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Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 18h33 | Última atualização em Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 18h35

Viagem para a Costa da Mina

Alvará de permissão para seguir viagem para a Costa da Mina, requerido por Manuel Gomes Varela, mestre da galera Jesus Maria José e Nossa Senhora da Graça, de propriedade de Bento de Araújo Dantas, a fim de embarcar escravos da Costa da Mina e da Guiné para o Recôncavo. Recebeu estrita recomendação de não transportar tabaco, a menos que seja de terceira e ínfima qualidade sob inspeção do desembargador superintendente do tabaco, além da expressa proibição do transporte de pólvora, munições e pau-brasil sob pena de responder às punições expressas pelo não cumprimento do contrato.


Conjunto documental: Registro das provisões e alvarás
Notação: códice 141, vol. 02
Data-limite: 1718-1718
Título do fundo ou coleção: Alfândega da Bahia
Código de fundo: 03
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 17 de agosto de 1723
Local: BahiaFolha(s): 165 e 165v

Leia esse documento na íntegra

Vasco Fernandes César de Menezes[1] do Conselho de Sua Majestade que Deus guarde, alferes mor[2] do reino alcaide mor[3] da vila de Alenquer[4], comendador da ordem de cristo[5] sic, e das comendas de São Pedro de Lomar, São João do Rio Frio, vice rei e capitão general do mar e terra, do Estado do Brasil[6]  etc. Faço saber aos que este alvará[7] virem que tendo respeito a Manoel Gomes Varela mestre da galera[8] Jesus Maria José, e Nossa Senhora da Graça de que é senhorio o capitão de mar e guerra Bento de Araújo Dantas, me representar a tinha preparada para seguir viagem para a Costa da Mina[9], por ser uma das embarcações do número daquela navegação, o que não se podia fazer sem licença minha, pedindo-me lha concedesse e visto seu requerimento e o que a teria dele informou o desembargador Superintendente do Tabaco[10], ser estilo praticado conceder-se a tal licença e haver Sua Majestade que Deus guarde permitido a seus vassalos[11], poderem navegar aos reinos de Guiné[12] para deles trazerem escravos aos portos do Brasil: atendendo eu ao serviço que o dito mestre faz ao mesmo senhor emos ir buscar a aquela Costa, e trazê-los em direitura ao porto desta cidade, pela grande falta que fazem aos muitos engenhos e fazendas de canas que no seu recôncavo tem acrescido. Hei por bem de lhe conceder, como pelo presente concedo, licença para carregar a dita galera para a Costa da Mina: com declaração que não embarcará nela armas pólvora, balas, nem outro gênero de munições, e bem assim pau-brasil[13]: sob pena de ser castigado com as declaradas nas condições do contrato dele, e o será também com as expressadas, no Bando[14] que mandei publicar se levar ouro em pó, barra, moeda ou em obra feita deste metal, e assim também moeda, barreta, e pinhas, de prata, por que por ele tenho proibido eu e dado toda a casta e qualidade de ouro, e prata, nem poderá levar nenhum soldado desta praça, nem outra pessoa de qualquer qualidade, foro, condição que seja ia sem expressa licença minha, a qual me pedirá para sair deste porto, e se lhe darem os despachos que é estilo na Alfândega[15] desta cidade, e o provedor[16] dela lhe mandará tomar a fiança que julgar bastante pela arqueação[17] que na dita galera se tiver feito, e será obrigado o dito mestre apresentar certidão do escrivão da Fazenda Real[18] deste Estado, de como tem assinado termo de não levar tabaco, senão de terceira, e ínfima qualidade, examinado em presença do desembargador superintendente dele a cujo cargo está esta diligência; e outra da mestrança da Ribeira[19], porque conste estar a dita galera capaz de seguir viagem. Para firmeza do que mandei passar o presente sob meu sinal e selo de minhas armas, o qual se registrará nos livros da Secretaria do Estado, e nos mais a que tocar; e se guardará e cumprirá, tão pontual e inteiramente como nele se contém sem dúvida, nem contradição alguma, Francisco Lopes Giam, o fez nesta cidade de Salvador Bahia de todos os Santos, em os dezessete dias do mês de agosto. Ano de mil setecentos vinte e três. Pagou deste 1600 réis na forma do estilo. Gonçalo Ravasco o fez escrever. Alvará por que Vossa Excelência teve por bem conceder a Manoel Gomes Varela mestre da galera Jesus Maria José e Nossa Senhora da Graça, de que é senhorio o capitão de mar e guerra Bento de Araújo Dantas, licença para a carregar para a Costa da Mina, por ser uma das embarcações do número, com as cláusulas, e pelos respeitos acima declarados, para Vossa Excelência ver. Vasco Fernandes César de Menezes. Selo registrado no livro quarto dos registros da Secretaria do Estado do Brasil a que toca a folha 208. Bahia agosto 18 de 1723. Ravasco. Cumpra-se e registre-se. Bahia 20 de agosto de 1723. Gama. Cumpra-se e registre-se. Bahia 21 de agosto de 1723. Estrela. Cumpra-se e registre-se. Bahia 21 de agosto de 1723. Almeida. Registrado no livro 15 dos registros da Fazenda Real do estado sic do Brasil a que toca a folha 19. Pagou 640 réis. Bahia 28 de fevereiro de 1724. Oliveira. Registrado no livro 2° dos registros do despacho da Costa da Mina da arrecadação do Tabaco a que tocar a folha 1568. Bahia 6 de março de 1724. Souza. O qual alvará eu Manoel Lobo de Souza escrivão da Alfândega fiz registrar, conferi, e por estar conforme, o assinei. Bahia 21 de março de 1724. Manoel Lobo de Souza.

