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Ilhas Atlânticas

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 14h51 | Última atualização em Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 14h51

Comércio de escravos

Alvará dirigido aos comerciantes portugueses referente ao resgate de escravos da Guiné e Cabo Verde, possessões portuguesas ultramarinas. 

 

Conjunto documental: Registro de provisões, alvarás, leis, portarias e cartas régias na Relação da Bahia.
Notação: códice 542, vol. 02
Título do fundo ou coleção: Relação da Bahia
Código do fundo: 83
Datas-limite: 1759-1791
Argumento de Pesquisa: Cabo Verde
Data do documento: 24 de abril de 1769
Local: Palácio Nossa Senhora da Ajuda (Lisboa)
Folha (s): 89 a 90

 

Leia esse documento na íntegra

 

"Eu El Rei[1] faço saber aos que este meu alvará[2] virem, que tendo consideração ao bem, que desejo fazer aos meus vassalos[3], assim deste Reino, como do Estado do Brasil, Guiné[4], e nas conquistas dele e folgar que o comércio delas se aumente em utilidade sua: hei por bem de lhes permitir que possam tratar, e comerciar com os vassalos da Coroa de Castela nas Índias Ocidentais[5], levando a elas negros de Cabo Verde[6], e Guiné para que com isso recebam as utilidades, que se esperam deste comércio[7], e cresça o rendimento de minhas Alfândegas[8], evitando juntamente com esta permissão os interesses que os estrangeiros têm com os negros, que levam das ditas partes às Índias de Castela[9], e não lograrem os frutos que produzem as conquistas deste Reino; com declaração, que as pessoas que houverem de navegar para as ditas partes, hão de ser as que aprovar o meu Conselho Ultramarino[10], e serão obrigados a meter no Estado do Brasil e Maranhão[11]a terça parte dos negros que levar às Índias. Pelo que, mando ao governador[12] das Ilhas de São Thiago de Cabo Verde, e ao capitão da Praça de Cacheo[13], e todos os mais governadores, e pessoas a que tocar, cumpram, e guardem este meu alvará tão inteiramente, como nele se contém, fazendo publicar nas capitanias[14] das ditas Ilhas e registrar nas Câmaras delas, as quais serão obrigadas a enviar ao dito Conselho nas primeiras embarcações, que dali partirem, certidões autênticas da quantia de negros, que cada pessoa carregar para Índias, para nele ser presente. (...) Paschoal de Azevedo a fez em Lisboa aos 2 de fevereiro de 1641. E eu o secretário Antonio de Barros Caminha a fiz escrever /Rei/."

 

[1]JOÃO IV, D. (1604-1656): também conhecido como “o restaurador”, por haver restaurado a independência nacional portuguesa, antes sob o domínio de um rei espanhol. D. João subiu ao trono por ocasião da revolução de 1640, que pôs fim à União Ibérica (1580-1640), e foi o fundador da dinastia de Bragança. Seu reinado foi marcado pela presença dos holandeses na América portuguesa (Bahia, Pernambuco, Paraíba, Maranhão), definitivamente expulsos em 1654; pela fundação da Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649), destinada à defesa do litoral e ao fomento da atividade mercantil na colônia; pelo restabelecimento do cargo de ouvidor-geral do Estado do Brasil (1643); pela promulgação de uma legislação em defesa da liberdade dos gentios (1647), entre outras medidas.

[2]ALVARÁ: proclamações do rei, articuladas geralmente em incisos, tendo, originariamente, natureza de lei de cunho geral, mas que passaram a ter caráter temporário, modificando as disposições constantes em decretos, regulamentações, normas administrativas, processuais e tributárias, dentre outras.

[3]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[4]GUINÉ-BISSAU: Possessão portuguesa desde 1479, sua ocupação se efetivou com a fundação da vila de Cacheu, em 1588, e o estabelecimento da capitania geral da Guiné portuguesa, em 1630. Em finais do século XVII edificou-se a fortaleza de Bissau, período em que os franceses começavam a afirmar a sua presença na região, e foi restabelecida a capitania de Bissau (1753). A região da Guiné foi uma das principais áreas de abastecimento de mão de obra escrava para as colônias ultramarinas. A designação Guiné acompanhou a expansão marítima portuguesa, englobando diversos pontos da costa ocidental, como Congo, Costa da Mina, Angola e Benguela, nomeando as primeiras conquistas da África.

