Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página
Marquês do Lavradio

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 11h24 | Última atualização em Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 11h38

Ataque dos castelhanos

Carta do marquês do Lavradio ao governador de Minas Gerais, d. Antônio de Noronha, com as ordens e noticias da Corte face ao receio dos castelhanos atacarem o território brasileiro, uma vez que estavam se preparando, com embarcações de guerra e munições, para atacarem Marrocos. Para evitar a invasão ordena às capitanias que aumentem os contingentes militares, incluindo o alistamento de negros escravos, dando em troca a alforria dos mesmos, como forma de aumentar o número de defensores.

Conjunto documental: Marquês do Lavradio
Notação: AP-41
Data-limite: 1758-1791
Título do fundo: Marquês do Lavradio
Código do fundo: RD
Argumento de pesquisa: marquês do Lavradio
Data do documento: 20 de junho de 1775.
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): carta nº 535

Carta de Amizade Escrita ao Governador de Minas Gerais[1].

 (...).

Tu receberás nesta ocasião uma carta minha de ofício, na conformidade das ordens que acabo de receber da nossa corte[2], a este respeito faz-me necessário dizer-te que a nossa corte me avisa que os Castelhanos[3], estão preparando em diferentes portos uma formidável esquadra de naus, e fragatas de guerra[4], vários borlotes de fogo, muitos navios de transporte, e grande quantidade de munições de toda a qualidade; que a esta esquadra dão o destino para o público de ser destinada para ir contra os marroquinos, por ter El-Rei de Marrocos[5] instigado pela Regência de Argel[6], declarando a guerra aos castelhanos, e depois de lhe s ter tomado alguns presídios se acha em pessoa defronte deles, campado à testa de um exército de mouros[7] de 60000 homens.

Porém parecendo a nossa corte não ser necessário tão grande esforço para ir castigar aquela bárbara gente entra no justo receio de que parte deste armamento se destaque contra a nossa América[8], em cujos termos me ordena tome eu todas as medidas que me forem possíveis a fim de poder evitar algum golpe mais considerável. Eu me acho expedindo as ordens todas que me parecem necessárias para as diferentes Capitanias, e nesta com toda a dissimulação e cautela faço trabalhar com a força que posso. (...)

Ordeno os terços[9] da Cidade, que são repartidos com separação de freguesia, e nelas as companhias com separação de umas, que o capitão, e oficiais de cada companhia alistem, os negros escravos[10] dos seus distritos, que para estes tenha cada um dos senhores aquelas armas que eles escolherem, já seja lança, chuso, espingarda, flexas[11] , ou qualquer outra qualidade de armas ofensivas, segundo o cômodo, e possibilidade de cada um; que a gente de cada uma destas companhias seja dividida em duas outras companhias conforme o número que houver de gente, nomeando daqueles mesmos pretos para capitães, alferes, e oficiais inferiores os que se acharem de mais propósito (...); que terão a sua alforria[12] no caso dos senhores lha quererem dar a terão de seu senhor, e não querendo eles fazer-lhe estas justa recompensa, se aliviará o seu valor, que serão satisfeito o senhor pela Fazenda Real[13], de quem ele receberá depois a liberdade; deste modo julgo aumentarei muito o número de defensores, e com a esperança de um prêmio, para eles tão importante, julgo lhe(s) darei valor para eles se exporem às ações mais arriscadas. Isto que agora te comunico inda não o tenho principiado a praticar, a declaração do prêmio, não determino fazer-lha, senão no caso de ser preciso juntá-los para a ação; (...). Deus te guarde muitos anos. Rio de Janeiro, 20 de junho de 1775.

Marquês de Pombal[14].

 

[1] NORONHA, ANTONIO DE: governador da capitania de Minas Gerais de 1775 a 1779, sucedeu o conde de Valadares. Foi coronel de infantaria de Campo Maior, no Alentejo. Como governador, enfrentou várias questões referentes às fronteiras da capitania, destacando-se as definições de limites com a capitania de São Paulo. Os ataques dos indígenas e a possível sublevação dos escravos negros também o preocuparam. Ponto constante de sua gestão foram os pedidos de liberação de tropas para defenderem a capital, Rio de Janeiro, e o sul do país, devido à invasão das tropas castelhanas à ilha de Santa Catarina. Esta imposição feita pelo vice-rei, o marquês do Lavradio, por quem tinha uma grande amizade, provocou desorganização na ordem interna da capitania, principalmente no âmbito fiscal e na extração do ouro, já que o contingente de pessoas necessárias à defesa do território brasileiro eram aqueles responsáveis pela extração e fiscalização das minas de ouro e diamante. Promoveu também a melhoria da exploração dos recursos minerais e a profissionalização da tropa paga ou regular, das auxiliares e das milícias.

[2] PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[3] CASTELHANOS: súditos da coroa espanhola. A região de Castela está localizada no centro da Península Ibérica. Incorporada ao Reino de Navarra, teve seu território ampliado com a anexação de Leão, das Astúrias e da Galícia, sendo definitivamente reunida ao Reino de Leão em 1230. O casamento de Isabel de Castela com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, em 1469, permitiu a união dos três reinos (Castela, Leão e Aragão) em 1479, facilitando a unidade da Espanha. Esta situação, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada (1492), favoreceu as campanhas marítimas da Espanha durante os grandes descobrimentos do século XV. Os súditos da Coroa espanhola são conhecidos como castelhanos, em alusão à região. Os castelhanos disputaram, ao longo do período colonial, as fronteiras da América com Portugal, o que resultou na assinatura de vários tratados entre as duas coroas, principalmente com relação aos limites territoriais na região do rio da Prata.

[4] NAUS E FRAGATAS DE GUERRA: nau designa uma extensa variedade de navios de médio e grande porte utilizada pelos portugueses desde o século XIV para fins bélicos e comerciais. Eram embarcações com acastelamentos na popa e na proa, apresentando um mastro de pano redondo. À época das grandes navegações, as naus se tornaram mais bojudas (a boca poderia apresentar cerca de um terço do comprimento da quilha), para enfrentar o mar revolto, sobretudo, no entorno do Cabo das Tormentas, onde as caravelas encontrariam dificuldades. Em geral, bem armadas com artilharia pesada, passaram e ter até três mastros com velas quadrangulares. Devido a forma de seu casco, bem mais largo do que comprido, em relação a outras embarcações da época, as naus ficaram conhecidas como “navios redondos”. Tais modificações a tornaram uma embarcação bastante imponente, usada para intimidar adversários e guardar territórios, mas também de difícil manejo. Eram intensamente utilizadas para proteger o pouco povoado litoral brasileiro de piratas e missões europeias rivais. A nau de guerra objetivava a segurança das embarcações comerciais e os combates marítimos, podendo ser classificada como de primeira, segunda e terceira classes, dependendo do número de peças de artilharia. Já as fragatas eram navios de guerra que, apesar de terem o mesmo comprimento, eram mais estreitas, o que lhe conferiam maior agilidade e velocidade frente às naus. Eram usadas em missões de escolta ou reconhecimento territorial e movidas por propulsão à vela. Em meados do século XIX, se desenvolveram as fragatas mistas e a vapor.

