Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página
Jardins Botânicos

Comentário

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 17h21 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 19h46

Cláudia Beatriz Heynemann
Pesquisadora do Arquivo Nacional
Doutora em História Social - UFRJ

Um jardim botânico, ainda mais que um herbário, “é um lugar de enganosa simplicidade: um espaço que encerra o tranqüilo zumbido da vida e desprende um discreto encanto”. As palavras de Jean-Marc Drouin referem-se a um mistério subjacente ao arranjo do jardim, que está na reunião de plantas de lugares totalmente distintos, mesmo de outros continentes e que jamais teriam entrado em contato, agora relacionadas pelo sistema de classificação em famílias.

O primeiro jardim botânico formalmente constituído foi o de Pisa, em 1543, seguido pelo de Pádua, em 1545 e de Florença, em 1550. Inicialmente eram sobretudo jardins de plantas medicinais, como o Jardim Real de Plantas Medicinais, fundado em 1635 sob Luís XIII, tendo como único propósito o ensino complementar à faculdade de medicina, ou seja, ensinando a botânica e a química farmacêutica e, mais tarde, a anatomia comparada. Coincide em seu tempo com o movimento que leva à criação do Jardim Botânico de Oxford, em 1621 e do Apothecaries’s Garden em 1673 na Inglaterra. No mundo ibérico, o século dos jardins botânicos é o XVIII, em que se destaca a criação do Real Jardim Botânico de Madri, Espanha, em 1755 e do Jardim Botânico da Ajuda, Portugal, em 1769, projetado por Domenico Vandelli, primeiro jardim botânico de Portugal a ter como objetivo o estudo e coleção de espécies vegetais de modo extensivo, organizadas de acordo com o sistema de classificação de Lineu. A ordem obedecida pelos jardins botânicos do setecentos diferia daqueles ‘jardins da inteligência’ seiscentistas, aproximando-se, em sua origem, aos jardins experimentais, indutivos, voltados para uma dada concepção de empiria, relacionados também às práticas herboristas do Renascimento.

A experiência do domínio holandês, durante o qual, “um jardim botânico e outro zoológico surgiram dentre os mangues; apareceram Piso e Marcgraf – os primeiros olhos de cientistas a estudarem sistematicamente os indígenas, as árvores, os bichos do Brasil”, foi consagrada na obra de Gilberto Freire e em tantos capítulos da historiografia, além dos homens do setecentos que iriam se ressentir da primazia holandesa. Por outro lado, se o cultivo dos jardins não foi estranho aos jesuítas, foi também na segunda metade do século XVIII e no início do XIX, em compasso com o programa reformista, que os jardins botânicos se constituíram como projetos na colônia. Vocacionados, sobretudo, para atender às demandas metropolitanas de remessas de produtos para os seus congêneres em Portugal, os hortos e jardins botânicos na colônia conheceram poucas ocorrências até o final do século, contrastando com o intenso movimento em torno das ‘produções da história natural’. Ainda assim, em 1772, com a criação da Academia Científica pelo marquês do Lavradio, existiu, por um curto espaço de tempo, um horto botânico no Rio de Janeiro, localizado junto à cerca do Hospital Militar.

A aclimatação de plantas cumpria muitas expectativas, entre elas, a de uma abundância de gêneros para a Europa. Na colônia americana, perseverava-se nesse procedimento, transladando-as entre capitanias; o Pará ocuparia um lugar de destaque, pelas características locais e as espécies que abrigava, pioneiro na instalação de um jardim botânico na colônia e de onde deveriam vir, com freqüência, inúmeras mudas, árvores e sementes para que fossem disseminadas também em outras colônias portuguesas. No jardim botânico de Belém, desenvolviam-se experiências com árvores variadas. As expectativas incidiam sobre os alimentos, “carne em pó e a geléia para suprirem as tabletas de caldo” mas concentravam-se nos medicamentos, em uma planta análoga à quina e própria para a cura da hidropisia, cujas árvores deveriam ser remetidas, “para se mandarem fazer as convenientes experiências nos hospitais e se avaliar a utilidade de que podem ser à humanidade”.

No início do século XIX a atenção se volta também para o projeto de criação do jardim botânico da Bahia, localizado em Salvador que, no entanto, não chegaria a se concretizar naquele período, a despeito dos esforços para aquisição do terreno e da indicação do médico Inácio Bittencourt para administrá-lo. Em 1809 a tomada de Caiena ensejou a transferência de plantas do jardim denominado Habitation Royale des Épiceries, conhecido como “La Gabriele”, para o Pará e posteriormente para o Rio de Janeiro. Em 1811, o funcionamento do jardim de plantas de Olinda e sobretudo a criação em 1808 do Real Jardim do Rio de Janeiro como iniciativa da administração joanina no Brasil vêm marcar, no modo mesmo como se constituem, a convivência entre o padrão colonial e a presença da Corte na América.

Fim do conteúdo da página