomar uma parte do que nele deixaram. Há um grande número de leis e hábitos políticos do antigo regime que desapareceram assim, repentinamente, em 1789, e que aparecem novamente alguns anos mais tarde [...]” (TOCQUEVILLE, Alexis de. Prefácio. O Antigo Regime e a Revolução. 4ª ed., Brasília: editora UnB, 1997, p. 44) o impacto de todo este processo, as ruínas que deixou atrás de si e as ideias que conseguiu ao menos legitimar e propagandear formariam as bases de um fazer político moderno: a fraternidade, a igualdade e a liberdade tornaram-se a palavra de ordem de povos oprimidos do mundo inteiro, embora também se tornassem o lema de elites do capitalismo contemporâneo que passaram a legitimar a extrema desigualdade econômica com maior democracia política. Ao longo do século XIX, movimentos pela independência varreram as Américas, e uma das suas influências encontra-se justamente na Revolução Francesa, transformada em farol a iluminar o mundo e libertá-lo do obscurantismo. O mesmo pode ser dito de movimentos democráticos europeus, que tinham na França revolucionária seu ideal de "povo no poder".

[3] TRATADO DE PAZ E AMIZADE (1648): durante três décadas do século XVII, conflitos generalizados de causas diversas compuseram, junto ao quadro de crise que marcaria o período e deixaria milhões de mortos, um cenário de devastação na Europa, como só seria visto novamente séculos mais tarde: peste, fome, retrocessos em áreas do conhecimento que haviam experimentado novo impulso no século anterior, conflitos de ordem religiosa. A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), como ficou conhecida essa série de conflitos generalizados, não seria a única responsável pela crise econômica e social que atingiu o continente. Iniciada na região da Boêmia, parte integrante do Sacro Império Romano-Germânico, a série de conflitos tinha como motivação inicial as diferenças religiosas decorrentes do fim do monopólio da cristandade por parte da Igreja Católica Apostólica Romana, mas, na verdade, expressou o embate de interesses envolvidos no processo de transformação da economia de uma forma geral, e especialmente, a luta política pelo poder que rivalizou estados ainda em processo de consolidação e secularização. Envolvendo os domínios de dinastias antagônicas (Habsburgos – Áustria e Bourbouns – França), a guerra terminou com a assinatura de dois tratados, ratificados no Tratado de Vestfália (1648), também conhecido como A Paz de Vestfália. Tradicionalmente, considera-se a paz de Vestfália um marco na origem do moderno sistema de Estados-nação, como atualmente conhecemos, e nas relações internacionais modernas, abrindo caminho para um sistema de reconhecimento de soberania mútua entre estados seculares. Atualmente, estudiosos do tema questionam ou mesmo rejeitam esta concepção (Luis Mota em Uma releitura crítica em torno do "sistema vestfaliano”; Diego Santos Vieira em O baile do monstro: o mito da paz de Vestfália na história das relações internacionais modernas; Lucas Freire: O impacto de Westphalia na montagem de uma nova ordem na política mundial), uma vez que a combinação de elementos que formariam a originalidade do sistema vesfaliano – nacionalidade + organização política sob forma de Estado + soberania + território – na verdade se cristalizou de formas diferentes e em momentos diversos. De todo modo, o tratado formalizou o direito à aliança entre os príncipes, e a partir dali, tornou-se muito mais claro que as relações entre os diversos estados europeus que, aos poucos se consolidavam, estavam em franca transformação: as guerras haviam se tornado muito mais desestabilizadoras e formas de resolução que exigissem menos desgaste físico e econômico das nações envolvidas fazia-se premente. Os tratados passaram a ser fundamentais para a segurança internacional, estabelecendo os termos segundo os quais os estados se relacionariam. Por vezes encerrando conflitos bélicos, por vezes inaugurando novos rumos nas relações entre dois ou mais estados, os Tratados (de Paz, de Paz e Amizade, de Aliança, de Comércio) orientariam o comportamento dos governantes e teriam papel fundamental na elaboração da cada vez mais intrincada teia de interesses, rivalidades e associações entre as entidades políticas que formavam a Europa.