[5] EL-REI DE MARROCOS: sultão Sidi Muhammad ben Abdallah, governou o Marrocos de 1757 a 1790. Sob seu governo, recuperou a praça de Mazagão aos portugueses. Mazagão, o último bastião português no Marrocos, após vários anos de tentativas de dominação moura, fora finalmente abandonado pelos lusitanos em 1769, quando d. José I ordenou o abandono da cidade e o embarque para Lisboa. Posteriormente, os habitantes foram transferidos para a Amazônia, onde fundaram a cidade de Nova Mazagão.

[6] REGÊNCIA DE ARGEL: ocupava parte da zona costeira da atual Argélia, foi estabelecida pelos turcos islâmicos, após a dominação do norte da região. Durante os séculos XV e XVI a Espanha realizou vários ataques a cidades costeiras tomando, inclusive, o controle de algumas, que teriam pedido auxílio aos turcos. Em 1525 foi tomada por Jeireddín Barbarroja, almirante otomano e pirata turco e anexada ao Império Otomano no início do século XVI. Em 1786, foram assinados os acordos Paz e Amizade entre a Espanha e Argel (QUINTANA MORAIRA. La guerra corsaria entre España y la Regencia de Argel. REIM Nº 28 junio 2020. https://revistas.uam.es/reim/article/view/reim 2020_28_009 /12251). Apesar de fazer parte do império turco otomano, Argel possuía autonomia quanto à escolha dos governantes e era dirigida por conselhos (câmaras) de soldados janízaros – elite do exército otomano, formado por crianças cristãs capturadas em batalhas, levadas como escravas e convertidas ao Islã –, que compunham o Ocak – corpo regente de janízaros, que governava e defendia a região. Os nativos não chegavam a ocupar essa função, ficando restritos ao poder econômico, como corsários. A principal atividade econômica em Argel era a pilhagem, praticada pelos corsários que formavam uma câmara própria: o Taiffe reise, submissa à regência. No século XIX, os franceses ocuparam Argel e iniciaram a conquista da região.

[7] MOUROS: também chamados de mauros ou mauritanos (pelos antigos romanos), o termo refere-se aos povos islâmicos de língua árabe oriundos do Norte da África que a partir do século VII invadiram a Península Ibérica, a Sicília, Malta e a França. Faziam parte dos grupos étnicos berberes e árabes, dominaram por vários séculos parte da Europa, divididos em grandes e pequenos califados, emirados e taifas. Até o ano de 1492 quando foi encerrado o processo de Reconquista com a rendição do último reino, de Granada (Espanha), expandiram sua cultura, arquitetura e religião principalmente entre os ibéricos, convertendo boa parte de seus habitantes ao islamismo. Com a retomada do Cristianismo como religião oficial, a maior parte das monumentais mesquitas construídas pelos mouros foi convertida em igrejas em um processo de sincretismo, e a arquitetura mista passou a ser denominada mourisca, bem como os mouros que se converteram ao Cristianismo e permaneceram na Europa depois da expulsão definitiva.

[8] BRASIL: colônia portuguesa na América que foi com a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, chamada de Ilha de Vera Cruz, teve seu nome alterado para Terra de Santa Cruz, mas era mais conhecida pelos marinheiros como Terra dos Papagaios. A abundância e o comércio intenso de um “pau de tinta” – o pau-brasil – acabaram por dar a denominação definitiva à nova colônia: Brasil. No início do século XX, autores como Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu contestaram a versão original de que o nome Brasil teria surgido em virtude da extração de pau-brasil. Na concepção de Capistrano, a origem do termo relaciona-se à existência de um arquipélago imaginário na costa da Irlanda, representado diversas vezes em cartografias medievais e cuja existência não foi comprovada. O primeiro mapa conhecido a colocar o nome Brasil, designando a América Austral, foi o Planisfério de Jerônimo Marini, de 1511. Contudo, o Atlas de Albernaz, cartógrafo oficial de Portugal, de 1640, registrou que Brazil era o nome vulgar da Terra de Santa Cruz. A criação do governo geral, em 1548, englobando as capitanias hereditárias distribuídas na década de 1530, conformou o Estado do Brasil, que, a princípio, não passava de uma estreita faixa de terra no litoral ocupada descontinuamente entre o nordeste e São Vicente, mas que procedeu uma progressiva expansão. Com a vinda da corte do rei d. João VI, em 1808, o Brasil passou a integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, nome oficializado em 1815. A Independência, em 1822, levou o país à condição de império, mudando seu nome para Império do Brasil, que prevaleceu até 1889, quando, por força da proclamação da República, adotou a denominação República dos Estados Unidos do Brazil. Atualmente, o nome oficial é República Federativa do Brasil.