[5]AMÉRICA: inicialmente chamada de Índias Ocidentais por se acreditar ter chegado à Índia, Cristóvão Colombo chegou ao continente em 1492, abrindo o Novo Mundo à conquista europeia. Enquanto os portugueses instalavam-se no litoral brasileiro, os espanhóis conquistavam o México e, de lá, a América Central, o Peru e o Chile. Quanto à América do Norte, coube aos ingleses e franceses o principal papel: os ingleses iniciaram a fundação das chamadas Treze Colônias, em 1620, e os franceses ocuparam regiões hoje pertencentes ao Canadá, no início do século XVII. A América Central, sobretudo a parte insular, ficou nas mãos de espanhóis, ingleses, franceses e holandeses. No entanto, a divisão territorial americana foi alvo constante de disputas e conflitos entre as metrópoles europeias. Com relação à América portuguesa, a preocupação lusa em proteger seus territórios no novo continente se deu de maneira contínua devido às seguidas ameaças de invasão durante o período colonial. A polêmica da demarcação de fronteiras na América teve início mesmo antes da chegada de Cabral em 1500, pois o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 entre Portugal e Espanha, já dividia entre os reinos ibéricos as terras “descobertas e por descobrir” no além-mar. O Tratado estabelecia a partilha das áreas de influência entre os dois reinos, cabendo a Portugal as terras situadas antes da linha imaginária que demarcava 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde, e a Castela as terras que ficassem além dessa linha. No entanto, a assinatura desse primeiro tratado não foi suficiente para estabelecer as fronteiras do vasto território recém-descoberto. Potências como França, Holanda e Inglaterra, passaram a questionar a exclusividade da partilha do mundo entre as nações ibéricas, o que resultou em pirataria, contrabando e invasões na costa do litoral brasileiro. Além disso, portugueses e espanhóis, ao longo do processo de colonização da América, violaram os limites fixados em 1498, gerando inúmeras disputas por territórios e a necessidade do estabelecimento de fronteiras entre as possessões lusas e castelhanas. A partir do século XVIII, os dois governos começam a trabalhar juntos na tentativa de estabelecer um novo tratado que findasse os conflitos de interesse territorial entre as duas nações. Assim, em 1750, foi assinado o Tratado de Madri legalizando o argumento da posse da terra – uti possidetis – e instaurando limites geográficos como rios e montes, ou a delimitação por zonas conhecidas por ambas as partes que não dessem lugar para futura confusão. As disputas envolvendo os Sete Povos das Missões e a colônia de Sacramento na região sul do Brasil, bem como aqueles relacionados ao domínio e exploração portuguesa na bacia do rio Amazonas, permearam o processo de ocupação dessas regiões. Os interesses expansionistas das monarquias ibéricas em meados do século XVIII dificultava sobremaneira o estabelecimento de fronteiras entre a América espanhola e portuguesa.

[6] CABO VERDE: província ultramarina portuguesa próxima à costa africana descoberta em 1460. O arquipélago tornou-se um ponto estratégico nas rotas marítimas, em função de sua posição geográfica que o colocava a meio caminho da América do Sul e da Europa. O arquipélago é composto por dez ilhas divididas em dois grupos: o grupo de barlavento [Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boavista] e o grupo de sota-vento [Maio, Santiago, Fogo e Brava]. A colonização iniciou-se logo após sua descoberta e Cabo Verde passou a monopolizar o tráfico de escravos da Guiné quatro anos depois. Através de uma carta régia de 1466, foi concedido aos habitantes de Cabo Verde o direito perpétuo de fazer o comércio e o tráfico de escravos, em todas as regiões da Costa da Guiné (do rio Senegal à Serra Leoa). Mercadores fixam-se na ilha de Santiago (primeira a ser povoada), dando início a uma próspera comunidade de comerciantes marítimos que, ao longo dos séculos, vão abastecer de mão de obra escrava o sul dos Estados Unidos, o Caribe e o Brasil. Com a proibição do tráfico negreiro, a economia do arquipélago entrou em decadência.

[7]COMÉRCIO: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie falhas e brechas no sistema. Tratado como um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a Coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Essa estrutura seria invertida com a chegada da Corte joanina e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, com efeito, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura, em 1810, do Tratado de Navegação e Comércio [ver Tratados de 1810], que estabeleceu uma série de medidas que dariam vantagens a este país sobre outras nações no comércio com o Brasil e Portugal.

[8]ALFÂNDEGAS: organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

[9]CASTELA: região localizada no centro da Península Ibérica. Incorporada ao Reino de Navarra, teve seu território ampliado com a anexação de Leão, das Astúrias e da Galícia, sendo definitivamente reunida ao Reino de Leão em 1230. O casamento de Isabel de Castela com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, em 1469, permitiu a união dos três reinos (Castela, Leão e Aragão) em 1479, facilitando a unidade da Espanha. Esta situação, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada (1492), favoreceu as campanhas marítimas da Espanha durante os grandes descobrimentos do século XV. Os súditos da Coroa espanhola são conhecidos como castelhanos, em alusão à região. Os castelhanos disputaram, ao longo do período colonial, as fronteiras da América com Portugal, o que resultou na assinatura de vários tratados entre as duas coroas, principalmente com relação aos limites territoriais na região do rio da Prata.

[10] CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[11]ESTADO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO: em 1612, a Coroa portuguesa criou o Estado do Maranhão, que englobava, então, além da capitania do Maranhão, a do Pará e Ceará, como uma instância facilitadora da administração colonial, já que a comunicação entre esse novo estado e o reino era mais fácil e rápida do que com o Estado do Brasil. Este dura até 1652, quando é desfeita e ressurge em 1654, sem o Ceará, com o nome de Estado do Maranhão e Pará e funcionando com sede em São Luís até 1737, depois mudando para Belém. Com o passar do tempo, evidenciou-se a supremacia da capitania do Pará em virtude de seu intenso comércio das drogas do sertão e da produção agrícola para exportação, o que faz com que o nome do estado mudasse novamente, em 1751, para Estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1772, as capitanias se desmembram definitivamente, passando a existir então a capitania do Pará e capitania subalterna de São José do Rio Negro, e capitania do Maranhão e subalterna do Piauí.

[12] GOVERNO-GERAL: criado em 1548 em substituição ao sistema de capitanias hereditárias, tinha como finalidade a centralização administrativa e a organização da colônia, bem como auxiliar e proteger todas as capitanias. O primeiro governador-geral foi Tomé de Souza (1549-1553). A cidade de Salvador foi escolhida como sede do governo-geral, por localizar-se em um ponto médio do litoral, o que facilitaria a comunicação com as demais regiões da colônia. Junto ao governador-geral, indicado pelo rei de Portugal, outros cargos foram criados: ouvidor-mor (assuntos judiciais), provedor-mor (questões financeiras), alcaide-mor (funções de organização, administração e defesa militar) e capitão-mor (questões jurídicas e de defesa). Em 1572, o rei de Portugal dividiu o governo-geral em dois centros: um ao norte, com sede na Bahia, e um ao sul, com sede no Rio de Janeiro, na tentativa de aumentar os lucros com o monopólio do açúcar. Essa divisão, entretanto, não surtiu os resultados esperados, tornando-se Salvador, novamente, o único centro administrativo do Brasil em 1578. A partir de 1720, os governadores receberam o título de vice-rei, persistindo o cargo até a vinda da família real para o Brasil em 1808, quando se encerrou esse sistema.