 [1] MENESES, VASCO FERNANDO CÉSAR DE (1673-1741): agraciado com o título de conde de Sabugosa após ter ocupado o cargo de vice-rei do Brasil entre 1721 e 1735, era militar de carreira, filho de Luís César de Menezes e sobrinho de d. João de Lencastre, que também haviam governado o Brasil. À frente do governo da Índia (1712-1717) assegurou o domínio português do território e reorganizou a Junta Comercial com os mercadores de Diu. A segunda experiência, como governador ultramarino da coroa lusa seria no Brasil. Nomeado 4º vice-rei da colônia portuguesa em novembro de 1720, desembarcou na Bahia em 19 de março do ano seguinte. Logo nos primeiros anos de seu governo promoveu a produção da farinha de mandioca, a criação de gado e combateu os atravessadores de víveres como forma de debelar uma crise de abastecimento que acometia diversas regiões do Brasil. A sua administração facilitou a ligação por terra entre o sul e o centro-oeste, melhorando, principalmente, o tráfego de muares, e entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Fundou uma das primeiras academias literárias do século XVIII, Academia Brasílica dos Esquecidos, em 1724, na cidade de Salvador. A instituição reunia letrados da Bahia e promovia reuniões quinzenais no Palácio do governador-geral onde se discutia ciências, geografia e história do Brasil. Entre as publicações promovidas pela Academia consta a História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pita.

[2] ALFERES: presente em quase todos os exércitos do mundo, o posto de alferes designou originalmente aquele que levava o estandarte militar. Existiu no Brasil até 1905 e corresponde, atualmente, a patente de segundo-tenente ou subtenente. Na estrutura militar portuguesa transposta para a América e dividida em três forças, encontra-se sempre o alferes, oficial de baixa patente acima dos sargentos, ao qual pardos e mulatos aspiraram ser aceitos no período colonial. O posto se notabilizou na história brasileira graças à participação na Conjuração Mineira de Joaquim José da Silva Xavier conhecido como Tiradentes.

[3] ALCAIDE MOR: antigo oficial de justiça, tinha como função zelar pela segurança e sossego público nas povoações, bem como executar prisões, fazer citações do fisco municipal e decidir sobre pequenas multas impostas. O alcaide era escolhido pelos juízes e vereadores e confirmados por carta régia, servindo durante três anos. A seu serviço ficavam uma guarda de aguazis e meirinhos, funcionários da justiça encarregados de realizar diligências policiais, prender suspeitos.

[4] VILA ALENQUER: vila localizada a nordeste de Lisboa, foi conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques, em 1148, e por ele reedificada e repovoada. Em Alenquer, D. Sancho I mandou erguer o palácio real, mais tarde convertido no convento de São Francisco e doou a vila a sua filha, D. Sancha, que lhe concedeu o primeiro foral, em 1240. Em 1302, D. Dinis renovou-o e, em 1510, D. Manuel reformou-o novamente.

[5] ORDEM DE CRISTO: ordem fundada por d. Dinis em 1318, em substituição à Ordem dos Cavaleiros do Templo (Ordem militar dos Templários, extinta no ano de 1311 por ordem do papa Clemente V), sendo reconhecida por bula papal no ano seguinte. No hábito dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo há uma cruz vermelha, fendida no meio com outra branca. A Ordem de Cristo esteve presente nos descobrimentos e conquistas ultramarinas, financiando navegações e assegurando o domínio espiritual sobre as possessões. Simbolizando sua presença na aventura marítima, todas as armadas que se lançavam ao mar levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da Ordem de Cristo. A Ordem Militar de Cristo era concedida por destacados serviços prestados ao reino e que mereciam especial distinção. Entre os seus cavaleiros incluem-se importantes navegadores do período da expansão marítima, como Gil Eanes, Vasco da Gama, Duarte Pacheco e Pedro Alvares Cabral.

[6]  ESTADO DO BRASIL: uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semiburocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

[7] ALVARÁ: proclamações do rei, articuladas geralmente em incisos, tendo, originariamente, natureza de lei de cunho geral, mas que passaram a ter caráter temporário, modificando as disposições constantes em decretos, regulamentações, normas administrativas, processuais e tributárias, dentre outras.

[8] GALERA: Sob esta definição incluem-se algumas embarcações de propulsão a remo e vela. Também conhecido como galé, o termo designa navio esguio, atingindo até 150 metros de comprimento, e de baixo bordo, movido a remo, podendo dispor de velas para auxiliar na propulsão. Utilizada por gregos e romanos, desde a Antiguidade clássica, em sua marinha de guerra ou mercante, foi o principal navio empregado pelos europeus até o desenvolvimento da navegação oceânica, quando se tornaram obsoletos. Continuaria a ser operada, até o século XIX, em mares de ventos difíceis, em zonas costeiras e fluviais, devido a sua independência em relação às correntes de ar, principalmente para fins militares. Os remadores eram de diversas proveniências, sendo, sobretudo, escravos e condenados. Ser “condenado a galés” significava realizar trabalhos nas embarcações de mesmo nome e era considerada uma pena muito severa, devido às pesadas tarefas exercidas em precárias condições. Segundo a historiadora Paloma Fonseca, por volta do século XVII, “com o desuso desses navios, ser condenado a galés compreendia cumprir pena de trabalhos públicos, geralmente em docas e de caráter sazonal”.