[9] MILITARES: a presença militar na colônia mostrou-se, desde o início, crucial para a administração dos domínios ultramarinos de Portugal, já que estes territórios careciam de estrutura governativa e ordem político-jurídica bem estabelecidas. Sua trajetória data da criação do governo-geral ainda no século XVI, visando efetivar diferentes planos de defesa e de expansão territorial. As forças militares buscavam enquadrar a população em uma ordem que permitiria o “bom funcionamento” da sociedade colonial. A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: 1a linha – corpos regulares, conhecidos também por tropa paga ou de linha; 2a linha – as milícias ou corpo de auxiliares e a 3a linha – as ordenanças ou corpos irregulares. Os corpos regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional” português, sendo a única força paga pela Fazenda Real, e seus comandantes eram fidalgos nomeados pelo rei. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando também pertencia a fidalgos nomeados pelo rei. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares, estando em constante treinamento. Todavia, na colônia, foram comumente empregadas em ações policiais de manutenção da ordem pública, ajudando na prisão de foragidos e na captura de escravos fugidos. As tropas de linha enviadas de Portugal, muitas vezes, careciam de efetivos, momento este em que a coroa lançava mão do recrutamento compulsório, terror da população branca colonial. As milícias, criadas em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Organizaram-se primeiramente por terços (antiga unidade portuguesa que vigorou até a segunda metade do século XVIII) e, depois, em regimentos. Funcionavam como forças de apoio às tropas pagas, e em geral, eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário. Na segunda metade do século XVIII, as milícias no Rio de Janeiro estavam organizadas por regimentos alistados por três freguesias: da Candelária, de São José e de Santa Rita. Em Pernambuco, foi criado o “terço dos Henriques” para lutar nas guerras holandesas de 1648 e 1649. Neste “terço” predominou o alistamento de homens pretos forros e escravos recrutados por empréstimo, mas havia também mestiços, mulatos e mamelucos. O negro forro Henrique Dias (início século XVII-1662) comandou essas tropas auxiliares, daí chamarem-se "dos henriques". Nas demais capitanias se formaram "terços" com as mesmas características também denominados "henriques". Sob a denominação de tropas urbanas, as milícias na Bahia eram compostas pelos regimentos dos úteis (comerciantes e caixeiros) e de infantaria (artífices, vendeiros, taberneiros) todos formados por homens brancos. O medo dos proprietários de terras e escravos de que a experiência de Palmares se alastrasse por toda a colônia levou à criação de uma força de repressão nas capitanias, organizada na forma de milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos, em que se destacou a figura do capitão do mato ou "capitão de assalto" ou "capitão de entrada e assalto" entre outras variações que o posto recebeu de região para região. Já os corpos de ordenanças foram criados em 1549 por d. João III, e seu sistema de recrutamento abrangia toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados e os padres. Somente em caso de as autoridades considerarem haver uma grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades costumeiras. Recebiam treinamento de forma esporádica. Buscava-se, escapar ao alistamento de todas as maneiras, devido às péssimas condições da vida do soldado. A população civil temia o recrutamento militar obrigatório que era realizado pelos agentes recrutadores. Os possíveis recrutas, isto é, os homens brancos e não militares considerados aptos a engrossarem os efetivos das tropas de linha eram detidos a qualquer hora e local (dentro de suas casas e nas salas de aula) e conduzidos à cadeia para uma triagem. Diante de tais arbitrariedades, só restava aos homens a fuga para longe do local em que habitavam uma vez que o recrutamento acarretava o afastamento de suas atividades por tempo indeterminado. Os postos militares mais elevados eram, em geral, preenchidos por homens que já haviam provado ao rei sua qualidade, ou seja, serviços relevantes prestados, o que costumava ser mais importante do que experiência ou saber de guerra. Em 1648, ao sul do Recife, ocorre uma batalha que pode ser considerada marco na organização de forças locais: sob o comando de André Vidal Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, tropas formadas por brancos locais, indígenas e negros (organizados em destacamentos diferentes) lutaram contra tropas holandesas, formadas igualmente por brancos, negros e índios e lideradas por Domingos Fernandes Calabar e Johan van Dorth. A data da batalha de Guararapes, 19 de abril de 1648, é comemorada como o aniversário do Exército Brasileiro. Com a instalação da corte no Rio de Janeiro, a estrutura militar sofreu nova organização, modernizando-se e ampliando seus estabelecimentos. Foram criadas Academias Militares, indústrias de armas, fábricas de pólvoras, arsenais de guerras e hospitais militares.

[10] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo, mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[11] LANÇA, CHUSO, ESPINGARDA E FLECHAS: lança e chuço são armas de haste, constituídas por uma vara de madeira ou metal longa, com ferro pontiagudo na extremidade, utilizadas para defesa e ataque, sendo ofensivas ou de arremesso, no caso da lança. Trazidas ao Brasil a partir do governo de Tomé de Sousa, em 1549, foram mais usuais nos séculos XVI e XVII. Nos séculos XVIII e primeira metade do XIX, as armas de haste mais utilizadas foram os espontões e as alabardas, cujas lâminas quase sempre eram decoradas, sem o fio da lâmina, pois tinha função decorativa. Espingarda é uma arma de fogo portátil de cano longo, introduzida no Brasil desde o século XVI pelos colonizadores portugueses. Foi utilizada para a ocupação e dominação da colônia, exercendo função de ataque e defesa aos inimigos estrangeiros e aos grupos indígenas. O termo espingarda generalizava as armas de fogo em Portugal desde o início do século XVI. Posteriormente, é substituído pelo termo arcabuz, voltando à nomenclatura original, já no século XVIII, período em que a produção era, em sua maior parte, importada da Inglaterra por Portugal, já que nesse país não havia indústria de armas. Flecha é uma haste longa e fina de madeira com a extremidade pontiaguda, para ser arremessada com um arco. Sua origem remonta períodos longínquos, sendo utilizada por diversos povos. No Brasil, era utilizada pelos indígenas e foi uma arma de ataque e defesa do território desde o período colonial.

[12] ALFORRIA: liberdade concedida aos escravos por meio de carta de alforria, de testamento ou por ocasião do batismo. A carta de alforria podia ser doada pelo senhor ou comprada pelo escravo, que, em alguns casos, trabalhava e juntava o dinheiro correspondente. Outra forma de adquiri-la era através do serviço militar, por meio do recrutamento por seu senhor ou pelo governo português para lutar em batalhas, prática realizada durante o período colonial. O senhor não era obrigado a alforriar seu escravo, mesmo que este fizesse algo para alcançar a liberdade, como trabalhar excessivamente ou dedicar-se de maneira especial ao seu dono. No entanto, havia a possibilidade de obter sua alforria independente da decisão de seu senhor, em situações específicas, como casamento entre escrava e seu senhor e o reconhecimento de paternidade de filho escravo. Algumas alforrias constavam dos testamentos, outras de próprio punho do senhor ou do casal de proprietários, e faziam referência às razões daquele gesto. Esses documentos não garantiam a liberdade do escravo, podendo ser revogadas por motivos como ingratidão ao seu antigo senhor; ao contrário das cartas registradas em cartórios de notas, quando o fim da escravidão ficava garantido. Ainda assim, essa não era a única dificuldade: algumas cartas condicionavam a liberdade às exigências como servir o senhor até sua morte e sua concessão ainda dependia de direitos de sucessão do patrimônio familiar e das avaliações do valor do escravo. As cartas podiam ser revogadas e o indivíduo forro vivia sob essa constante ameaça de sua alforria ser sustada pela alegação de “ingratidão” ao seu antigo senhor ou questionamentos de herança. Mesmo com a carta de liberdade registrada em cartório, o ex-escravo poderia ser obrigado a servir ao senhor após sua morte e arcar com incumbências como o pagamento de dívidas, mandar dizer missas e outras exigências que adiavam a manumissão dos escravos.

