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Império Luso-Brasileiro

Judeus e Cristãos Novos

Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 20h05 | Última atualização em Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 20h05

  • Judeus e cristãos no mundo luso-brasílico

     Angelo Adriano Faria de Assis
    Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense



    Há referências da significativa presença de judeus na Península Ibérica desde a Antiguidade, conforme se pode perceber pelos planos projetados de uma viagem à Hispânia por Paulo de Tarso (Rom. 15,24). Durante séculos, os judeus conviveram em Portugal e Espanha sem maiores problemas, mesclados com cristãos e mouros, enquanto em outras regiões da Europa ocorriam com certa freqüência episódios de perseguição, apontados os judeus como deicidas – responsabilizados pelo assassínio do Messias cristão. Desde a fundação do reino português com Afonso Henriques, em 1185, regulamentava-se, via legislações monárquicas, os negócios civis de cristãos, mouros e judeus, beneficiando e protegendo cada um dos grupos, de acordo com as contingências e os interesses envolvidos. O aumento das perseguições aos judeus na Europa e as pressões sociais dela decorrentes, assim como o processo de Reconquista espanhol, concluído em 1492, que expulsou os judeus de seus territórios, mudariam este quadro.

    Poucos anos depois, os interesses do monarca português acabariam por implementar o monopólio católico no reino, pressionado pelos monarcas espanhóis, que exigiam a expulsão dos judeus de Portugal como parte do acordo matrimonial envolvendo as duas cortes. Em dezembro de 1496, d. Manuel (1495-1521) fixaria um prazo de dez meses para que os judeus deixassem o reino. Ciente, porém, da perda financeira e de mão-de-obra especializada com a saída dos judeus, tentava convencê-los à conversão ao cristianismo, oferecendo-lhes vantagens aos que escolhessem ficar. Findo o prazo, os judeus que insistiam em deixar o reino acabariam batizados em pé e à força. Expulsos, porém proibidos de sair, seriam transformados oficialmente em cristãos: cristãos-novos, vale dizer, para diferenciá-los dos cristãos de família tradicional, ditos puros ou velhos. Embora oficialmente cristãos, muitos ex-judeus e seus descedentes continuavam a comungar a fé proibida dos antepassados.

    Sem permissão para o funcionamento de sinagogas, sem rabinos reconhecidos, impedidos da leitura dos textos sagrados do judaísmo, proibida a celebração do calendário judaico, uma parcela dos cristãos-novos continuaria a judaizar ocultamente, no mais das vezes no silêncio do lar, em família, adaptando a antiga crença às possibilidades de dissimulação e impedimentos oficiais. Judeus ocultos, criptojudeus, apontados como a principal ameaça ao catolicismo e causa primaz para a instauração do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal a partir de 1536 e, conseqüentemente, suas principais vítimas: cerca de 80% dos mais de quarenta mil processos da documentação inquisitorial portuguesa envolve cristãos-novos, em grande parte, acusados de judaísmo. 

    Pressionados pela estruturação dos trabalhos inquisitoriais em Portugal, muitos cristãos-novos optariam por imigrar para outras regiões do mundo português, sendo o Brasil em formação, uma das preferidas, onde encontravam-se mais distantes das perseguições religiosas vividas no Reino, e podendo participar do desenvolvimento econômico da luso-américa, envolvidos nos mais diversos âmbitos, alcançando destaque na produção e comércio do açúcar. A América portuguesa não possuiu tribunais inquisitoriais estabelecidos. Nem por isso estaria livre da ação inquisitorial, ficando sob o controle do Tribunal de Lisboa, responsável pelas possessões de além-mar (exceção à Goa, nas Índias, que tinha seu próprio tribunal), e receberia visitações esporádicas, de acordo com as necessidades. Encontram-se publicadas as documentações conhecidas sobre três visitações: entre 1591-95 (Bahia, Pernambuco, Itamacará e Paraíba), 1618-20 (Salvador e Recôncavo baiano) e 1763-69 (Grão Pará e Maranhão). De acordo com a gravidade das denúncias ou confissões, os réus eram enviados para o Tribunal de Lisboa, onde eram processados e, caso fossem considerados culpados, ouviriam suas penas, que podiam ir de uma simples admoestação dos inquisidores à – no limite – condenação à fogueira. 