[13]PRAÇA CACHEO: praça é o lugar público em vilas ou cidades em que se faziam feiras, negócios, leilões, mercados e coisas relacionadas ao comércio. No caso, trata-se do lugar de comércio de Cacheo.

[14]CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

 

Sugestões de uso em sala de aula
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho” e no sub-tema: relações de trabalho
- No eixo temático sobre as “Relações de poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Ética”
- Ao trabalhar o tema transversal “Trabalho e consumo”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Expansão Marítima e Comercial
- A expansão sobre a África e os mecanismos de conquista.
- A montagem do sistema colonial.
- Escravidão, estados africanos e tráfico de escravos da África para a América

Conflitos

Sentença cível da Ouvidoria da Alfândega da Bahia e cartas de José Joaquim da Silva Freitas aos condes de Anadia e das Galveias. Os documentos se referem ao roubo da sumaca Lindeza e ao assassinato de seu capitão e da tripulação por negros da costa africana, no Cabo de Lopo Gonçalves. A embarcação transportava escravos e pertencia a José Ferreira Gomes, morador da ilha do Príncipe. A companhia de seguros da Bahia solicitou a devolução da embarcação mediante pagamento de uma quantia pela Ouvidoria da Alfândega. Através deste documento é possível perceber o caráter “conturbado” na relação entre os colonizadores do comércio e da navegação e as populações negras – sujeitas à prática da escravidão.

 

Conjunto documental: Avisos e ofícios da Ouvidoria da Alfândega da Bahia e cartas de José Joaquim da Silva Freitas aos condes de Anadia e das Galveias
Notação: IJJ¹ 731
Título do fundo ou coleção: Série Interior
Código do fundo: A6
Argumento de pesquisa: Ilha do Príncipe
Data do documento: 1810
Local: s.l.
Folha (s): pacotilha 4 doc. 95
 

"Senhor

Dizem os administradores da companhia do seguro denominada Conceito Público da cidade da Bahia, que tenho segurado a expedição, e viagem da sumaca[1] Lindeza, que se destinava para Cabinda[2] e mais portos da Costa d’África[3], na quantia de 17.441,763 réis principiou esta a sua viagem sem novidade alguma, porém chegando ao Cabo de Lopo Gonçalves e desembarcando aí o mestre, e proprietário dela com algumas pessoas da equipagem para dar começo a sua negociação sucedeu o serem logo atacados, e perfidamente assassinados, pelos negros daquele cabo, e cometido este assassínio, passaram os ditos negros a ultimarem o mesmo nos desgraçados que ficaram a bordo da dita sumaca, e feito este roubaram a sumaca, e passaram depois a vender a um português morador da Ilha do Príncipe[4] José Ferreira Gomes, que sabendo ter sido injustamente ocupada, e roubada a dita sumaca por aqueles negros, se resolveu a comprá-la aos mesmos roubadores, e consta querer fazê-la navegar como sua (...) e por que não tem o direito das gentes[5], como valiosa e subsistente nem aquela venda, por ser feita por rebeldes levantados de um cantão, com quem estava franco o comércio nas nossas embarcações, e a quem não era permitido roubar, e apoderar-se das embarcações, que a seus portos se dirigiam a fazer um comércio que não era vedado, e muito menos adquirem o domínio delas por um tal sic que nenhum direito justifica nas circunstâncias ponderáveis de não estarmos em guerra com eles, único caso, em que pelo direito dela se adquire o domínio das coisas tomadas sendo justa[6] aquela; num temor a seu respeito praticado como à Nação[7]. Fato que lhe oferece a verificação do direito da represália, outro caso em que poderia sustentar-se o senhorio e domínio da mesma, e nunca porém o cruel assassínio que praticaram, que nunca pode ser justificado no caso mesmo de aberta guerra (...). Para Antônio Alves da Silva Pinto 2º Procurador[8]. José Joaquim da Silva Freitas."

 

[1]SUMACA: de origem holandesa (smak), foi um tipo de embarcação bastante utilizada entre os séculos XVI e XVII na costa norte da Alemanha e nos Mares Bálticos. Seu desenho espalhou-se por outros países, adquirindo características específicas. Tinha uma vela e o fundo chato apropriado para pequenos portos e águas rasas. No Brasil, foi introduzida durante a ocupação neerlandesa em Pernambuco, utilizada na navegação de cabotagem no Nordeste. Após a expulsão dos holandeses, espalhou-se por todo litoral brasileiro, de norte a sul. Foi, da mesma forma, importante no comércio de escravos africanos no Atlântico sul.

[2]CABINDA: pequena porção de terra limitada ao norte pela República do Congo e ao sul e oeste pela República Democrática do Congo (antiga República do Zaire), compreende uma parcela do antigo reino do Luango e a quase totalidade dos velhos reinos do Ngoio e Cacongo. Portugueses, holandeses e ingleses estabeleceram postos de comércio, fábricas de extração de madeira e de óleo de palma nessa região. Após 1830, e especialmente nos anos de 1840, os esforços antiescravistas britânicos estimularam os negociantes a multiplicar os pontos de embarque, visando o contrabando de escravos para as plantações do Brasil e Cuba. Cabinda parece ter servido como o maior ponto de aterrissagem para mercadorias vindas do Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Depois de descarregar as mercadorias em Cabinda, os negociantes as direcionavam – por barco ou por terra – para a Ponta da Lenha, onde seriam utilizadas para adquirir escravos. Em praticamente todas as listagens de escravos vindos para o Rio de Janeiro, havia referências aos cabindas, grupo que parecia tão numeroso quanto o dos angolas ou congos. Por ocasião da Conferência de Berlim (1884-1885), quando simultaneamente nasceram o Congo Belga (ex-Zaire e atual República Democrática do Congo) e o Congo Francês (ex-Congo Brazzaville e atual República do Congo), a atribuição de Cabinda a Portugal foi internacionalmente confirmada, adotando-se a designação Congo português.