[13] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[14] MASCARENHAS, D. LUÍS DE ALMEIDA PORTUGAL SOARES ALARCÃO D' EÇA E MELO SILVA E (1729-1790) - MARQUÊS DO LAVRADIO: 5º conde de Avintes e 2º marquês do Lavradio era filho do 1.º marquês do mesmo título d. Antônio de Almeida Soares e Portugal e de d. Francisca das Chagas Mascarenhas. Governador da Bahia entre 1768 e 1769, conseguiu neste curto período apaziguar os conflitos entre as autoridades locais e restabelecer a ordem na guarnição de Salvador. Sua forma de governar se pautava pela prudência na utilização dos recursos procurando manter suas contas sob estrito controle. Foi nomeado décimo primeiro vice-rei do Brasil em 1769, e seu governo durou 10 anos. Durante este período, a cidade colonial do Rio de Janeiro, que abrigava a sede do vice-reinado, passou por uma série de melhorias, como o aterro de pântanos e lagoas que prejudicavam a qualidade do ar, calçamento e abertura de ruas na parte central (inclusive a que leva seu nome), além de incentivos à produção local de alguns itens como o café e o vinho. Também foi responsável pela fundação da Academia Científica, em 1772, obedecendo à política pombalina de fomento às atividades científicas, que incluiu a remessa de coleções de História Natural e a criação de um horto botânico na cidade. No entanto, ao longo de seu governo, medidas impopulares, implementadas por ordem direta da metrópole, foram adotadas, como: o cumprimento das leis do Livro da Capa Verde do Distrito Diamantino – regulamentação da exploração de diamantes na colônia, editado por iniciativa do marquês de Pombal – e a extinção da Companhia de Jesus. Foi também durante sua administração que a situação de crescente instabilidade na região do Rio da Prata, com ocasionais conflitos armados entre forças espanholas e lusas, demandou providências para contornar a situação, como iniciativas de povoamento da região sul do Brasil e a construção de fortalezas na região, com o envio de guarnições. Em 1779, dois anos depois do falecimento do rei d. José I, o marquês do Lavradio deixou o governo do Brasil, sendo substituído por Luís de Vasconcelos e Sousa. De volta a Portugal, tornou-se conselheiro da Guerra, presidente do Desembargo do Paço, inspetor-geral das tropas do Alentejo e Algarve, veador da rainha e recebeu a Grã Cruz da Ordem de Cristo. A correspondência trocada por ele com outras autoridades e membros da nobreza em Portugal gerou as Cartas da Bahia (1768 a 1769), e as Cartas do Rio de Janeiro (1769-1770) publicadas pelo Arquivo Nacional. A instituição conserva ainda o fundo privado Marquês do Lavradio em seu acervo.

 

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"


Ao tratar dos seguintes temas:

- Estados modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos
- Escravidão no Brasil colonial

 

Diversificação de culturas

Carta do marquês do Lavradio ao marquês de Angeja sobre a remessa de conchas de tatus, conchinhas e búzios, que algumas pessoas consideravam um remédio para "moléstias de pedra". Comenta também sobre os poucos progressos da Academia Botânica e sobre a necessidade de desenvolvê-la para que o comércio baseado no uso das plantas seja iniciado. Finalmente, enumera algumas culturas que principiara durante sua administração, como a da seda e a do trigo.

Conjunto documental: Marquês do Lavradio
Notação: AP-41
Data-limite: 1758-1791
Título do fundo: Marquês do Lavradio
Código do fundo: RD
Argumento de pesquisa: marquês do Lavradio
Data do documento: 5 de outubro de 1772
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): carta nº 389

Carta de Amizade Escrita ao Marquês de Angeja[1] a 5 de outubro de 1772 pelo Corsário Santana Carmo e São José Capitão José Gomes

 

Ilm° e Exm° Sr.

 

(...)

Nesta ocasião não remeto a V. Exª mais que duas conchas de tatus, uma pequena, e outra talvez a maior que V. Exª tenha visto: vão também umas conchinhas, que me parecem célebres, e uns búzios, pequeninos, a que dão o nome de em branco que além da sua galantaria, dizem ser um remédio admirável, para as moléstias de pedra[2], fazendo reduzir alguns destes a pó muito sutil, e tomando algumas pequenas porções dele em água, ou em qualquer outra bebida: (...).

Os progressos da Academia Botânica[3], pouco, posso por ora dizer a V. Exª, mais do que continua a trabalhar-se nela, porém vai isto muito devagar, porque como estas gentes, não têm o interesse que os anime, esmorecem com grande (de) facilidade, e se não fosse um tal ou qual respeito de um Vice-Rei[4], já estaria talvez de toda extinta. (...) Se nossa Corte[5] de lá animar este negócio, creio que não só será de muita glória para a nação, mas também de muita utilidade, porque nas admiráveis plantas que temos, encontramos excelentes bálsamos, gomas, óleos, raízes, cascas[6], e finalmente mil outras cousas maravilhosas, que podem aumentar infinitamente o comércio, (...).

 

O objeto de seda[7] tenho eu já bastantemente principiado; o de fabricar anil[8], que aqui são matos, também já se acha principiado a praticar; o da cultura do trigo[9], para evitar que entre na América imensidade de farinhas que os estrangeiros nos trazem do Norte[10] também já este ano teve princípio nesta CapitaL[11], e espero que para o ano em toda esta Capitania, haja uma grande colheita; para a ilha de Santa Catarina e Rio Grande mandei também a receita do modo de fazer queijos, e a manteiga, que nos poderá também fazer desnecessários estes gêneros que compramos aos estrangeiros, porém isto tudo está muito no princípio, e como são cousas de novo, que estas gentes nunca viram, enquanto não tomam o gosto as utilidades custa muito fazê-los trabalhar, porém com modo, e algum jeito tudo se vai conseguindo. A seda pode ser em tal abundância como V. Exª poderá julgar sabendo que em Portugal, só têm as amoreiras[12] folhas três meses no ano, e na América dez, e que os bichos, produzem à mesma proporção além disto o tamanho da folha, é duas e três partes maior que a nossa de Europa, agora considere V. Exª esta facilidade de produção em um País tão vasto, se será capaz de fornecer todo o preciso para as nossas manufaturas[13], sem o mendigarmos dos estrangeiros, e ainda a estes levarmos o que nos for de sobejo.

 

(...). Rio de Janeiro.

 

Ilm° e Exm° Sr. Marquês de Angeja.

 

Marquês do Lavradio[14].