[9] COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

[10] SUPERINTENDENTE DO TABACO: o tabaco, produzido principalmente no Pará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, foi o segundo maior produto de exportação da América portuguesa até o século XVIII, destinando-se a partida de melhor qualidade à metrópole. Foi, igualmente, uma das principais mercadorias de troca no comércio de escravos na costa africana. Devido a sua crescente importância, em 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, responsável por gerir o monopólio real e coibir o contrabando. Posteriormente, pelo Regimento que se há de observar no Estado do Brasil, na arrecadação do tabaco, incluso no Regimento da Junta da Administração do Tabaco, baixado em 18 de outubro de 1702, foram instituídas superintendências nos portos de Recife, servida por um ouvidor, e Bahia, administrada por um desembargador da Relação. O superintendente era auxiliado pelo Juiz da Balança do Tabaco, pelo Escrivão do Registro do Tabaco, pelo Escrivão da Ementa do Tabaco, por um Marcador, um Guarda Mor, um Escrivão do Guarda Mor, e um Guarda Livros e Porteiro. Cabia ao superintendente assistir aos despachos e à boa arrecadação do tabaco; conceder licenças e fiscalizar a pesagem antes de enrolado e beneficiado; ter conhecimento sobre denúncias de descaminhos do produto e castigar os transgressores na forma da lei, entre outras atribuições. As superintendências foram extintas em 1751, com o novo Regimento da Alfândega do Tabaco, que as substituiu pelas Mesas de Inspeção.

[11] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[12] GUINÉ-BISSAU: possessão portuguesa desde 1479, sua ocupação se efetivou com a fundação da vila de Cacheu, em 1588, e o estabelecimento da capitania geral da Guiné portuguesa, em 1630. Em finais do século XVII edificou-se a fortaleza de Bissau, período em que os franceses começavam a afirmar a sua presença na região, e foi restabelecida a capitania de Bissau (1753). A região da Guiné foi uma das principais áreas de abastecimento de mão de obra escrava para as colônias ultramarinas. A designação Guiné acompanhou a expansão marítima portuguesa, englobando diversos pontos da costa ocidental, como Congo, Costa da Mina, Angola e Benguela, nomeando as primeiras conquistas da África.

[13] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): Madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[14] BANDO: nome dado a uma determinação ou decreto do governador, tratando de repasse de ordens régias sobre determinados assuntos, tendo, na maioria das vezes, caráter circunstancial para atender as necessidades momentâneas. O bando deveria ser lido nas ruas da vila ou arraial e fixado nos lugares públicos mais frequentados.

[15] ALFÂNDEGAS: organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

[16] PROVEDOR: o provedor era imbuído de especiais funções quanto à vigilância e observância dos estatutos gerais e públicos de uma instituição, à obediência aos decretos, alvarás, avisos e resoluções. No Brasil o cargo foi criado em 1548, por ocasião da instalação do governo-geral, tendo por objetivo cuidar dos assuntos relativos à administração fazendária. Existiram várias categorias de provedores, todos subordinados ao provedor-mor (mais alta instância administrativa, responsável pela arrecadação, contabilidade, fiscalização e convocação dos oficiais da Fazenda) e que atuaram em instâncias diferenciadas, entre as quais se podem mencionar a Alfândega, a Justiça, a Casa da Moeda, as Minas, Defuntos e Ausentes, entre outras. Nomeados pelo rei ou pelo governador-geral, os provedores eram responsáveis por acompanhar e administrar as rendas e direitos régios arrecadados, fiscalizar e registrar a movimentação comercial, cobrar os direitos, punir as irregularidades cometidas pelos oficiais de Fazenda, entre outras funções. Prestavam contas ao provedor-mor, inicialmente, e depois ao Conselho da Fazenda.

[17] ARQUEAÇÃO: medida da capacidade dos espaços internos de uma embarcação mercante, para efeito de pagamento de certos impostos e que é expressa em toneladas de arqueação, sendo 1 tonelada = 100 pés cúbicos = 2,832 m3.

[18]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[19] MESTRANÇA DA RIBEIRA: a “arte” de navegação em Portugal é resultado do entrelaçamento entre saberes sobre construção naval, profissionais com longa vivência de bordo, e portos e ribeiras que abrigavam os mestres e suas obras. Na mestrança, onde eram depositados os materiais para embarcações, reuniam-se os melhores mestres da arte e ofício da construção de navios em madeira ao longo da ribeira dos rios, em especial do rio Tejo e seu entorno. Em Lisboa, a Ribeira tornou-se, nos primeiros anos do século XVI, o centro político, administrativo e comercial da cidade, onde se ergueram o Palácio Real, a Ribeira das Naus, o Armazém da Artilharia, o Armazém da Guiné, além de outros estabelecimentos da administração da coroa portuguesa. A Ribeira das Naus tornou-se, nessa época, o principal estaleiro da construção naval de Portugal que empregava grande número de mestres associados em confrarias.


Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente" 

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

Contratos para o corte de pau-brasil

Decreto do príncipe regente d. João sobre o lanço de contratos para o corte de pau-brasil na província do Rio de Janeiro, e nas capitanias do Espírito Santo e da Bahia no triênio 1818-1820, a serem arrematados em praça pública, e escolhidos seus contratantes pelo Conselho da Fazenda para o triênio de 1818-1820. Entre as condições estabelecidas para a arrematação do corte de pau-brasil no Rio de Janeiro e no Espírito Santo está o direito do contratador de extrair a madeira independente desta se encontrar em propriedades particulares, em terras devolutas ou de corporações religiosas.