[4] CONSTANTINOPLA: nascida como Bizâncio, cidade grega no século VII a.C, e atual Istambul, foi um dos maiores centros de poder da Europa medieval e sede do Império Romano do Oriente, que se manteve relativamente coeso enquanto sua unidade na Europa ocidental se esfacelava. Sua localização é estratégica: entre a Europa e a Ásia, plantada no estreito de Bósforos, permite acesso aos mares Negro e Mediterrâneo, devendo-se isso muito de sua prosperidade econômica e diversidade cultural, o que atraiu a cobiça de povos dos dois continentes. No século IV, o imperador romano Constantino escolheu-a como capital do Império Romano (já cristianizado), e no século seguinte as famosas muralhas de Teodósio foram erguidas: por mais estratégica que fosse sua localização, especialmente em relação ao tráfego marítimo, Constantinopla encontrava-se em uma posição vulnerável em relação a ataques por terra, já que carecia de proteção natural contra invasores (montanhas, rios, etc). Estas muralhas resistiram durante séculos aos ataques de russos, godos, persas, búlgaros, entre outros, e somente cairiam cerca de mil anos depois, diante do incansável cerco das forças otomanas. A primeira tentativa de forças árabes de dominar a cidade deu-se ainda no século VII: povos islâmicos pretendiam torná-la sua capital e base para uma ambiciosa expansão pela Europa. Seu fracasso acabou voltando sua atenção para Bagdá, que se tornou centro vital do mundo muçulmano. No entanto, a ascensão dos grupos turcos vindos do Oriente transformou novamente Constantinopla em objeto de conquista, e estes grupos pressionaram a cidade até sua derrota, em 1453. A antiga capital do Império Romano já havia perdido sua independência política formal desde o estabelecimento de obrigações pecuniárias ao sultão otomano pelo tratado de 1373, além de encontrar-se virtualmente cercada por terras já dominadas pelos turcos. Sob domínio otomano, a cidade passou a se chamar Istambul e tornou-se capital do Império Otomano. Depois que sua vitória e seu domínio sobre a cidade estavam garantidos, o sultão Mehmet começou a atrair de volta à cidade, residentes que haviam fugido durante o período de conflito. Criou um ambiente propício para o estabelecimento de famílias de cristãos, judeus e, claro, mouros, com a intenção de enriquecer a cidade culturalmente e dinamizar sua economia. Embora sob seu reinado já tivesse início a revitalização urbana da cidade, com a construção de banhos públicos, mesquitas majestosas, escolas e hospitais, foi sob o governo de Suleiman, o Magnífico (1520-1566) que inúmeras conquistas no campo das artes e da educação contribuíram para tornar a cidade um verdadeiro polo comercial, cultural e artístico.

[5] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[6] REGÊNCIAS BARBARESCAS: a Barbária, ou Berbéria, ou Costa Barbaresca refere-se à região Noroeste da África, banhada pelo mar Mediterrâneo e pelo oceano Atlântico, limitada ao sul pelo deserto do Saara, também chamada Magrebe, que engloba, atualmente, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. Na época do Império Romano essa região era conhecida como África Menor. Os berberes eram povos de diferentes etnias e línguas que habitavam o território do Magrebe; o termo berbere vem do grego bárbaro, usado para se referir aos estrangeiros, aqueles que não eram gregos. Tiveram influências dos fenícios – que inclusive fundaram as principais cidades: Argel, Túnis e Trípoli, aproximadamente entre VI e VII a.C. –, gregos, romanos, bizantinos e dos vândalos que chegaram à África pela Península Ibérica e foram conquistados pelos árabes no século XII. No século XVI os turcos otomanos começaram a conquistar as principais cidades do Norte do continente africano, entre elas as acima citadas, dando início às regências barbarescas. Também chamadas de regências turcas magrebinas, foram o governo de Argel, Túnis e Trípoli durante o domínio do Império Otomano. As regências tinham relativa autonomia do governo de Istambul, que não conseguia controlar com a mesma intensidade as regiões mais distantes do império, variando de acordo com a cidade e a região. Eram, em geral, governos de grande presença e força militar (sobretudo a regência de Argel), que procuravam se unir às elites locais para mais facilmente governarem e se manterem no poder com mais legitimidade e menos resistência dos locais. A força da economia estava principalmente no comércio com a Europa de gêneros “exóticos” e escravos, e, paradoxalmente, no corso e pirataria, contra as mesmas nações europeias, especialmente as cristãs, que eram encarados como parte de uma guerra santa. Devido à proximidade com Portugal, o contato entre as regiões era frequente e nem sempre amistoso, em função dos ataques piratas e das disputas religiosas. Em 1813, Portugal assinou um acordo de Paz com a regência de Argel, logo depois de ter desocupado totalmente a cidade de Mazagão, última possessão portuguesa no território do Marrocos. De acordo com Eva-Maria Von Kemnitz, "Portugal dialogou com Marrocos e com as Regências barbarescas, de igual para igual, respeitando, nas negociações, a especificidade do contexto jurídico islâmico e permaneceu fiel ao espírito dos tratados celebrados com aqueles Estados. O saber que os orientalistas portugueses, no caso arabistas, produziram serviu a [sic] diplomacia portuguesa nos contatos com o Norte de África, não revelando o seu conteúdo atitudes nem de supremacia nem de menosprezo, não servindo nem a conquista nem a expansão colonial”. (O orientalismo na perspectiva de Edward Said. Intervenção no Colóquio sobre a Vida, Pensamento e Obra de Edward Said, organizado pelo MPPP..., novembro de 2009.)

 

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