 

[1] MONIZ, D. JOSÉ XAVIER DE NORONHA CAMÕES DE ALBUQUERQUE DE SOUSA (1741-1811): 6.º conde de Vila Verde e 4.º marquês de Angeja. Filho de uma das principais famílias do reino, rica e influente junto aos monarcas, possuía terras em Vila Verde dos Francos e em Angeja. Casou-se com uma das filhas do 2º marquês do Lavradio, o que lhe trouxe mais influência política, sendo profundo defensor da monarquia e dos reis. Grã-Cruz da Ordem de Santiago e da Torre Espada, Gentil-homem da câmara da rainha d. Maria I, transferiu-se junto com a Corte portuguesa para o Brasil em 1808. Entre as suas atuações na vida pública luso-brasileira destacam-se as suas nomeações como: Conselheiro de Estado e do Conselho Supremo Militar e de Justiça no Rio de Janeiro; presidente da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens; presidente da Junta da Administração do Tabaco, além de ser marechal do exército e governador das armas da Corte.

[2] MOLÉSTIAS DE PEDRA: pedra nos rins, cálculo renal, litíase ou nefrolitíase são formações sólidas compostas pela cristalização de substâncias da urina, que atacam as vias urinárias. Tais moléstias já eram mencionadas em textos médicos desde a antiguidade e a litotomia – intervenção para remoção de pedras – um dos primeiros procedimentos cirúrgicos conhecidos. Podem provocar dores lombares intensas, sangue na urina, suspensão ou diminuição do fluxo urinário, necessidade frequente de urinar e infecções.

[3] ACADEMIA BOTÂNICA: fundada em 18 de fevereiro de 1771 e desativada em 1779, a Academia Científica do Rio de Janeiro foi um espaço de estudo das ciências naturais, debate e socialização de descobertas e informações sobre os recursos naturais do Brasil. Sediada no palácio dos vice-reis, era filiada à Academia Real das Ciências da Suécia. Sua formação se deu sob o patrocínio do vice-rei dom Luís de Almeida Portugal Soares de Alarcão Eça e Melo Silva Mascarenhas, marquês do Lavradio. Foi a primeira academia de ciências no mundo luso-brasileiro, uma vez que as academias organizadas anteriormente eram voltadas à produção de cunho letrado, literária, como a Academia Brasílica dos Esquecidos, de 1724. Formada por médicos, farmacêuticos e cirurgiões entre outros profissionais, a Academia Científica do Rio de Janeiro teve como primeiro presidente o médico José Henriques Ferreira. À Academia coube ainda a manutenção de um horto botânico. A associação ressurgiu em 1786 sob a égide do vice-rei d. Luis de Vasconcelos e Souza como Sociedade Literária do Rio de Janeiro, vindo a sofrer devassa em 1794, na administração do conde de Resende, acusada de conspirar contra a Coroa e a Igreja.

[4] VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).

[5] PORTUGAL: país situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[6] BÁLSAMOS, GOMAS, ÓLEOS, RAÍZES, CASCAS: Produtos usados como medicamentos no Brasil colonial. Dentre estes grupos, destacam-se também os fungos, flores, frutas, sementes, minerais, cozimentos, conservas, unguentos, entre outros, que eram comercializados pelos boticários e pelos droguistas responsáveis pela sua produção e circulação na colônia, sob a inspeção do físico-mor. Esses agrupamentos eram ainda exportados, já que muitos formavam gêneros característicos da colônia, não existindo em outras partes do mundo. A partir da segunda metade do século XVIII, esses itens foram ainda mais valorizados pelas autoridades luso-brasileiras, conforme as diretrizes metropolitanas de fomento à exploração científica da natureza.

[7] SEDA: fibra natural bastante resistente, de origem animal, usada na fabricação de tecidos comercialmente valorizados. É obtida a partir do casulo do bicho-da-seda – um inseto cujo ciclo de vida é formado por quatro estágios morfológicos: ovo; lagarta ou larva; pupa ou crisálida e adultos. Na fase larvar, produz o fio de seda ao redor de seu corpo, formando o casulo que é transformado em fios e tecidos. A China é considerada o berço da sericicultura. Acredita-se que os chineses começaram a produzir seda por volta do ano 2700 a.C. Seriam os gregos, durante o período de expansionismo, que levariam o luxuoso tecido para o continente através da rota da seda – caminhos que ligavam a Europa ao Oriente. Tais rotas tinham um tráfego comercial intenso desde o século III a.C. e receberam esse nome pois, dentre todos os produtos que eram negociados, a exemplo do jade, especiarias, folhas de chá, incenso e algodão, a seda tornou-se o mais procurado. Os europeus só conseguiriam produzir a seda, desvendando o mistério em torno de sua fabricação. A princípio acreditavam que o fio era proveniente da fibra de uma árvore. Em 552 o Imperador Justiniano enviou dois monges à China, com o objetivo de descobrir o processo de confecção do tecido, que retornaram com ovos do bicho-da-seda em sua bagagem. A cultura da seda ou sericicultura foi uma atividade econômica de grande importância para Portugal até meados do século XX, quando entrou em decadência. Entre as mais de 500 espécies de bichos-da-seda em estado selvagem destaca-se a domesticação dos bichos-da-seda da amoreira, Bombyx mori (Linnaeus, 1758), que tinham nas folhas dessa árvore em Portugal o seu único alimento com o objetivo de produzir o fio da seda. As amoreiras foram objeto de trabalhos científicos e memórias como a "Instrução sobre a cultura das amoreiras, e criação dos bichos da seda: dirigida a conservação, e aumento das manufaturas da seda", do padre Rafael Bluteau, publicada em 1679 (AZEVEDO, Jorge et alii. História da sericicultura em Portugal. Origem e utilização atual dos bichos-da-seda e da seda. 1º Encontro de História da Ciência no Ensino, 2015. https://www.researchgate.net/publication/277403873). No século XVIII, houve tentativas de introdução da cultura da amoreira na América portuguesa para a criação do bicho-da-seda principalmente pelo marquês do Lavradio. Porém o projeto não prosperou, em grande parte devido à assinatura, em 1703, de um tratado com a Inglaterra obrigando as colônias portuguesas a importar tecidos ingleses, o que protelou o surgimento da indústria brasileira

[8] ANIL: as anileiras designam uma grande variedade de espécies, a maior parte delas pertencentes ao gênero botânico Indigofera. Arbusto típico das regiões de clima tropical, de cujas folhas se obtinha uma tintura azul altamente cobiçada pela indústria têxtil até o século XIX, quando foi substituído pelo anil sintético. No Brasil, as primeiras tentativas de cultivo ocorreram entre os séculos XVII e meados do XVIII com pouco sucesso. A intensificação dessa produção se deu a partir da segunda metade do Setecentos, principalmente devido à promoção do cultivo a partir do governo do marquês do Lavradio (1760), no âmbito da política fomentista do marquês de Pombal, quando é promovida a produção do anil na capitania do Rio de Janeiro Além do declínio aurífero e do incentivo à atividade agrícola, a Revolução industrial inglesa gerou um mercado propício à exportação do anil, cujo auge foi alcançado na década de 1790, quando o monopólio real foi relaxado. Devido ao reavivamento promovido pela Inglaterra na indústria indiana e às guerras napoleônicas, o anil produzido no Brasil sofreu forte concorrência e deixou de ser exportado a partir de 1818.