    A Inquisição começaria a perder força durante o período de governo de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, principal ministro do reinado de d. José I (1750-1777), movido pelo interesse de criar um Estado secular fortalecido e que tivesse a Igreja sob firme controle. A seu mando, deixaram de existir, em 1773, a distinção entre cristãos velhos e cristãos-novos e as vantagens sociais dela decorrentes. A Inquisição acabaria secularizada, retirando-lhe o poder de atuação como tribunal independente e tornando-a dependente do governo, passando as propriedades confiscadas pelo Santo Ofício a fazer parte do Tesouro Nacional. Da mesma forma, revogaria os autos-de-fé públicos (espetáculos que demonstravam o alcance e poder do Tribunal da Inquisição) e nomearia um seu irmão para o cargo de inquisidor-geral. Em 1821, como conseqüência das revoluções liberais que varriam a Europa, seria enfim extinto o Santo Ofício em Portugal, e restabelecidos “todos os direitos, liberdades e privilégios que haviam sido concedidos aos judeus pelos antigos Reis do país”[1].
     

    As fontes documentais existentes no Arquivo Nacional

    Embora em pequena quantidade, as fontes existentes no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro sobre judeus e cristãos-novos primam pela riqueza e importância. Constituem-se de fontes oficiais, como ordens régias, alvarás, correspondências, ocorrências policiais e livros de memória, referindo-se a momentos distintos do problema judaico em Portugal. Um primeiro grupo de documentos diz respeito ao período de instauração, estruturação e apogeu da Inquisição, momento este em que a ameaça criptojudaica – pela própria proximidade temporal com o período anterior de livre crença – é mais pulsante e eminente. Um segundo grupo documental, abrangendo a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, trata do alvorecer de uma nova etapa sobre a presença de judeus e cristãos-novos no mundo português, iniciada com as medidas pombalinas e pelo processo gradual de enfraquecimento do Santo Ofício no Reino.

    Entre as fontes documentais concernentes ao primeiro momento, destacam-se ordens, alvarás e regimentos do reinado de d. Sebastião (1556-1578) e do domínio filipino (1580-1640) sobre Portugal. Em regimento de 1572, d. Sebastião disciplinava o modo de julgamento recomendável aos juízes das confiscações pelo crime de heresia e apostasia, ordenando que o juiz das confiscações seja “pessoa de boa consciência e letras”, da confiança do monarca, “sem raça alguma de mouro ou judeu”. De acordo com o regimento, uma vez avisado da prisão de alguém pelos inquisidores, o juiz das confiscações deveria ir à casa dos acusados com o escrivão ou tabelião, tomando todas as chaves das casas e arcas e ordenando aos escrivães que inventariassem os bens móveis e de raiz. Caso possuíssem peças de ouro ou prata, seriam avaliadas juntamente com as dívidas. O inventário completo, “todo o dinheiro, peças de ouro, prata e pedrarias” deveria ser entregue a “pessoa abonada” responsável por sua guarda[2]. Em alvará de 1574 destinado a Gaspar de Souza, governador do Rio de Janeiro, o monarca ordenava que não fosse remetido aos cristãos-novos estabelecidos no Brasil nenhuma espécie de ofício, fosse da Justiça, Fazenda, Ordenança, exercício militar ou regimento das terras. Já a ordem régia de 1587 proibia os da “nação dos cristãos-novos, assim naturais como estrangeiros”, de saírem do Reino, “por mar, nem por terra” durante três anos, salvo com licença real ou pagamento de fiança. Tal ordenação teria sido motivada por informação recebida em épocas de D. Manoel, de que alguns cristãos-novos iam para “lugares d’além” com suas “casas movidas”, para dali passarem à “terra de mouros” ou “terra de Infiéis” e retornarem a professar a religião judaica, donde “livremente pudessem viver em suas heresias”[3]. Esta lei seria revogada por ordem régia de Felipe II (1598-1621) em 1601, permitindo que os neoconversos deixassem o Reino com suas famílias e “casas movidas” sem licença régia[4].