Conjunto documental: Conselho da Fazenda. Registro de avisos dirigidos à Secretaria
Notação: códice 33, vol. 01
Data-limite: 1808-1819
Título do fundo ou coleção: Conselho da Fazenda
Código do fundo: EL
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 23 de outubro de 1817
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 156 v a 159 

 

Constando na minha Real Presença, que nesta província do Rio de Janeiro[1] e em algumas outras do reino do Brasil há grande abundância de pau-brasil[2], de que pode tirar a Real Fazenda[3] considerável lucro por ser gênero privativo da minha Real Coroa. Hei por bem ordenar, que se estabeleça por contratos o corte desta preciosa madeira, sendo arrematado hasta pública[4] a quem por menos preço o fizer, debaixo das condições, que serão presentes no Conselho da Fazenda[5], e na Junta da Fazenda[6] da capitania da Bahia[7], por onde devem ser feitas estas arrematações, compreendendo um dos contratos o corte do pau-brasil, que se achou nesta província do Rio de Janeiro, e no distrito da Jurisdição do governo da capitania do Espírito Santo[8], para ser arrematado no Conselho da Fazenda pelo triênio de mil oitocentos e dezoito a mil oitocentos e vinte; e outro contrato o que se achar na capitania da Bahia até ao Rio de São Francisco[9] para ser arrematado pela Junta da Fazenda daquela capitania. João Paulo Bezerra do meu Conselho, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, presidente do Real Erário, e nele meu Lugar Tenente, o tenha assim entendido e faça executar = Palácio do Rio de Janeiro aos vinte de outubro de mil oitocentos e dezessete. = Com a rubrica de El-Rei Nosso Senhor. = Cumpra-se e registre-se. = Rio de Janeiro vinte e três de outubro de mil oitocentos e dezessete. = Com a rubrica do Excelentíssimo presidente do Real Erário = Manoel Jacinto Nogueira da Gama. = Condições com que se deve arrematar o corte do pau-brasil nesta província do Rio de Janeiro, sendo neste contrato compreendido o distrito da Jurisdição do governo da capitania do Espírito Santo. = Primeira. = Será livre ao contratador o cortar à sua custa o pau-brasil, que esta em qualquer parte desta província do Rio de Janeiro, e na capitania do Espírito Santo, até a quantidade de oito mil quintais[10] por ano, sem reserva ou privilégio algum dos donos das matas, em que encontrarem pau-brasil, ou seja em terrenos de particulares, ou de Corporações Religiosas, ou devolutas[11]. = Segunda. = As porções de pau-brasil competentemente cortado, e torado, segundo as dimensões que se deram ao contratador, serão necessariamente entregues pelo contratador[12] até se perfazer a quantidade anual de oito mil quintais a Junta do Banco do Brasil[13], para por esta ser remetido o dito pau-brasil aos seus correspondentes em Lisboa, dando ao contratador parte ao Real Erário de cada uma das entregas, que fizer, e a Junta do Banco de cada um dos recebimentos, que for tendo, e das remessas que for fazendo aos seus correspondentes de Lisboa. = Terceira. = O contratador será pago do preço, que se convencionar, pelo corte, e condução de cada um quintal de pau-brasil, que entregar na forma da segunda condição pelos correspondentes do Banco em Lisboa; fazendo-se este pagamento pelo produto das vendas de pau-brasil, e à proporção que se for realizando a venda de cada remessa, que se fizer; para o que se expedirão as competentes ordens pela Junta do Banco do Brasil e se darão ao contratador os necessários títulos para o seu pagamento. = Quarta. = O pau-brasil antes de ser recebido pela Junta do Banco do Brasil será examinado e aprovado por dois peritos um por parte da Real Fazenda, e outro por parte do contratador a fim de ser recebido e enviado para Lisboa somente o que for de boa qualidade. = Quinta. = Pertencerá ao contratador por tempo de três anos, a contar do primeiro de janeiro de mil oitocentos e dezoito o privilégio exclusivo do corte do pau-brasil na forma do presente contrato, incorrendo na pena de perdimento do pau-brasil toda a pessoa, que o cortar ainda mesmo para seu uso particular, sem ter para isso a competente licença do Conselho da Fazenda, ficando em tal caso pertencendo ao contratador o pau-brasil, que se achar cortado sem licença do Conselho. Na mesma pena de perdimento incorrerão os que cortarem este pau para o venderem, e demais na multa de quatro mil e oitocentos réis por quintal tudo a favor do contratador além das penas, que já se acham estabelecidas contra semelhante contrabando[14]. = Sexta. = O contratador terá juiz privativo, e gozará de todas as liberdades, isenções, e privilégios para si e seus Agentes, de que gozam os mais favorecidos contratadores dos Reais Contratos. = Rio de Janeiro em vinte de outubro de mil oitocentos e dezessete. = Com a rubrica do Excelentíssimo presidente do Real Erário. = Manoel Jacinto Nogueira da Gama.

 

[1] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[2] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[3] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[4] HASTA PÚBLICA: venda de bens em pregão público a quem oferecer maior lanço; leilão.

[5] CONSELHO DA FAZENDA: órgão da administração pública responsável por arrecadar, distribuir e fiscalizar os bens do Estado, a Fazenda tinha como principal meta controlar as atividades mercantis e a consequente transferência das rendas arrecadadas para a elite lusitana. Para tanto, suas diretrizes pautavam-se essencialmente na tributação necessária para a manutenção desse sistema. Sob a incumbência da Fazenda estavam a cobrança de impostos e o pagamento de todos os gastos do Estado, além da aplicação das penas em caso de sonegação fiscal. A gestão de muitas destas funções recaía sobre os conselheiros da Fazenda, que possuíam competências regimentais para despachos ordinários, e preparavam através de consultas, a decisão régia em matérias de despacho extraordinário. A Fazenda foi estendida ao Brasil a partir da montagem de um aparelho local, subordinado ao metropolitano, e responsável pelas funções de arrecadação tributária sobre as atividades econômicas coloniais, zelando sempre pelos interesses portugueses. Sua finalidade era agregar num único centro o controle do recolhimento das receitas e das despesas da Coroa, evitando a fraude e a acumulação de dívidas. Dividia-se em quatro seções: a primeira cuidava do Reino, a segunda, do Brasil, Índia, Mina, Guiné, São Tomé e Cabo-verde, a terceira, das Ordens Militares, da Madeira e Açores, a quarta, da África. Cabia-lhe também o financiamento, preparo e recepção das frotas das Índias Orientais e do Brasil.