[9] TRIGO: gramínea cujo grão está presente na alimentação da humanidade e de animais desde a surgimento da agricultura, cuja origem provável é o Oriente Médio. Da Mesopotâmia, o trigo se espalhou pelo mundo, chegando à Europa durante o expansionismo romano. E, através das navegações do século XVI, os europeus levariam o trigo ao Novo Mundo. Chegou às terras brasileiras em 1534, trazido por Martim Afonso de Souza, que desembarcou na capitania de São Vicente. O clima quente dificultou a expansão da cultura, sendo seu consumo restrito, já que havia também uma preferência pela farinha de mandioca. A partir do século XVIII, começou a se expandir comercialmente para o sul da colônia.

[10] EUROPA: parte ocidental do supercontinente eurasiático, é limitada a norte pelo oceano Glacial Ártico, a oeste pelo oceano Atlântico, a sul pelo mar Mediterrâneo, pelo mar Negro, pelas montanhas do Cáucaso e pelo mar Cáspio, e a Leste, pelos Montes Urais e pelo Rio Ural. É o menor dos cinco continentes do mundo, contudo, o mais densamente povoado. A despeito da hegemonia europeia no mundo por muitos séculos, o continente apresenta grande diversidade de formações políticas, de desenvolvimento científico e sensíveis desigualdades econômicas, sendo esse desequilíbrio uma das características marcantes na história de Portugal e seu império ultramarino, na qual contrasta, para alguns autores, a frágil posição do reino no contexto europeu e sua força na expansão e conquista. . Conhecida como “Velho Mundo” desde o período das grandes navegações do século XV e XVI – em função do termo “Novo Mundo”, descoberto no período –, irradiou pelo globo sua cultura e mesmo uma narrativa histórica predominante, sobretudo no continente americano, onde Estados europeus fundaram colônias. As principais mudanças na vida política, econômica, social e cultural da Europa repercutiam poderosamente na América. Foi o caso do movimento iluminista de contestação do antigo regime absolutista na Europa, cujos princípios serviram de base teórica para a Revolução norte-americana, e para os movimentos liberais, como a Revolução Pernambucana de 1817, que eclodiram no Brasil em fins do século XVIII até o século XIX.

[11] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[12] AMOREIRA: árvore frutífera originária da Ásia, a espécie Morus Alba (amoreira-branca), natural da China, é a mais indicada para a sericicultura. As amoreiras foram introduzidas na Península Ibérica pelos mouros, ainda no século VIII, para o cultivo do bicho-de-seda, que se alimenta exclusivamente de suas folhas. No entanto, foi no século XVII que o governo português adotou importantes medidas para impulsionar o cultivo de amoreiras, a instalação de fábricas de seda no Reino e a vinda de artífices italianos para o aperfeiçoamento do fabrico do tecido. O cultivo da árvore e a criação do bicho-da-seda foram atividades de grande interesse de naturalistas e autoridades lusas, gerando também alguns estudos científicos sobre o tema. Membro de diversas academias lusas e autor do Vocabulário português e latino, o padre francês Rafael Bluteau elaborou, em 1679, uma Instrução sobre a cultura das Amoreiras e Criação dos Bichos da Seda, primeiro livro escrito em português acerca da sericicultura, com o objetivo de incrementar o plantio de amoreira e o consequente aumento na produção de seda portuguesa, atividade extremamente lucrativa. No Brasil, o estímulo ao cultivo das amoreiras deu-se em decorrência da crise do ouro e da procura de novas riquezas, sobretudo aquelas provenientes da agricultura. Na segunda metade do século XVIII, no governo do marquês do Lavradio, houve fomento ao cultivo da espécie. No Horto Botânico do Rio de Janeiro, foram plantadas amoreiras, destinadas à produção de bicho-da-seda para abastecer as fábricas de tecidos em Portugal. Consta que d. João, em 1808, também teria trazido mudas da árvore para plantio no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Porém, a sericicultura brasileira só deu os primeiros passos como atividade agrícola e industrial no reinado do imperador d. Pedro II com a criação da Companhia Seropédica Fluminense.

[13] MANUFATURA: o termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[14] MASCARENHAS, D. LUÍS DE ALMEIDA PORTUGAL SOARES ALARCÃO D' EÇA E MELO SILVA E (1729-1790) - MARQUÊS DO LAVRADIO: 5º conde de Avintes e 2º marquês do Lavradio era filho do 1.º marquês do mesmo título d. Antônio de Almeida Soares e Portugal e de d. Francisca das Chagas Mascarenhas. Governador da Bahia entre 1768 e 1769, conseguiu neste curto período apaziguar os conflitos entre as autoridades locais e restabelecer a ordem na guarnição de Salvador. Sua forma de governar se pautava pela prudência na utilização dos recursos procurando manter suas contas sob estrito controle. Foi nomeado décimo primeiro vice-rei do Brasil em 1769, e seu governo durou 10 anos. Durante este período, a cidade colonial do Rio de Janeiro, que abrigava a sede do vice-reinado, passou por uma série de melhorias, como o aterro de pântanos e lagoas que prejudicavam a qualidade do ar, calçamento e abertura de ruas na parte central (inclusive a que leva seu nome), além de incentivos à produção local de alguns itens como o café e o vinho. Também foi responsável pela fundação da Academia Científica, em 1772, obedecendo à política pombalina de fomento às atividades científicas, que incluiu a remessa de coleções de História Natural e a criação de um horto botânico na cidade. No entanto, ao longo de seu governo, medidas impopulares, implementadas por ordem direta da metrópole, foram adotadas, como: o cumprimento das leis do Livro da Capa Verde do Distrito Diamantino – regulamentação da exploração de diamantes na colônia, editado por iniciativa do marquês de Pombal – e a extinção da Companhia de Jesus. Foi também durante sua administração que a situação de crescente instabilidade na região do Rio da Prata, com ocasionais conflitos armados entre forças espanholas e lusas, demandou providências para contornar a situação, como iniciativas de povoamento da região sul do Brasil e a construção de fortalezas na região, com o envio de guarnições. Em 1779, dois anos depois do falecimento do rei d. José I, o marquês do Lavradio deixou o governo do Brasil, sendo substituído por Luís de Vasconcelos e Sousa. De volta a Portugal, tornou-se conselheiro da Guerra, presidente do Desembargo do Paço, inspetor-geral das tropas do Alentejo e Algarve, veador da rainha e recebeu a Grã Cruz da Ordem de Cristo. A correspondência trocada por ele com outras autoridades e membros da nobreza em Portugal gerou as Cartas da Bahia (1768 a 1769), e as Cartas do Rio de Janeiro (1769-1770) publicadas pelo Arquivo Nacional. A instituição conserva ainda o fundo privado Marquês do Lavradio em seu acervo.