    Outro documento, datado de 1728, demonstrava a importância das leis de pureza de sangue, que desaconselhavam a miscigenação entre cristãos velhos e novos no mundo português ao proibir a ascensão social e o acesso de descendentes da “gente da nação” a cargos públicos ou de destaque. Em ordem régia para o governador de Angola, o monarca d. João V (1706-1750) estabelecia que se fizesse entender ao secretário do Estado e Reino de Angola, João José de Lima, que este deveria casar-se “com pessoa limpa e sem defeito de cristã-nova, ou mulata”, caso contrário, perderia seu ofício[5].

    No segundo grupo documental, encontramos referências ao reaparecimento de judeus em Portugal, embora oficialmente só fossem novamente aceitos no reino a partir de 1821. Parece, deste modo, tratar-se de cristãos-novos que, após a abolição da distinção entre cristãos novos e velhos feita por Pombal e encorajados pelo enfraquecimento da Inquisição no reino, por um lado, voltavam a fazer referência à sua herança judaica e, por outro, padeciam da continuidade dos preconceitos dos cristãos velhos contra os descendentes da nação, taxados pejorativamente de judeus.
    Na coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos, estão depositadas as memórias e reflexões de D.ingos Vandelli sobre o problema judaico na Europa e em Portugal. Os textos de Vandelli, escritos entre fins do século XVIII e início do XIX, dão mostra da preocupação do autor com os rumos da economia portuguesa, apresentando sugestões para a solução da crise e a retomada de novos tempos de prosperidade. Vandelli discorre sobre a relação entre os judeus, o Estado e a Igreja Católica pela história, justificando a expulsão deles da Espanha e de Portugal em conseqüência de um ‘mal entendido’ dos Reis Católicos, bem como por razões políticas do rei d. Manoel. Para o autor, os problemas então enfrentados pelos judeus em outras regiões da Europa, como Polônia, Holanda e Itália, tornavam favorável a ocasião para Portugal, em vantagem da povoação, indústria, comércio e riquezas – “pelo seu clima, situação, riqueza do terreno e das colônias se pode considerar o melhor da Europa para aproveitar-se da geral desordem” – para convidar os judeus a restabelecerem-se em seus territórios, inclusive com alguns dos privilégios gozados no momento anterior à expulsão, visto que as famílias hebréias “trazem origem deste reino, e pelo qual sempre conservaram especial amor e saudade”, segurando “as suas pessoas e bens de qualquer insulto, castigo e opressão por causa de religião”. Em troca, os judeus obrigar-se-iam a auxiliar o Reino com um empréstimo conseguido dentre as várias sociedades que possuíam na Europa, Àfrica e Ásia, hipotecando-lhes, como garantia, as ilhas de São Tomé e Príncipe, “que os mesmos em outros tempos fizeram florescer com os muitos engenhos de açúcar, anil, canela e pimenta”[6].

    Já em inícios do século XIX, apesar das proibições religiosas ainda vigentes, os descendentes de judeus realizavam celebrações públicas de sua fé. Na documentação da Secretaria de Estado do Ministério do Reino, encontra-se uma série de documentos da comarca de Faro, datada de outubro de 1813. Inconformado com o que considerava como “notório e provado risco da conservação da pureza da mesma fé católica”, o bispo do Algarve requisitaria maior vigilância sobre os “judeus”, posto que alguns viviam com mulheres católicas e vestiam trajes vulgares e europeus para se confundirem com os católicos. Reclamava ainda que os judeus, que tinham “inundado” a cidade, estivessem juntando canas verdes para celebrarem suas “infames” solenidades. Prova disto é que teriam enviado carta de solicitação ao bispo de uma licença para a realização da festa das cabanas (sukot), que deveria principiar no dia 8 de setembro, sendo celebrada por oito dias.