[3]ÁFRICA: os portugueses foram os primeiros navegadores a conquistar o litoral da África, adquirindo grande experiência marítima pelo Atlântico, o que ficou conhecido como périplo africano – circundar a costa do continente para chegar ao Oriente. Nos séculos XVI e XVII, multiplicaram-se as feitorias europeias ao longo do litoral: portugueses em Angola e Moçambique; ingleses, holandeses e franceses na Guiné, estando estes últimos também no Senegal. O estabelecimento de entrepostos criaria fortes laços comerciais entre pontos da costa africana, a América e a Europa, estimulados, sobretudo, pelo comércio da escravatura. A presença de portugueses na África transformaria a captura de escravos – a escravidão doméstica já existia no continente, mas em proporções menores e com características distintas – em uma atividade corriqueira e sistemática, formando uma rede do comércio que ligaria os portugueses na costa às rotas comerciais no interior da África e o Novo Mundo. Ao longo de três séculos, calcula-se que cerca de 10 milhões de africanos escravizados foram levados para as Américas. O tráfico atlântico de escravos africanos tornou-se força motriz de uma atividade econômica extremamente vantajosa, tanto para comerciantes lusos e luso-brasileiros, quanto para líderes africanos que passaram a controlar esse comércio. Se cativos eram importantes para a colonização da América portuguesa, os produtos coloniais como a mandioca, o tabaco e a cachaça, também despertavam interesse entre a população africana, garantindo um fluxo contínuo entre as duas margens do Atlântico. Em meados do século XIX, a África tornar-se-ia palco de disputas entre as principais nações europeias, na busca da exploração de suas riquezas e da conquista territorial, cerne do processo de expansão imperialista.

[4]SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: arquipélago situado no golfo da Guiné, na costa oeste da África, cuja capital é São Tomé. Abrange, além das duas ilhas que lhe dão o nome, alguns ilhéus adjacentes que foram descobertos pelos navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar em 1471. Dedicando-se inicialmente à cultura da cana-de-açúcar, cuja produção entrou em declínio com o crescimento da atividade açucareira no Brasil, o arquipélago tornou-se um importante entreposto de escravos no período colonial. Essa atividade somente foi encerrada em 1876, quando foi decretada a abolição da escravidão nas ilhas.

[5]DIREITO DAS GENTES: equivalente ao atual direito internacional, o direito das gentes regia as relações entre os Estados, as distintas sociedades políticas em formação, que demandavam prerrogativas e princípios aplicados à conduta e negócios entre nações e soberanos. A emergência dos Estados modernos a partir do século XV criou a necessidade de um direito interestatal, concebendo o Estado apenas como personalidade jurídica internacional. Direito que regia o tratado Direito das Gentes de Emer de Vattel, publicado no século XVIII, reflete a realidade das relações políticas internas e internacionais da época em que foi escrito e produzia regras que limitavam a liberdade plena de ação de Estados ciosos de sua soberania, desenvolvendo o princípio diplomático de equilíbrio entre as nações. Este código estava relacionado à ideia de reparação, sendo antes de caráter compensatório do que punitivo.

[6]GUERRA JUSTA: conceito amplamente utilizado na Idade Moderna, referia-se ao embate entre os povos que professavam a fé católica contra aqueles que não a seguiam, considerando-se, assim, a guerra contra os infiéis como indubitavelmente justa, remontando à época das lutas contra os mouros, presentes na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. No Brasil, quando a luta contra os indígenas serviu para criar ou assegurar condições de vida aos ocupantes brancos, não se pôs em dúvida se a guerra contra os índios era justa. A legislação colonial produziu muitos dispositivos que justificavam a prática da guerra justa, mesmo quando pretendiam proteger os índios de abusos e cativeiros ilícitos. A lei de 20 de março de 1570 do rei d. Sebastião ou a lei de 10 de setembro de 1611 proclamavam, em comum, a liberdade dos índios, permitindo, no entanto, o seu cativeiro em caso de guerra justa, determinada pelo governador-geral, ou ainda o seu resgate em determinadas situações. A guerra justa mostrou-se, pois, como justificativa para escravização dos indígenas, valendo-se dos argumentos da salvação das almas e da condenação da antropofagia que, embora não fossem juridicamente reconhecidos, serviam de reforço à sua ideia principal. No contexto da empresa colonial lusitana, lançou-se mão da guerra justa diante da recusa à conversão à religião católica, das ações hostis contra os portugueses e da quebra de pactos celebrados. Esse objetivo fica claro em um trecho de Apontamento de coisas do Brasil (1558) em que o padre Manuel da Nóbrega escreve: “Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa, e terão serviço e vassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra, porque haverá muitas criações e muitos engenhos já que não haja muito ouro e prata.” Assim, como sublinhou Pedro Puntoni, “o debate sobre a guerra justa não pode ser tomado como uma luta pela justiça (...) mas antes de mais nada como uma busca de legitimação”. (A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. S: Hucitec, 2002.)