[6] JUNTA DA FAZENDA: primeiras instituições coloniais com responsabilidade sobre administração financeira regional. Criadas em 1767, eram compostas por 5 a 6 membros, todos “homens bons”, em geral, ricos comerciantes, cabendo a presidência ao governador de cada capitania. As Juntas assumiram a responsabilidade de cobrar as rendas reais dentro de cada capitania e de fazer o seu envio para Lisboa, respondendo diretamente perante o Real Erário. Além da cobrança direta de impostos e outras rendas, eram responsáveis pelas alfândegas, incluindo ainda, entre suas tarefas, o arrendamento de contratos para os monopólios régios, como o do pau-brasil, do sal e da pesca das baleias e a cobrança de tarifas internas e passagens de rios.

[7] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[8] ESPÍRITO SANTO, CAPITANIA DO: capitania litorânea situada entre os atuais estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Originada da capitania doada a Vasco Fernandes Coutinho (1535), recebeu este nome por ter sido no domingo do Espírito Santo, 23 de maio de 1535, que seu donatário tomou posse das terras, fundando vilas e erguendo os primeiros engenhos de açúcar. A ocupação do território foi marcada por inúmeros conflitos com as populações indígenas que habitavam a região, entre eles os índios Aimorés, Goitacazes e Puris. Foi alvo também, de constantes incursões de piratas franceses, holandeses e ingleses. Muitos sertanistas partiram do litoral capixaba para o interior do Brasil, descendo os principais rios até a região das minas de ouro. Tais estradas foram, muitas vezes, utilizadas para o contrabando de metais preciosos, levando à proibição de abertura de caminhos que levassem as minas. A ocupação territorial concentrou-se, assim, em uma estreita faixa costeira. Tal fato deveu-se também, à criação da capitania de São Paulo e Minas Gerais e a presença de índios no sertão, sobretudo os botocudos, que impediram a interiorização do território.

[9] RIO SÃO FRANCISCO: também chamado Opará, sua nascente histórica fica na Serra da Canastra em Minas Gerais, atravessa o estado da Bahia, fazendo o limite ao norte com Pernambuco, constituindo ainda divisa natural dos estados de Sergipe e Alagoas, percorrendo aproximadamente 2.800 quilômetros. Os primeiros documentos que descrevem o rio consistem num roteiro da viagem de exploração, ordenada pelo rei d. João III ao governador-geral Tomé de Sousa em 1553, e numa carta do jesuíta basco João de Azpilcueta Navarro que acompanhou o desbravador castelhano Francisco Bruza de Espinosa nessa missão. Foi palco de violentos conflitos contra os povos indígenas da região e contra os franceses e holandeses que se instalaram na sua foz. Rio que ligava a região Sudeste e o Nordeste do Brasil, começou a ser desbravado e navegado a partir da segunda metade XVI, principalmente nas regiões litorâneas, mas foi nos séculos XVII e XVIII que se consolidou como rota para o interior. O primeiro núcleo povoador às suas margens foi a vila de Penedo, fundada na capitania de Pernambuco pelo donatário Duarte Coelho (hoje em Alagoas). Seu outro nome, “rio dos Currais”, relaciona-se ao fato de ter servido de trilha para fazer descer o gado do Nordeste até a região das Minas, sobretudo, no início do século XVIII, quando se achava ali o ouro que fez afluir milhões de pessoas à terra e integrando a região nordeste às regiões leste, centro-oeste e sudeste. Sua ocupação ocorreu por meio do sistema de sesmarias, uma vez que o rio São Francisco ocupava parte das terras atribuídas à Casa da Torre, de Garcia d’Ávila e à Casa da Ponte, de Antônio Guedes de Brito, e pela ação missionária de franciscanos e capuchinhos que, a partir de 1641, se instalaram na região.

[10] QUINTAIS: antiga unidade de medida usada no império português antes da adoção do sistema métrico e decimal. O peso de um quintal equivale a quatro arrobas, ou seja, aproximadamente 60 quilos.

[11] DEVOLUTAS: a legislação fundiária aplicada durante o período colonial foi instituída de modo descontinuado, dispersa em um amplo número de avisos, resoluções administrativas, cartas de doação, forais e os textos das Ordenações. Essa gama de dispositivos legais ensejou uma legislação fragmentada, nem sempre coesa, revogada e reafirmada. É nesse contexto que surgem as terras devolutas, cuja existência pode ser creditada ao instituto da carta de doação ou carta de foral por meio da qual o donatário transmitia a posse de certa parcela do território – sesmaria - a um colono. No sistema de sesmarias, pelas Ordenações Manuelinas, terra devoluta era a sesmaria que retornava à posse da Coroa, pois o posseiro descumprira seus deveres de dar destinação útil à terra. Contudo, alguns autores afirmam que nem todas as terras do Brasil colônia foram objeto de concessão aos donatários das capitanias, que eram delimitadas e seu número abrangeu apenas um limitado e restrito pedaço do solo. Por outro lado, grande parte do território veio a ser adquirido após a cessação do regime de capitanias. Essas novas terras não poderiam ser tidas como devolutas, pois não foram, em época alguma, devolvidas à Coroa portuguesa. Mais tarde, durante o Império, com a lei de Terras de 1850, terra devoluta passou a significar a terra que não tivesse a posse legitimada, sendo de titularidade e posse do Império.