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático do ensino fundamental do 3º Ciclo "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- Ao trabalhar o tema transversal "meio ambiente"

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

 

- Economia colonial
- Práticas sociais e do trabalho
- Brasil colonial: culturas naturais e seu comércio

 

Repressão à heresia

Carta do marquês do Lavradio a Paulo de Carvalho e Mendonça descrevendo como pôs fim à ação de uma profetisa e de alguns "pregadores indiscretos" que se manifestaram sobre os abalos sísmicos ocorridos na noite do dia 1º de agosto de 1768 na Bahia. Esses religiosos discursaram sobre o fenômeno, remetendo ao ocorrido em Lisboa em 1° de novembro de 1755 e ao fim do mundo.

Conjunto documental: Marquês do Lavradio
Notação: AP-41
Data-limite: 1758-1791
Título do fundo: Marquês do Lavradio
Código do fundo: RD
Argumento de pesquisa: marquês do Lavradio
Data do documento: 1º de maio de 1769
Local: Bahia
Folha(s): carta nº 78

Carta de Amizade escrita a Paulo de Carvalho[1] em o 1° de maio de 1769 pelo Navio Nossa Senhora do Livramento.

 

(...).

Vejo o desacordo do miserável Bispo de Coimbra[2], não sei já quanto havemos ver extinto o abominável fanatismo[3]; porém como ele tinha criado raízes muito fundas estas custam muito mais a arrancar; nesta Capitania graças a Deus estou livre desta peste. Já aqui tive uma ocasião de querer aparecer uma profetiza, e alguns pregadores indiscretos porém de estado os fiz acabar, e contarei o caso; sentindo-se na noite do primeiro de agosto de 1768 às nove horas para as dez um grande abalo de terra, repetindo este segunda vez pelas onze horas se amotinou com o susto todo este povo[4], abandonando as casas, e saindo para os campos, entraram a espalhar-se as mesmas vozes que em Lisboa[5], de mar, de fogo, e finalmente que se acabava o mundo, saí imediatamente por toda a parte por onde estava o povo, e logo encontrei um pregador querendo absolver a todos, fazendo grandes exclamações, e dizendo mil ignorâncias, imediatamente o mandei calar, dizendo se tinha ordem do Prelado, ou do Governo, para de noite andar fazendo aquelas exclamações públicas, que se tornasse mais a desanimar-me o povo, que eu o havia de recolher aonde ele mais não aparecesse; substituí-me eu no lugar do pregador, e com tão bom fruto, que quando eram duas horas da noite se achavam quase todos recolhidos em casa, porque eu não vim para a minha sem que tudo ficasse no mesmo sossego em que estava antes de sentir o abalo; passados alguns dias chegou-me notícia de que uma freira dizia que o castigo não parava aí; mandei à prelada que a metessem em um cárcere a pão e água por uns poucos de dias, e que se tornasse a profetizar, que eu a meteria em prisão muito mais rigorosa, até que eu visse cumprida a sua profecia; isto os atemorizou, e emendou de tal forma, que não há nem fumos desta maganagem, e assim espero que venha a suceder na Europa, em se acabando de persuadir que as gentes já não são tão tolas, nem tão ignorantes, como os abomináveis jesuítas[6] nos tinham feito; Deus nos ponha em sossego que já não há paciência para sofrer semelhante casta de gente. (...).

Marquês do Lavradio[7]

Exmo e Revmo Sr. Paulo de Car

 

[1] MENDONÇA, D. PAULO ANTÔNIO DE CARVALHO E (1702-1770): clérigo português, irmão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, e de Francisco José de Mendonça Furtado, foi monsenhor da Sé patriarcal de Lisboa, chegando a ser presidente do Conselho da Santa Inquisição e inquisidor-geral de Portugal. Sob sua jurisdição, o padre jesuíta Gabriel Malagrida foi condenado à morte por heresia e os jesuítas foram expulsos de Portugal e suas colônias (1759). Foi ainda presidente da Câmara do Senado de Lisboa (1764), e muito próximo do rei d. José I e da rainha d. Mariana Vitória de Bourbon, de quem foi secretário e gestor de propriedades. Nomeado cardeal pelo papa Clemente XIV, não chegou a receber a nomeação, pois faleceu antes.

[2] ANUNCIAÇÃO, D. MIGUEL DA (1703-1779): 16º conde de Arganil, 51º bispo de Coimbra, exerceu o bispado de 1741 a 1779. Em 1768, fora condenado pelo crime de lesa-majestade pelo Tribunal do Desembargo do Paço, pena cumprida até 1777, quando d. Maria I decretou sua libertação e a restituição do cargo. A acusação que lhe fora imputada estava relacionada com a publicação de uma pastoral, datada de 8 de novembro de 1768, pela qual criticava a conjuntura social, política e econômica de Portugal, muito aquém da época do rei d. Manoel, período de grande desenvolvimento do país. Também proibia em sua diocese a leitura de livros, de conteúdo herético em relação à doutrina católica, dentre eles, os de Luis Elias Dupin e de Justino Febronio. Entre seus escritos, foi encontrada uma obra dos jacobeus, seita criada pelo frei Francisco da Anunciação, religioso da ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. A resistência à autoridade da Real Mesa Censória, que acusava o bispo de possuir ideias de cunho jesuíta e jacobeu, já que as mesmas iam de encontro às medidas centralizadoras do conde de Oeiras, futuro marquês de Pombal, levou ao processo e à prisão do religioso.