[7]NAÇÃO: a ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses político econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

[8]PROCURADOR: na esfera pública, como funcionários do Estado, os procuradores atuaram em cargos providos pelo rei, como o procurador dos feitos da Coroa, por exemplo, cargo criado em 1548, e tendo por finalidade representar a Coroa nos assuntos relativos à Fazenda. Também foram providos em cargos como o procurador dos índios para dispor sobre a validade do cativeiro indígena, ou representaram instâncias como as Câmaras municipais, representando as oligarquias locais do Brasil ou de Goa por exemplo, junto às Cortes. Ainda no âmbito privado encontra-se a figura do procurador em contratos de arrematação de negociantes, que da colônia disputavam os contratos na metrópole por meio de procuradores, como nos casos da cobrança de tributos, adquirindo ainda participação nas sociedades (Luiz Antônio Silva Araújo, Contratos na América portuguesa (1707-1750) Disponível em https://www.academia.edu/download/56270738/Artigo_Encontro_Aracaju.pdf).

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”
- Ao abordar o eixo temático sobre as “Relações de Poder” e no sub-tema: “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”
- Ao abordar o tema transversal “Pluralidade Cultural”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A manutenção do sistema colonial
- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas
- A crise do sistema colonial: seus fatores internos

Casamentos

O documento é uma resposta à súplica de um morador da Ilha Faial (arquipélago dos Açores) para casar-se. Revela um pouco das práticas e costumes da época com relação a instituição do matrimônio, como a possibilidade de reparação, para as “noivas enganadas”, em caso de impedimento do noivo. Casar era não apenas um “contrato oficial carnal de fidelidade entre os noivos”, mas um verdadeiro processo de controle e domínio sobre os indivíduos nas possessões coloniais.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 680, pacote 1A
Datas-limite: 1806-1811
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Ilha do Faial
Data do documento: 25 de Agosto de 1809
Local: Angra
Folha (s): 302 e 302 v

 

“Remetida ao Reverendo Doutor nosso provisor para admitir o suplicante à caução[1] que oferece, para cujo tempo concedemos o tempo de um ano, findo o qual aparecendo alguma donzela, que segundo a Lei tenha direito contra o suplicante lhe será aplicada a quantia depositada para seu dote[2], e reparação[3], e não se mostrando o suplicante desimpedido, ou não apresentando dentro do mesmo ano certidão de Banhos[4], em forma do Patriarcado[5] de Lisboa, do Arcebispado[6] de Évora, da sua pátria, e do Bispado[7] de Coimbra se aplicará a sobredita quantia em esmolas[8], e obras pias[9] a nosso arbítrio: se porém aparecerem correntes os sobreditos papéis dentro do referido improrrogável se entregará a caução depositada ao suplicante na forma do Direito. Enquanto aos Banhos do Faial, devem o suplicante e o suplicado proclamar-se na forma do estilo nas igrejas da Vila da Horta: o que tudo assim cumprido subam os papéis a nossa presença para deferirmos a presente súplica, como se requer, visto que agora tem licença régia para se casar, sem a qual não devíamos consentir neste matrimônio[10]. Angra, vinte e cinco de agosto de mil oitocentos e nove.  Bispo.”

Redigida por João Nepomaceno de Assis, tabelião público[11]."

 

[1]CAUÇÃO: Fiança em dinheiro.

[2]DOTE: prática adotada na colônia desde o início da ocupação e povoamento do território. De acordo com o direito português vigente nos primórdios da colonização, expresso nas Ordenações Manuelinas e Filipinas, o dote tinha dois significados principais para a sociedade, dependendo do ponto de vista dos envolvidos na transação: para os doadores, representava os bens que os pais davam às filhas e às mulheres da família, quando se casavam ou eram recolhidas a um convento, para servir como contribuição para sua manutenção no futuro, considerado uma antecipação da herança a que tinha direito; por outro lado, para os recebedores, eram os bens, no caso do casamento, que as mulheres traziam e podiam ou não, unir aos dos maridos nos contratos de matrimônio. Um tipo de contrato, chamado de “carta a metade”, a comunhão de bens, previa que os bens passavam a ser do casal e deveriam ser divididos entre os herdeiros igualmente, em caso de falecimento de um dos cônjuges. No outro regime dotal, chamado então de “contrato de dote e arras”, semelhante ao regime de separação de bens, a mulher, em caso de viuvez ou separação, mantinha os bens do dote que recebeu para se casar e, quando houvesse, das “arras”, uma espécie de garantia em forma de bens ou dinheiro de que os valores seriam retornados. Esse sistema não era muito frequente no Brasil, mas protegia o dote, este inalienável, que ficava sob a administração do marido, que era obrigado a mantê-lo sem prejuízo. Na sociedade colonial, o dote era considerado um dever, uma obrigação moral dos pais com as filhas, embora não fosse uma obrigação legal, como também era seu dever prover e sustentar os filhos homens. Portanto, os valores dos dotes variavam muito de acordo com os recursos dos pais e os costumes de cada família e região, e podiam ser compostos de valores em moeda, mas eram mais frequentes os bens imóveis como terras e casas, joias e, até mesmo, escravos. Eram certamente determinantes para que as mulheres conseguissem se casar, e influenciavam na escolha do noivo e da família deste. Por vezes, a candidata a noiva não tinha como dote apenas seus bens, ou mesmo não os tinha; a condição social que ela trazia para o casamento poderia ser considerada um dote, já que distinção e nobreza faziam muita diferença em uma sociedade hierarquizada como a colonial, tanto que, por vezes, casamentos desvantajosos em termos de dote eram acertados em virtude da família da noiva e de seu nascimento nobre. A prática destes “casamentos desiguais” não era bem-vista, mas tolerada pela sociedade, já que aconteciam, sobretudo, em locais onde a nobreza estivesse empobrecida. O costume de dotar as filhas avançou até meados do século XIX, embora mais enfraquecido, e foi perdendo lugar e importância, principalmente nas cidades e províncias maiores, à medida que crescia a ideia do casamento afetivo, da individualidade e da diminuição da rigidez da sociedade patriarcal.