[12] CONTRATADOR: a quem cabia a cobrança dos mais variados impostos sobre produção e circulação de bens, a figura do contratador existia desde o nascimento do estado absolutista português. Ela foi incorporada a estrutura de poder na América portuguesa, tornando-se peça chave nas relações de poder existentes entre os colonos e entre os colonos e a Coroa. Apresentava-se como um oficial particular a serviço do Rei, que havia conquistado tal privilégio através de arrendamento. O sistema de administração colonial português permitia que interesses particulares se imiscuíssem na lógica pública e vice-versa, em uma relação obscura e mal delineada que caracterizava o próprio estado português e seguia o princípio básico do absolutismo que confundia o monarca com o estado que administrava e o povo que governava: a esfera privada, portanto, ainda não existia de forma independente da figura do monarca soberano. O arremate de contratos em geral era feito por pessoas “de cabedal”, e representava status e capital político importante.

[13] JUNTA DO BANCO DO BRASIL: o Brasil colônia não teve instituições bancárias. O crédito realizava-se através dos comerciantes compradores ou fornecedores de mercadorias. A ideia de um banco local surgiu em fins do século XVIII. Mas, foi com a instalação da corte no Brasil, no início do século XIX, que se firmou o propósito da criação de uma verdadeira instituição privada de crédito, principalmente a serviço do governo. Assim, por iniciativa de d. Rodrigo de Sousa Coutinho, foi fundado o Banco do Brasil, a 12 de outubro de 1808. Cabia ao banco as funções tradicionais de depósitos, descontos e emissões de moeda de papel, prevendo-se que as emissões deveriam ser feitas “com a necessária cautela” – o que amiúde não aconteceu. Era incumbido da venda dos produtos estancados, saques sobre o erário, desconto dos bilhetes da alfândega. Primeiramente, o Banco do Brasil, que iniciou suas atividades em fins de 1809, funcionou somente no Rio de Janeiro. O alargamento do seu raio de ação traduziu-se em uma procura de acionistas e clientes em regiões com potencial financeiro. Assim, posteriormente, outras agências foram abertas nas capitanias, porém em pequeno número e com atuação irregular.

[14] CONTRABANDO: na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal, sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ouro, diamantes e pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta prática. [Ver também DESCAMINHOS]

 

Sugestões de uso em sala de aula
Utilização(ões) possível(is)
- No eixo temático sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente"

Ao tratar dos seguintes conteúdos
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

Apreensão de pau-brasil

Ofício de Francisco Cláudio Álvares de Andrade, dirigido a Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, informa que um escravo pertencente ao guarda-mor Moreira, residente na ilha de Itacuruçá, ao caçar na mata, encontrou, por acidente, um depósito de cerca de 400 toras de pau-brasil na ilha de Maria Martins, 10 léguas de distância da vila de Ilha Grande. De acordo com o alferes José Manoel Barbosa, que fez a apreensão e o embarque da madeira para o armazém da Real Fazenda, aos cuidados de Joaquim José de Azevedo, visconde do Rio Seco, a madeira deve ter sido cortada há mais de 10 anos, quando a ilha era “inculta e sem moradores”. Seguiu também para a capital para ser interrogado o soldado miliciano Francisco Martins, por ser o único morador da ilha.

 

Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil. 
Notação: 5B-406
Data-limite: 1810–1821
Título do fundo ou coleção: Diversos GIFI
Código do fundo: OI
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 17 de novembro de 1818
Local: Vila de Ilha Grande
Folha(s): pct. 1819

 

Respondido em 17 de novembro de 1818 Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor Na Ilha de Maria Martins, dez léguas distante desta vila, se achou um depósito de pau-brasil[1] do modo seguinte. Um escravo do guarda mor[2] Moreira, morador na Ilha de Itacuruçá indo caçar na referida Ilha meteu-se pelo mato, e pisou sobre uns toros de pau, e vendo que eram muitos, quando se recolheu deu parte ao mencionado guarda mor, que foi examinar o que o escravo lhe disse, e achou ser pau-brasil: veio pessoalmente dar-me esta parte, e eu logo mandei o alferes José Manuel Barbosa, com uma escolta suficiente para fazer mover os toros, e contá-los, e achando quatrocentos logo por minha ordem os fez embarcar, e os remeti com um ofício ao visconde do Rio Seco[3] para os fazer arrecadar no Armazém do depósito daquela Real Fazenda[4] como vossa excelência me ordenou no seu aviso[5] de 14 de agosto do presente ano. A referida madeira pelo modo que se achou julga o alferes José Manuel Barbosa, que foi depositada a sic mais de dez anos, e diz o guarda mor Moreira, que naquele tempo estava inculta, e sem moradores; porém como presentemente mora na Ilha um soldado miliciano[6] Francisco Martins, eu também o mando a presença do Excelentíssimo visconde do Rio Seco para o interrogar como lhe parecer justo. Deus guarde a Vossa Excelência. Senhor Tomás Antônio de Vila Nova Portugal[7] PS.Pode Vossa Excelência estar certo que neste distrito não há pau-brasil e que o depósito foi feito pelos tratantes da Pedra e Guaratiba Francisco Cláudio Álvares de Andrade.

