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Flying Fish

Publicado: Segunda, 03 de Abril de 2017, 11h35 | Última atualização em Terça, 17 de Agosto de 2021, 21h37

Documento em que José Tomás Nabuco de Araújo esclarece a d. João VI o incidente acontecido no Pará, onde o contra-mestre e um marinheiro, todos de nacionalidade inglesa, foram presos sob a acusação de pirataria. No decorrer do processo depois de serem ouvidas muitas testemunhas estes foram julgados inocentes. O vice-cônsul inglês, porém exige uma indenização aos "donos e interessados" da galera Flying Fish, referente aos prejuízos causados pela retenção da galera no porto. O autor do documento se coloca contra o pagamento, defendendo que a soma exigida é "fantástica e exagerada"; José Thomaz justifica o envio dos processos ao rei esperando que este determine o que seja do seu agrado.

 

Conjunto documental: Generalidades - gabinete do ministro
Notação: IG1 8
Data-limite: 1819 - 1827
Título do fundo: Série Guerra
Código do fundo: DA
Argumento de pesquisa: Portugal, relações exteriores - Grã-Bretanha

 

Depois de ter dirigido a vossa excelência os meus ofícios de 11 de fevereiro próximo passado pelo ajudante de ordens deste governo José de Brito Inglês, teve lugar a correspondência oficial do governador de Barbados Lorde Combermere com este governo e a continuação que já se havia principiado com o vice-cônsul da nação britânica sobre o objeto de que trata o processo nº 3 cópia (L) cujo negócio vou fazer patente a vossa excelência em toda a sua luz.

Durante a minha ausência na Ilha de Marajó pelo motivo que referi a vossa excelência na minha carta de 11 de fevereiro se fez a denúncia constante do processo `ilegível] pela qual James Wormington, que foi mestre da galera Flying Fish, José Roman Harris, contra mestre e Alexandre Marr, marinheiro, todos vassalos de sua majestade britânica foram acusados de serem piratas[1] e os mesmos que tinham apresado a galera portuguesa Lorde Wellington, pertencente ao negociante desta praça João de Araújo Rozo, isto em consequência da delatação que fez Antônio de Moura Carvalho que vinha de passageiro na dita galera quando foi tomada, asseverando que conhecia perfeitamente aqueles três indivíduos por serem os mesmos que a tinham apresado.

Somou conhecimento deste negócio o desembargador ouvidor geral, o qual em Consequência procedeu a prisão dos três acusados e a apreensão dos papéis do dito Wormington.

 Estavam as coisas neste estado quando me recolhi a esta cidade na noite do dia 6 de janeiro. No dia 7 tomei conhecimento. No dia 8 recebi o primeiro ofício do vice-cônsul britânico cópia (A) e como julguei ser do meu dever não desprezar este negócio e procurar ter um verdadeiro conhecimento do fato que fazia o objeto da denúncia lhe dei a resposta constante do ofício cópia (B) e dirigi ao ouvidor o ofício cópia (F) por isso que os réus não apresentavam em sua defesa suficientes provas que os pudessem logo declarar inocentes. Foi preciso prosseguir em todas as diligências do estilo, e são as que constam do processo cópia (L). Como porém não era bastante a acusação que se tinha feito para se proceder contra os acusados e constando-me que estavam a chegar de Lisboa umas mulheres que tinham estado a bordo da dita galera, assim como uns marinheiros pertencentes a sua tripulação que também aqui se esperavam foi preciso esperar alguns dias até que chegassem uns, e outros ou para confirmarem a acusação ou para a desmentirem. Foi ela com efeito desmentida por todos como consta dos depoimentos a f.11 e 11v e f.14 e 15. do dito processo: em Consequência do que e do mais, que dele consta se lavrou em Junta de Justiça[2] e acordou f 15 verso, pelo qual os acusados foram julgados inocentes, mandados por em sua liberdade vindo por tanto a ultimar-se este negócio no espaço de dezenove dias, desde 2 de janeiro até 21 do dito mês.

Foi neste intervalo que o vice-cônsul britânico participou ao governador de Barbados este acontecimento, fazendo partir o `brigue] Fingal, de que faz menção no seu ofício cópia (A) com efeito no primeiro do corrente entra neste porto o `brigue] de guerra denominado o Raleigh comandado pelo capitão Bumgardt, o qual me entregou.

 O ofício do governador de Barbados Lord Combermere, cópia (M). Do meu ofício cópia (N) pode Vossa excelência ver a resposta que dei aquele governador e julguei ser a mais descente e adequada em tais circunstâncias; e recebida ela apenas se demorarão o tempo preciso para se refazerem de alguma `aguada] e se fizeram imediatamente à vela deste porto.