[3]REPARAÇÃO: trata-se de uma compensação pecuniária às “noivas enganadas” em caso de impedimento do noivo. É uma restituição legal dos bens dados no dote, acrescido de um valor estipulado por um juiz competente. Estavam previstas, também, penas e indenizações aos sedutores ou raptores, punidos, se não com o casamento, pelo menos por uma reparação pecuniária paga pelo sedutor, que, caso não tivesse bens, seria degredado para a África e açoitado.

[4] CERTIDÃO DE BANHOS: escritura feita por um sacerdote, também conhecida como banhos ou proclamas, que consistia na primeira exigência para o matrimônio. Os banhos eram afixados nas portas das igrejas para que as pessoas pudessem testemunhar sobre o casal, certificando haver ou não sobre os noivos impedimentos de ordem legal e/ou moral para a realização do casamento. A mobilidade geográfica do mundo português, a partir do século XVI, criou a necessidade de um maior número de comprovações, na tentativa de impedir os frequentes casos de bigamia e a ocorrência de uma série de outras infrações. Nas Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia declara-se a necessidade de dar notícia não apenas por meio de texto escrito, mas da leitura pública, dos impedimentos ao matrimônio.

[5]PATRIARCADO: jurisdição ou distrito do patriarca, ou seja, o território por ele governado. O termo patriarca, significa “o pai e legislador de uma família ou tribo”, para a Igreja Católica, seriam os mais altos bispos de sua hierarquia.

[6]ARCEBISPADO: também chamado arquidiocese, trata-se de uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, cuja autoridade máxima é exercida por um arcebispo. Na Igreja Católica também pode ser designado por Metrópoles Eclesiásticas, com outros bispados sufragâneos. Um arcebispado pode abranger vastos territórios, a exemplo do arcebispado de Goa que se estendeu desde o Cabo da Boa Esperança até a China.

[7]DIOCESE: território sob a jurisdição de um bispo, arcebispo ou patriarca. A criação das dioceses constituía uma prerrogativa da Coroa. No Brasil colonial, a primeira diocese instituída foi a de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, em 1551, sendo seguida pelas de Olinda, Rio de Janeiro e Maranhão, no século XVII, e as Mariana e São Paulo, em 1745. Na primeira metade do século XIX, foram criadas as dioceses de Cuiabá e Goiás.

[8]ESMOLAS: o recebimento de esmolas era uma prática comum nas ruas das principais cidades católicas e estava submetido à licença da autoridade pública. Todas as irmandades e confrarias, incluindo a da Misericórdia, dependiam das esmolas para se manterem e tinham seus próprios esmoleres, ou seja, aqueles que doam esmolas, inclusive a Coroa sendo uma das principais doadoras. A caridade era uma instituição fundamental para a Igreja Católica e para a assistência pública, então todas as famílias que tinham posses, mesmo as que tinham poucas, doavam esmolas para ajudar os mais necessitados dignos de auxílio, geralmente, mulheres, em especial donzelas pobres e viúvas, os doentes, órfãos e párias da sociedade. Esses precisavam receber uma licença para esmolar, para si e para as instituições que os ajudavam, assim como presos também esmolavam para as irmandades.

[9]OBRAS PIAS: as Ordenações Filipinas definiam obras pias no Livro I, título LXII: 41, visando o controle do uso dos rendimentos da instituição de capela com esse fim. Desse modo estabelece-se que obras pias são “as Missas, Aniversários, Responsos, Confissões, ornamentos e coisas que servem para o culto Divino. E bem assim curar enfermos, camas para eles, vestir, ou alimentar pobres, remir cativos, criar enjeitados, agasalhar caminhantes pobres, e quaisquer obras de misericórdia semelhantes a estas”, devendo-se entender o termo “aniversários” como a celebração anual dos defuntos. (Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p125.htm)

[10]CASAMENTO: a regulamentação eclesiástica do casamento deu-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563) e consistia em um contrato de fidelidade carnal entre um homem e uma mulher para fins de procriação. Durante o período colonial cabia estritamente à Igreja a celebração do matrimônio. A partir do século XIX, a relação entre Estado e Igreja tornara-se alvo de críticas e atividades que, anteriormente, eram exercidas pela Igreja, como a administração de hospitais, cemitérios, orfanatos, escolas, passaram a ser reivindicadas pelo Estado, assim como o casamento. Assim, a cerimônia passaria a ser feita por escritura pública, lavrada por um tabelião e assinada por testemunhas. Isto indica que a troca de votos verbais, perante uma autoridade eclesiástica, já se tornara insuficiente, sendo necessário um documento legal para o controle ou a garantia das responsabilidades estabelecidas no contrato nupcial. Este acordo constituía uma das formas de alianças, frequentemente motivadas por interesses políticos e econômicos.

[11]TABELIÃO PÚBLICO: durante o sistema de capitanias hereditárias, foi concedido aos donatários o direito da criação de vilas e de ofícios de justiça, responsáveis pela aplicação da lei em toda capitania. Com a criação dos ofícios, estabeleceu-se a figura do tabelião – funcionário público responsável pela elaboração de escrituras e instrumentos necessários para a autenticidade legal dos atos administrativos e judiciais, conservando ainda os traslados destes em notas. Institucionalizou-se os cargos de tabelião do judicial – atuava nas cidades sob jurisdição do juiz de Fora, entregando a este as querelas e inquirições já realizadas; registrava todos os autos; colhia a assinatura do juiz nas sentenças definitivas proferidas verbalmente em audiência; procedia a quaisquer autos, inquirições ou devassas, quando por ordem judicial etc. – e do tabelião das notas – responsável pelo registro de todas as notas dos contratos firmados, em livro próprio, bem como pela guarda deste livro e pela elaboração de todos os testamentos, inventários e instrumentos de posse das terras.