 

[1] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[2] GUARDA-MOR: autoridade colonial administrativa, nomeada pelo rei, tinha por função fiscalizar, repartir e distribuir datas – propriedades concedidas pela Coroa portuguesa para exploração mineral; evitar o contrabando do ouro e contabilizar o número de escravos que trabalhavam nas minas. O cargo foi instituído em 1702, com a criação da Superintendência das Minas – que substituiu a Provedoria das Minas, responsável pela administração e fiscalização das minas de ouro, prata e cobre descobertas na América portuguesa.

[3] AZEVEDO, JOAQUIM JOSÉ (1761-1835): 1º barão de Rio Seco e 1º visconde do Rio Seco, acompanhou a família real durante sua transferência para o Brasil. Homem de poder político e econômico, exerceu cargos importantes como escrivão e tesoureiro do Tesouro da Casa Real, recebeu as comendas da Ordem de Cristo, da ordem de Cristo “das de África”, da praça de Pernambuco; comendador honorário da Ordem da Torre e Espada; proprietário do ofício do 1º Tabelião da vila de Mariana. Em 1815, recebeu a comenda de São Sebastião d’Elvas da Ordem de Cristo e do senhorio da vila de Macaé. Em 1819, foi feito comendador da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.

[4] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[5]AVISO: diploma jurídico que expressa um desígnio ou uma determinação de natureza política ou administrativa.

[6] MILITARES: a presença militar na colônia mostrou-se, desde o início, crucial para a administração dos domínios ultramarinos de Portugal, já que estes territórios careciam de estrutura governativa e ordem político-jurídica bem estabelecidas. Sua trajetória data da criação do governo-geral ainda no século XVI, visando efetivar diferentes planos de defesa e de expansão territorial. As forças militares buscavam enquadrar a população em uma ordem que permitiria o “bom funcionamento” da sociedade colonial. A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: 1a linha – corpos regulares, conhecidos também por tropa paga ou de linha; 2a linha – as milícias ou corpo de auxiliares e a 3a linha – as ordenanças ou corpos irregulares. Os corpos regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional” português, sendo a única força paga pela Fazenda Real, e seus comandantes eram fidalgos nomeados pelo rei. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando também pertencia a fidalgos nomeados pelo rei. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares, estando em constante treinamento. Todavia, na colônia, foram comumente empregadas em ações policiais de manutenção da ordem pública, ajudando na prisão de foragidos e na captura de escravos fugidos. As tropas de linha enviadas de Portugal, muitas vezes, careciam de efetivos, momento este em que a coroa lançava mão do recrutamento compulsório, terror da população branca colonial. As milícias, criadas em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Organizaram-se primeiramente por terços (antiga unidade portuguesa que vigorou até a segunda metade do século XVIII) e, depois, em regimentos. Funcionavam como forças de apoio às tropas pagas, e em geral, eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário. Na segunda metade do século XVIII, as milícias no Rio de Janeiro estavam organizadas por regimentos alistados por três freguesias: da Candelária, de São José e de Santa Rita. Em Pernambuco, foi criado o “terço dos Henriques” para lutar nas guerras holandesas de 1648 e 1649. Neste “terço” predominou o alistamento de homens pretos forros e escravos recrutados por empréstimo, mas havia também mestiços, mulatos e mamelucos. O negro forro Henrique Dias (início século XVII-1662) comandou essas tropas auxiliares, daí chamarem-se "dos henriques". Nas demais capitanias se formaram "terços" com as mesmas características também denominados "henriques". Sob a denominação de tropas urbanas, as milícias na Bahia eram compostas pelos regimentos dos úteis (comerciantes e caixeiros) e de infantaria (artífices, vendeiros, taberneiros) todos formados por homens brancos. O medo dos proprietários de terras e escravos de que a experiência de Palmares se alastrasse por toda a colônia levou à criação de uma força de repressão nas capitanias, organizada na forma de milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos, em que se destacou a figura do capitão do mato ou "capitão de assalto" ou "capitão de entrada e assalto" entre outras variações que o posto recebeu de região para região. Já os corpos de ordenanças foram criados em 1549 por d. João III, e seu sistema de recrutamento abrangia toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados e os padres. Somente em caso de as autoridades considerarem haver uma grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades costumeiras. Recebiam treinamento de forma esporádica. Buscava-se, escapar ao alistamento de todas as maneiras, devido às péssimas condições da vida do soldado. A população civil temia o recrutamento militar obrigatório que era realizado pelos agentes recrutadores. Os possíveis recrutas, isto é, os homens brancos e não militares considerados aptos a engrossarem os efetivos das tropas de linha eram detidos a qualquer hora e local (dentro de suas casas e nas salas de aula) e conduzidos à cadeia para uma triagem. Diante de tais arbitrariedades, só restava aos homens a fuga para longe do local em que habitavam uma vez que o recrutamento acarretava o afastamento de suas atividades por tempo indeterminado. Os postos militares mais elevados eram, em geral, preenchidos por homens que já haviam provado ao rei sua qualidade, ou seja, serviços relevantes prestados, o que costumava ser mais importante do que experiência ou saber de guerra. Em 1648, ao sul do Recife, ocorre uma batalha que pode ser considerada marco na organização de forças locais: sob o comando de André Vidal Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, tropas formadas por brancos locais, indígenas e negros (organizados em destacamentos diferentes) lutaram contra tropas holandesas, formadas igualmente por brancos, negros e índios e lideradas por Domingos Fernandes Calabar e Johan van Dorth. A data da batalha de Guararapes, 19 de abril de 1648, é comemorada como o aniversário do Exército Brasileiro. Com a instalação da corte no Rio de Janeiro, a estrutura militar sofreu nova organização, modernizando-se e ampliando seus estabelecimentos. Foram criadas Academias Militares, indústrias de armas, fábricas de pólvoras, arsenais de guerras e hospitais militares.