[3] ABOMINÁVEL FANATISMO: a expressão, característica do período pombalino, remete à Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola, em 1540, marcada por uma severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja. O grande poder acumulado pelos jesuítas ao longo dos anos, sobretudo na América portuguesa, foi contestado durante a administração pombalina (1750-1777), que resultou em um conflito de interesses com a Coroa. Pombal buscou, ao longo de seu ministério, submeter efetivamente a Igreja aos interesses do Estado, além de reformar e modernizar aspectos da administração pública lusitana, a fim de otimizar os lucros da Coroa. Nesse contexto de reformas, os inacianos foram eleitos como representantes da tradição a ser combatida, retrógrados e fanáticos que impediam qualquer progresso e renovação pautados pelos ideais ilustrados, dos quais Pombal e seus aliados se consideravam representantes. A reforma do sistema de ensino português foi emblemática nesse sentido, pois pretendia a substituição do método escolástico dos jesuítas – que predominava até então nas instituições de ensino – por uma lógica pautada no pensamento racional e na experimentação. A reforma da Universidade de Coimbra foi o grande representante da secularização educacional pretendida. Esse conflito entre Igreja e Estado levou à expulsão da Companhia de Portugal e seus domínios em 1759.

[4] TODO ESSE POVO [RELIGIOSIDADE POPULAR]: a religiosidade popular no Brasil desenvolveu-se a partir do sincretismo de variadas práticas religiosas, principalmente as dos negros africanos, ameríndios e brancos católicos. O processo colonizador perpetrado pela coroa portuguesa envolveu a participação primordial da Igreja Católica, principalmente através da Companhia de Jesus, ordem responsável pela propagação da religião e instrumento civilizador. A religiosidade foi assimilada e construída pelos colonos de forma independente do catolicismo oficial, afastando-se dos dogmas e hierarquização impostos, agregando rituais e cosmovisões característicos das culturas aqui disseminadas. No período colonial, o distanciamento da metrópole e a escassez de párocos e templos fomentaram práticas heterodoxas, principalmente no âmbito privado. Muitos recorriam a remédios e rituais mágicos para sanarem doenças e problemas cotidianos. No espaço público, as manifestações tendiam ao extremo, demonstrando piedade exagerada para fugir da vigilância da Inquisição, muitas vezes não condizendo com a vida diária. Em Portugal, a religiosidade popular apresentava especificidades, em função de como o catolicismo fora desenvolvido por lá, a partir da base cultural característico do país, atrelado ao caráter rural, que levaram à proximidade com os ritos pagãos e místicos, traços transportados para o Brasil. Exemplo forte desta característica é o sebastianismo, crença oriunda do século XVI, mas que permeou o imaginário português chegando até o Brasil, perdurando até o século XIX. O sebastianismo nasceu em função do desaparecimento do corpo do rei d. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, contra os mouros, em 1578. Desde então, os portugueses desenvolveram a crença no seu retorno. A ideia do advento de um rei libertador, não se limitou à fé no regresso de d. Sebastião, envolvendo, também, um conjunto de temas messiânicos sucessivamente reelaborados em contextos de crise e de indefinição política em Portugal.

[5] MESMAS VOZES QUE EM LISBOA: a destruição provocada pelo terremoto ocorrido no dia 1º de novembro de 1755, na cidade de Lisboa, gerou polêmicas sobre sua origem. As causas do terremoto estiveram sujeitas a interpretações de cunho científico e religioso, fomentando conjecturas que atribuíam tanto a um fenômeno natural quanto à ira divina. Esta última foi apregoada, principalmente, pelos inacianos, como o padre Gabriel Malagrida, provocando embates entre eles e o marquês de Pombal. O abalo sísmico gerou maremotos e fora sentido em grande parte da Europa e norte da África. A cidade de Lisboa foi a mais afetada, com perdas humanas - cerca de 15000 pessoas morreram, e materiais, criando um quadro de catástrofe. Uma crise econômica, social e política foi gerada no governo de d. José I, momento em que o marquês de Pombal assumiria a incumbência de reconstruir a cidade.   

[6] JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[7] MASCARENHAS, D. LUÍS DE ALMEIDA PORTUGAL SOARES ALARCÃO D' EÇA E MELO SILVA E (1729-1790) - MARQUÊS DO LAVRADIO: 5º conde de Avintes e 2º marquês do Lavradio era filho do 1.º marquês do mesmo título d. Antônio de Almeida Soares e Portugal e de d. Francisca das Chagas Mascarenhas. Governador da Bahia entre 1768 e 1769, conseguiu neste curto período apaziguar os conflitos entre as autoridades locais e restabelecer a ordem na guarnição de Salvador. Sua forma de governar se pautava pela prudência na utilização dos recursos procurando manter suas contas sob estrito controle. Foi nomeado décimo primeiro vice-rei do Brasil em 1769, e seu governo durou 10 anos. Durante este período, a cidade colonial do Rio de Janeiro, que abrigava a sede do vice-reinado, passou por uma série de melhorias, como o aterro de pântanos e lagoas que prejudicavam a qualidade do ar, calçamento e abertura de ruas na parte central (inclusive a que leva seu nome), além de incentivos à produção local de alguns itens como o café e o vinho. Também foi responsável pela fundação da Academia Científica, em 1772, obedecendo à política pombalina de fomento às atividades científicas, que incluiu a remessa de coleções de História Natural e a criação de um horto botânico na cidade. No entanto, ao longo de seu governo, medidas impopulares, implementadas por ordem direta da metrópole, foram adotadas, como: o cumprimento das leis do Livro da Capa Verde do Distrito Diamantino – regulamentação da exploração de diamantes na colônia, editado por iniciativa do marquês de Pombal – e a extinção da Companhia de Jesus. Foi também durante sua administração que a situação de crescente instabilidade na região do Rio da Prata, com ocasionais conflitos armados entre forças espanholas e lusas, demandou providências para contornar a situação, como iniciativas de povoamento da região sul do Brasil e a construção de fortalezas na região, com o envio de guarnições. Em 1779, dois anos depois do falecimento do rei d. José I, o marquês do Lavradio deixou o governo do Brasil, sendo substituído por Luís de Vasconcelos e Sousa. De volta a Portugal, tornou-se conselheiro da Guerra, presidente do Desembargo do Paço, inspetor-geral das tropas do Alentejo e Algarve, veador da rainha e recebeu a Grã-cruz da Ordem de Cristo. A correspondência trocada por ele com outras autoridades e membros da nobreza em Portugal gerou as Cartas da Bahia (1768 a 1769), e as Cartas do Rio de Janeiro (1769-1770) publicadas pelo Arquivo Nacional. A instituição conserva ainda o fundo privado Marquês do Lavradio em seu acervo.

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- Ao trabalhar o tema transversal "Pluralidade cultural"
- No eixo temático sobre "História das representações e das relações de poder"

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais
- As relações sociais de dominação na América

 

Brasil colonial: religião e sociedade

Fim do conteúdo da página