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”
- Ao abordar o eixo temático sobre as “Relações de Poder”
- Ao abordar o tema transversal “Pluralidade Cultural”
- Ao abordar o tema transversal “Orientação Sexual” (ao comentar a questão cultural: como se constituíam as relações amorosas/como são hoje)

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Sociedade colonial: práticas e costumes
- Formação do Mundo Moderno: A contra-reforma 

Produtos e comércio

Memória ou descrição físico-política das ilhas de Cabo Verde, escrita pelo governador-geral do arquipélago Antônio Pusich.O documento permite-nos conhecer, através das criações e plantações realizadas na região, os hábitos alimentares da época, parte da história do cotidiano dos habitantes das colônias.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 644
Datas-limite: 1783-1829
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Ilha do Fogo 
Data do documento: 1810
Local: Lisboa
Folha (s): pacotilha 1, doc. 3

"Senhor

Dizem os administradores da companhia do seguro denominada Conceito Público da cidade da Bahia, que tenho segurado a expedição, e viagem da sumaca[1] Lindeza, que se destinava para Cabinda[2] e mais portos da Costa d’África[3], na quantia de 17.441,763 réis principiou esta a sua viagem sem novidade alguma, porém chegando ao Cabo de Lopo Gonçalves e desembarcando aí o mestre, e proprietário dela com algumas pessoas da equipagem para dar começo a sua negociação sucedeu o serem logo atacados, e perfidamente assassinados, pelos negros daquele cabo, e cometido este assassínio, passaram os ditos negros a ultimarem o mesmo nos desgraçados que ficaram a bordo da dita sumaca, e feito este roubaram a sumaca, e passaram depois a vender a um português morador da Ilha do Príncipe[4] José Ferreira Gomes, que sabendo ter sido injustamente ocupada, e roubada a dita sumaca por aqueles negros, se resolveu a comprá-la aos mesmos roubadores, e consta querer fazê-la navegar como sua (...) e por que não tem o direito das gentes[5], como valiosa e subsistente nem aquela venda, por ser feita por rebeldes  levantados de um cantão, com quem estava franco o comércio nas nossas embarcações, e a quem não era permitido roubar, e apoderar-se das embarcações, que a seus portos se dirigiam a fazer um comércio que não era vedado, e muito menos adquirem o domínio delas por um tal sic que nenhum direito justifica nas circunstâncias ponderáveis de não estarmos em guerra com eles, único caso, em que pelo direito dela se adquire o domínio das coisas tomadas sendo justa[6] aquela; num temor a seu respeito praticado como à Nação[7]. Fato que lhe oferece a verificação do direito da represália, outro caso em que poderia sustentar-se o senhorio e domínio da mesma, e nunca porém o cruel assassínio que praticaram, que nunca pode ser justificado no caso mesmo de aberta guerra[8] (...). Para Antônio Alves da Silva Pinto 2º Procurador[9]. José Joaquim da Silva Freitas."

[1]SUMACA: De origem holandesa (smak), foi um tipo de embarcação bastante utilizada entre os séculos XVI e XVII na costa norte da Alemanha e nos Mares Bálticos. Seu desenho espalhou-se por outros países, adquirindo características específicas. Tinha uma vela e o fundo chato apropriado para pequenos portos e águas rasas. No Brasil, foi introduzida durante a ocupação neerlandesa em Pernambuco, utilizada na navegação de cabotagem no Nordeste. Após a expulsão dos holandeses, espalhou-se por todo litoral brasileiro, de norte a sul. Foi, da mesma forma, importante no comércio de escravos africanos no Atlântico sul.

[2]CABINDA: Pequena porção de terra limitada ao norte pela República do Congo e ao sul e oeste pela República Democrática do Congo (antiga República do Zaire), compreende uma parcela do antigo reino do Luango e a quase totalidade dos velhos reinos do Ngoio e Cacongo. Portugueses, holandeses e ingleses estabeleceram postos de comércio, fábricas de extração de madeira e de óleo de palma nessa região. Após 1830, e especialmente nos anos de 1840, os esforços antiescravistas britânicos estimularam os negociantes a multiplicar os pontos de embarque, visando o contrabando de escravos para as plantações do Brasil e Cuba. Cabinda parece ter servido como o maior ponto de aterrissagem para mercadorias vindas do Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Depois de descarregar as mercadorias em Cabinda, os negociantes as direcionavam – por barco ou por terra – para a Ponta da Lenha, onde seriam utilizadas para adquirir escravos. Em praticamente todas as listagens de escravos vindos para o Rio de Janeiro, havia referências aos cabindas, grupo que parecia tão numeroso quanto o dos angolas ou congos. Por ocasião da Conferência de Berlim (1884-1885), quando simultaneamente nasceram o Congo Belga (ex-Zaire e atual República Democrática do Congo) e o Congo Francês (ex-Congo Brazzaville e atual República do Congo), a atribuição de Cabinda a Portugal foi internacionalmente confirmada, adotando-se a designação Congo português.