[7] PORTUGAL, TOMÁS ANTONIO DE VILA NOVA (1755-1839): bacharel em leis pela Universidade de Coimbra, foi desembargador do Paço, chanceler-mor do Reino, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino e dos Negócios Estrangeiros. Figura de relevo no cenário político luso-brasileiro, destacou-se por sua participação como autor intelectual da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815. Próximo a d. João, Vila Nova acumulou, em caráter ordinário e efetivo, vários cargos importantes. Foi ministro do Reino, do Erário Régio e dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, entre 1818 e 1820. Favorável aos ideais absolutistas, defendia os valores e fórmulas do Antigo Regime e a permanência da corte no Brasil, longe das ideias liberais que assolavam a Europa. Sem êxito em seu propósito, retornou a Portugal junto com a família real em 1821.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente"

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

Importação e exportação do pau-brasil

Nota de José Antônio de Miranda enviada a d. João, juntamente com o extrato dos mapas de importação e exportação das capitanias de Pernambuco, Bahia, Rio Grande, Angola e Benguela, relativos aos anos de 1808 e 1809. Declara serem pouco exatos os balanços dos mapas enviados por não incluírem os excedentes do comércio clandestino, especialmente no que diz respeito ao extravio de pau-brasil. Sugere o franqueamento do gênero, enumerando os seus benefícios tais como evitar os extravios da madeira, multiplicar os lucros, abastecer o erário e impedir a devastação das matas por aqueles que se têm proposto a tal furto. A finalidade maior seria aumentar as rendas do Estado, contribuindo para a “prosperidade nacional”.

 

Conjunto documental: Junta do Comércio. Importação e exportação.
Notação: caixa 448, pct. 01
Data-limite: 1802-1822
Título do fundo ou coleção: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo: 7X
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 14 de setembro de 1810
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): - 

 

... Suposto que não se possa formar conceito dos balanços, resultantes dos mapas acima descritos em resumo, pela pouca exação dos mesmos mapas, nos quais se observam faltas muito consideráveis; contudo, pode-se ter por certo, que o débito em que por exemplo aparece o comércio da Bahia[1], mostrando exceder a importação à exportação no ano de 1808 a folha 3 a quantia de 929 contos, é insubsistente por dever julgar-se este excedente compensado por meio do comércio clandestino[2], que talvez houvesse, muito principalmente com os navios estrangeiros. O mapa da importação, e exportação de Liverpool[3], relativo ao ano de 1809, justifica bem esta asserção, e aclara melhor as ideias referidas, quando nele se vê importados do Brasil só para aquele porto 22,722 quintais[4] de pau-brasil[5]. Adiantando eu o meu discurso sobre esse tão importante ramo, julgo dever expor o quanto seria útil a franquear-se o comércio deste gênero. Em primeiro lugar, por este modo se evitaria muitos e extraordinários extravios, tão prejudiciais, que não só fazem perder o valor porque ele se costuma exportar dos Armazéns Reais, mas até se prejudica a sua origem pela devastação que aqueles que se propõem a tal furto, fazem nas matas que o produzem. Em segundo lugar, a franqueza[6] deste comércio será de uma utilidade muito relevante para o Estado, sabendo-se (pelo cálculo junto assaz aproximativo) que aqueles 22,722 quintais de pau-brasil não produziram liquidamente menos de 283 contos de réis;  Este lucro, não se limitando a uma só mão, mas multiplicando-se por diversos, impondo-se-lhe os direitos correspondentes, faria um rendimento bem digno de que se empregasse nele a atenção das vistas zeladoras que reputo desejarão certamente ver o Erário abastecido.   Acrescentarei a isto mais, a reflexão de que, seria também muito necessário acautelar a destruição que costumam vulgarmente fazer os povos nas matas, por meio dos fogos; porque posto que hajam Ordens positivas a este fim, há segundo me consta bastante negligência na sua execução, abrangendo igualmente nesta falta a ordem dos extravios. Estas são as recusas que sobre tal artigo me lembram poder interessar ao comércio, e a Real Fazenda[7] do príncipe regente nosso senhor; e me parecem próprias ao aumento das rendas do Estado, pois só aumentando-se as rendas dele de maneira que sobre-excedam o total do seu consumo se consegue a prosperidade nacional. Rio de Janeiro 14 de setembro de 1810.  (assinado) = José Antônio de Miranda

 

[1] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[2] CONTRABANDO: na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal, sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ouro, diamantes e pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta prática. [Ver também DESCAMINHOS]

[3] LIVERPOOL: cidade situada ao norte do estuário do rio Mersey, na Inglaterra, Liverpool notabilizou-se por seu porto, principal porta comercial para o Novo Mundo a partir do século XVII, e foi pioneira em muitos elementos da metrópole industrial moderna. A peste de 1664 e o grande incêndio de 1666, em Londres, provocaram a mudança de muitos mercadores para Liverpool, o que contribuiu para a prosperidade do porto. Baseada em novos sistemas de comércio e do capital internacional durante os séculos XVIII e XIX, em seu auge ela se voltou exclusivamente para promover os negócios e a movimentação de mercadorias. Foi isso que a tornou, depois de Londres, o maior porto da nação e do Império britânico. O centro histórico e comercial da cidade é hoje parte da área considerada Patrimônio Mundial.

[4] QUINTAIS: antiga unidade de medida usada no império português antes da adoção do sistema métrico e decimal. O peso de um quintal equivale a quatro arrobas, ou seja, aproximadamente 60 quilos.

[5] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[6] FRANQUEZA: ato de franquear, de abrir, de tornar acessível.

[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

 

Sugestões de uso em sala de aula

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático  sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente"  

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

 

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