Durante a demora do brigue me dirigiu o vice-cônsul, o ofício cópia (O) exigindo o pagamento das indenizações, pretendiam os donos e interessados na galera Flying Fish pela sua demora neste porto, em Consequência da prisão do mestre James Wormington, cuja importância é a que consta da conta cópia (P). N2

Para fazer conhecer a vossa excelência o quanto esta conta é fantástica e exagerada devo notar três circunstâncias: primeira; que nem a escuna, nem gêneros  alguns de sua carga foram embargados; Segunda, que nem o mestre nem o consignatário fizeram protesto de abandono da dita escuna, nem praticarão algum ato que pusesse este governo na responsabilidade dos prejuízos e danos que lhes sobreviessem; terceira, que tendo decorrido trinta e oito dias desde que o dito mestre foi solto e livre até a chegada do brigue Raleigh ele não procurou carregá-la, nem fazer viagem e não obstante isso, pediam os interessados a indenização correspondente a cinqüenta e oito  dias de ancoragem, como consta da mesma conta. A este ofício e ao da cópia (R) respondi negativamente como vossa Excelência pôde ver dos meus ofícios, cópias (Q e S).

Depois disto nada mais tem ocorrido sobre este objeto.

Permita-me vossa Excelência que eu acrescente ainda ao que fica referido que o fato da vinda do dito brigue a este porto com objeto de reclamar os três indivíduos, no caso que ainda se achassem presos e as indenizações dos afetados prejuízos em Consequência desta prisão e da demora da escuna merece alguma consideração e não deixou de me ser muito estranhável vista a resposta que a este respeito eu já tinha dado ao vice cônsul no meu ofício cópia (B) § 5° Resta-me porém a satisfação de que além desta razão mais particular não houve alguma para me queixar dos oficiais do dito brigue, por isso que não cometeram ato algum público que afetasse o decoro deste governo ou que de algum modo fosse ofensivo aos direitos da sua majestade ou à dignidade da nação e que eles foram testemunhas do estado de força desta capitania[3] e dos meios que haviam para conter em respeito aqueles que o tentassem fazer. Neste caso portanto só me cumpria ter para com eles aquelas atenções e civilidades, que se devem a vassalos de uma nação aliada sem a menor infração da dignidade do cargo que tenho a honra de exercer e para com Vossa Excelência declaração de tudo o que aconteceu, para que levando a augusta presença de sua majestade o mesmo senhor se digne de a tomar em consideração e determinar o que for do seu real agrado sobre este objeto.

Deus

 

[1]PIRATAS: o saque, a pilhagem e o apresamento de embarcações e povoados vulneráveis foram, durante séculos, realizados por grupos organizados, que atuavam sob as ordens de um soberano ou de forma independente. O termo pirataria define uma atividade autônoma, sem qualquer consideração política ou razões de Estado (comerciais ou estratégicas). Sem nacionalidade juridicamente reconhecida, os piratas lançavam-se ao mar pilhando embarcações ou atacando regiões costeiras para angariar riquezas. Há registro de ataques piratas à costa brasileira, no período colonial, motivados pelo contrabando de produtos como o pau-brasil, bem como pela captura de escravos indígenas. Tornaram-se célebres os piratas franceses Jean Florin, Laudinière, Montbars, os irmãos Lafitte e Jean Davis, conhecido como o Olonês, que atuaram na região das Antilhas. Em um universo majoritariamente masculino, algumas mulheres disfarçadas também fizeram história, como Mary Head e Anne Bonney. O último reduto da pirataria ocidental foi o Mediterrâneo, onde piratas gregos e berberes eram atuantes desde a Idade Média. Não se deve confundir piratas com corsários. O corsário tem sua origem na Idade Média, mas se tornou especialmente importante durante os tempos modernos. Ao contrário do pirata, do ponto de vista do direito internacional, o corsário é um combatente regular, ligado a um Estado, a quem o governo dava uma carta de corso. Poderia ser mantido diretamente pelo governo ou por um particular. Não há grande diferença dos piratas quanto aos métodos. Porém, o corso reservava de 1/3 a 1/5 do butim para o tesouro real e executava ataques encomendados pelos Estados a que serviam, tal como DuGuay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro em 1711 a serviço da Coroa francesa no âmbito da guerra de sucessão espanhola, colocando em lados opostos França e Portugal, aliados, respectivamente, à Espanha e à Inglaterra.

[2]JUNTA DE JUSTIÇA: a partir da administração do marquês de Pombal, percebe-se um deliberado esforço da administração metropolitana para fortalecer o poder central. Inserido nesse contexto, estava o estabelecimento de juntas de justiça no território colonial. Instituídas a partir de meados do século XVIII em diferentes capitanias brasileiras, a criação das juntas resultou das dificuldades de acesso às províncias mais distantes, onde os Tribunais de Relação da colônia tinham sua atuação muito enfraquecida. Se o isolamento físico representava uma barreira, o mesmo se pode dizer da atuação desencontrada e conflitante dos variados níveis responsáveis pela administração da justiça na colônia. O alvará de 18 de janeiro de 1765 determinava que em todas as partes do Brasil onde houvesse ouvidores fossem formadas juntas de justiça, compostas pelo ouvidor, que seria seu presidente e relator, e por dois adjuntos, que seriam ministros letrados ou bacharéis formados. Suas atribuições compreendiam diversos aspectos, desde o julgamento de processos, incluindo-se os crimes cometidos por militares, até a observância das leis e a conservação da paz. Eram órgãos de recurso, de nível inferior, que junto a outras instituições, tais como a Junta de Fazenda, funcionavam como contraponto à autoridade do vice-rei.

[3]CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

 

 

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