[3]ÁFRICA: Os portugueses foram os primeiros navegadores a conquistar o litoral da África, adquirindo grande experiência marítima pelo Atlântico, o que ficou conhecido como périplo africano – circundar a costa do continente para chegar ao Oriente. Nos séculos XVI e XVII, multiplicaram-se as feitorias europeias ao longo do litoral: portugueses em Angola e Moçambique; ingleses, holandeses e franceses na Guiné, estando estes últimos também no Senegal. O estabelecimento de entrepostos criaria fortes laços comerciais entre pontos da costa africana, a América e a Europa, estimulados, sobretudo, pelo comércio da escravatura. A presença de portugueses na África transformaria a captura de escravos – a escravidão doméstica já existia no continente, mas em proporções menores e com características distintas – em uma atividade corriqueira e sistemática, formando uma rede do comércio que ligaria os portugueses na costa às rotas comerciais no interior da África e o Novo Mundo. Ao longo de três séculos, calcula-se que cerca de 10 milhões de africanos escravizados foram levados para as Américas. O tráfico atlântico de escravos africanos tornou-se força motriz de uma atividade econômica extremamente vantajosa, tanto para comerciantes lusos e luso-brasileiros, quanto para líderes africanos que passaram a controlar esse comércio. Se cativos eram importantes para a colonização da América portuguesa, os produtos coloniais como a mandioca, o tabaco e a cachaça, também despertavam interesse entre a população africana, garantindo um fluxo contínuo entre as duas margens do Atlântico. Em meados do século XIX, a África tornar-se-ia palco de disputas entre as principais nações europeias, na busca da exploração de suas riquezas e da conquista territorial, cerne do processo de expansão imperialista.

[4]SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: Arquipélago situado no golfo da Guiné, na costa oeste da África, cuja capital é São Tomé. Abrange, além das duas ilhas que lhe dão o nome, alguns ilhéus adjacentes que foram descobertos pelos navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar em 1471. Dedicando-se inicialmente à cultura da cana-de-açúcar, cuja produção entrou em declínio com o crescimento da atividade açucareira no Brasil, o arquipélago tornou-se um importante entreposto de escravos no período colonial. Essa atividade somente foi encerrada em 1876, quando foi decretada a abolição da escravidão nas ilhas.

[5]DIREITO DAS GENTES: Equivalente ao atual direito internacional, o direito das gentes regia as relações entre os Estados, as distintas sociedades políticas em formação, que demandavam prerrogativas e princípios aplicados à conduta e negócios entre nações e soberanos. A emergência dos Estados modernos a partir do século XV criou a necessidade de um direito interestatal, concebendo o Estado apenas como personalidade jurídica internacional. Direito que regia o tratado Direito das Gentes de Emer de Vattel, publicado no século XVIII, reflete a realidade das relações políticas internas e internacionais da época em que foi escrito e produzia regras que limitavam a liberdade plena de ação de Estados ciosos de sua soberania, desenvolvendo o princípio diplomático de equilíbrio entre as nações. Este código estava relacionado à ideia de reparação, sendo antes de caráter compensatório do que punitivo.

[6]GUERRA JUSTA: Conceito amplamente utilizado na Idade Moderna, referia-se ao embate entre os povos que professavam a fé católica contra aqueles que não a seguiam, considerando-se, assim, a guerra contra os infiéis como indubitavelmente justa, remontando à época das lutas contra os mouros, presentes na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. No Brasil, quando a luta contra os indígenas serviu para criar ou assegurar condições de vida aos ocupantes brancos, não se pôs em dúvida se a guerra contra os índios era justa. A legislação colonial produziu muitos dispositivos que justificavam a prática da guerra justa, mesmo quando pretendiam proteger os índios de abusos e cativeiros ilícitos. A lei de 20 de março de 1570 do rei d. Sebastião ou a lei de 10 de setembro de 1611 proclamavam, em comum, a liberdade dos índios, permitindo, no entanto, o seu cativeiro em caso de guerra justa, determinada pelo governador-geral, ou ainda o seu resgate em determinadas situações. A guerra justa mostrou-se, pois, como justificativa para escravização dos indígenas, valendo-se dos argumentos da salvação das almas e da condenação da antropofagia que, embora não fossem juridicamente reconhecidos, serviam de reforço à sua ideia principal. No contexto da empresa colonial lusitana, lançou-se mão da guerra justa diante da recusa à conversão à religião católica, das ações hostis contra os portugueses e da quebra de pactos celebrados. Esse objetivo fica claro em um trecho de Apontamento de coisas do Brasil (1558) em que o padre Manuel da Nóbrega escreve: “Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa, e terão serviço e vassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra, porque haverá muitas criações e muitos engenhos já que não haja muito ouro e prata.” Assim, como sublinhou Pedro Puntoni, “o debate sobre a guerra justa não pode ser tomado como uma luta pela justiça (...) mas antes de mais nada como uma busca de legitimação”. (A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. S: Hucitec, 2002.)

[7]NAÇÃO: A ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses políticos e econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

[8] Ver GUERRA JUSTA.

[9]PROCURADOR: Na esfera pública, como funcionários do Estado, os procuradores atuaram em cargos providos pelo rei, como o procurador dos feitos da Coroa, por exemplo, cargo criado em 1548, e tendo por finalidade representar a Coroa nos assuntos relativos à Fazenda. Também foram providos em cargos como o procurador dos índios para dispor sobre a validade do cativeiro indígena, ou representaram instâncias como as Câmaras municipais, representando as oligarquias locais do Brasil ou de Goa por exemplo, junto às Cortes. Ainda no âmbito privado encontra-se a figura do procurador em contratos de arrematação de negociantes, que da colônia disputavam os contratos na metrópole por meio de procuradores, como nos casos da cobrança de tributos, adquirindo ainda participação nas sociedades (Luiz Antônio Silva Araújo, Contratos na América portuguesa (1707-1750) Disponível em https://www.academia.edu/download/56270738/Artigo_Encontro_Aracaju.pdf).

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre as “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”
- Ao abordar o eixo temático sobre as “Relações de Poder” e no sub-tema: “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”
- Ao abordar o tema transversal “Pluralidade Cultural”


Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A manutenção do sistema colonial
- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas 
- A crise do sistema colonial: seus fatores internos

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