    A celebração teria início com a construção de uma barraca no quintal de suas casas com canas verdes, para na mesma comerem e beberem, sem a presença de outros que não os próprios judeus. Pelo que deixa transparecer a documentação, não seria a primeira vez que a tradicional festa judaica era realizada na região, posto que o bispo alegava temer que, como ocorrido em outro ano, fosse permitida a entrada de mulheres e homens livremente naquela festa. Além de proibir a realização da festa, o bispo ainda prenderia o requerente à espera do juízo do príncipe-regente sobre o assunto, a quem comunicava os fatos: “descaradamente pretendem de mim uma licença formal para a celebração infame da referida festa. Notável arrojo, na verdade! E tão novo que, quanto a mim, é a primeira vez praticado; pois nunca ouvi que os judeus em algum tempo, quisessem que os bispos da Igreja Católica autorizassem os seus feitos, festas, e cerimônias com amplas licenças, dadas sob suas firmas. É grande o ataque que me foi feito, mas eu mais atendo ao da sagrada religião, que professamos e ao bem da Igreja Católica em geral e, particularmente, do Algarve, cuja catedral, por misericórdia de Deus, estou ocupando, pelo que ameaça os meus diocesanos e vassalos fiéis de Vossa Alteza Real perigo evidente, pelos péssimos exemplos que lhes dão os judeus, com quem comunicam de tão perto, chegando já alguns espíritos fracos a gostar dos procedimentos daquela nação infecta, e principalmente mulheres, que se lhes vão prostituindo, e eles atraem com dinheiro (...) para tão depravados fins”.

    Em parecer, o príncipe-regente d. João VI aprovaria os atos do bispo quanto à proibição das festividades, aconselhando-o a fazer lembrar aos seus diocesanos que a religião católica proibia seus seguidores de assistirem “a tão reprovadas” cerimônias, e deixava ao juízo do bispo praticar o que lhe parecesse mais justo com relação ao judeu detido[7].

    O mais recente destes documentos diz respeito ainda ao período de permanência da Corte no Rio de Janeiro, dando sinais de que o problema dos judeus não se limitava ao Reino. Nos registros da Polícia da Corte, encontramos documento, datado de 07 de janeiro de 1821, contendo informações sobre a entrada do judeu João Manuel no hospital da Misericórdia para realizar exame de corpo de delito e abrir devassa, inclusive com a convocação das testemunhas do caso, visto que teria sido agredido por João dos Santos na venda de João Carneiro, que funcionava dentro da fazenda de um certo Luiz Antônio de Faria Sousa Lobato. Contudo, o documento, pouco detalhado, não apresenta nenhum indício de que a agressão sofrida por João Manuel tivesse motivos efetivamente religiosos[8].

    A consulta ao conjunto de fontes existentes no Arquivo Nacional sobre a problemática dos judeus e cristãos-novos no mundo luso-brasileiro mostra-se fundamental não apenas para esclarecer as medidas legais adotadas contra os descendentes da antiga fé durante o tempo de monopólio católico, mas serve ainda para compreendermos as estratégias de resistência cristã-nova e as experiências do cotidiano deste grupo, tão importantes na formação do Brasil e, não raro, relegado às bordas da História. Cabe, aos pesquisadores - e historiadores, em particular -, nas entrelinhas dos documentos, recuperá-los.

    [1] KAYSERLING, Meyer. História dos Judeus em Portugal. São Paulo: Pioneira, 1971, p. 292. 
    [2] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contêm alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos. Notação: Códice 934. Datas – limite: 1534-1612. Título do fundo: Relação da Bahia. Código do fundo: 84. Data do documento: 26 de julho de 1572. Local: Portugal. Folha (s): 30v - 42v.
    [3] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contêm alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos. Notação: Códice 934. Datas – limite: 1534-1612. Título do fundo: Relação da Bahia. Código do fundo: 84. Data do documento: 27 de janeiro de 1587. Local: Portugal. Folha (s): 52 – 57.
     [4] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contêm alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos. Notação: Códice 934. Datas – limite: 1534-1612. Título do fundo: Relação da Bahia. Código do fundo: 84. Data do documento: 4 de abril de 1601. Local: Portugal. Folha (s): 57 e 58. 
    [5] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Catálogo cronológico de avisos, provisões, cartas régias e alvarás que existem na Secretaria de Estado de Angola. Notação: Códice 543. Datas – limite: 1600-1882. Título do fundo: Negócios de Portugal. Código do fundo: 59. Data do documento: 24 de abril de 1728. Local: Portugal. Folha (s): 125v. 
    [6] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos. Notação: Códice 807, vol 24. Datas – limite: 1796-1802. Título do fundo: Diversos códices – SDH. Código do fundo: NP. Argumento de pesquisa: Judeus. Microfilme: 001-92. 
    [7] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino. Notação: Caixa 662, pacote 02. Datas – limite: 1812-1813. Título do fundo: Negócios de Portugal. Código do fundo: 59. 
    [8] Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Registro das ordens e ofícios expedidos pela Polícia ao juiz do Crime de São José, Santa Rita da Sé, Candelária e outros. Notação: Códice 330, vol 02. Datas – limite: 1819 – 1823. Título do fundo: Polícia da Corte. Código do fundo: ÆE. Data do documento: 7 de janeiro de 1821. Local: Rio de Janeiro.

  • Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino

    Notação: Caixa 662, pct.02

    Datas – limite: 1812-1813

    Título do fundo: Negócios de Portugal

    Código do fundo: 59

    Argumento de pesquisa: Judeus (Portugal)

    Ementa: Ofício do bispo de Algarves ao desembargador da comarca de Faro, requisitando sua vigilância às seguintes denúncias contra os judeus: que alguns deles viviam com mulheres católicas, além de se vestirem com trajes vulgares e europeus para se confundirem com os católicos. Suspeitava-se ainda que os judeus, que tinham “inundado” a cidade, estivessem juntando canas verdes para celebrarem suas “infames” solenidades, o que deveria ser corrigido pelo desembargador.

    Data do documento: 6 de outubro de 1813

    Local: Palácio do Governo em Faro

    Folha (s): _

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino

    Notação: Caixa 662, pct.02

    Datas – limite: 1812-1813

    Título do fundo: Negócios de Portugal

    Código do fundo: 59

    Argumento de pesquisa: Judeus (Portugal)

    Ementa: Carta ao bispo de Algarves por parte dos suplicantes judeus, que estavam requerendo do bispo a licença para fazerem sua festa denominada das cabanas. Argumentando tratar-se de uma prática antiga de sua lei, esta festa deveria  principiar no dia 8 de setembro, sendo celebrada por oito dias. Segundo o documento, a festa acontecia a partir da construção de uma barraca no quintal de suas casas com canas verdes, para na mesma comerem e beberem. Isto, sem escândalos porque à noite se recolhiam com suas famílias e sem a presença de outros que não os próprios judeus.     A licença foi requerida em função do aviso recebido pelos suplicantes para não realizarem a festa, a qual tinha sido proibida pelo bispo.

    Data do documento: s.d.

    Local: cidade do Faro

    Folha (s): _

     

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino

    Notação: Caixa 662, pct.02

    Datas – limite: 1812-1813

    Título do fundo: Negócios de Portugal

    Código do fundo: 59

    Argumento de pesquisa: Judeus (Portugal)

    Ementa: Ofício do bispo do Algarves ao príncipe regente, informando-lhe de sua proibição da realização da festa dos judeus chamada das cabanas, ou dos tabernáculos, e dos preparativos para tal cerimônia, tão contrária à “sagrada religião” católica. O bispo temia que, como ocorrido em outro ano, fosse permitida a entrada de mulheres e homens livremente naquela festa. Também informava que, por causa da proibição, os ditos judeus atreveram-se a dirigir à ele um requerimento para a concessão de uma licença para a realização da festa. Afirmou ainda que nunca houve tal acontecimento: os judeus pedirem a um bispo católico autorização para a realização de seus ritos. Concluiu dizendo que sofrera um grave ataque e que o judeu que levou o requerimento estava preso sob sua ordem a espera do juízo do príncipe sobre este assunto.

    Data do documento: 8 de outubro de 1813

    Local: Faro

    Folha (s): _

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino

    Notação: Caixa 662, pct.02

    Datas – limite: 1812-1813

    Título do fundo: Negócios de Portugal

    Código do fundo: 59

    Argumento de pesquisa: Judeus (Portugal)

    Ementa: Ofício do príncipe regente ao bispo de Algarves, dando parecer contrário a realização da festa das cabanas, ou tabernáculos, por parte dos judeus daquela região. O príncipe aprovou os atos do bispo quanto à proibição das festividades e disse-lhe que deveria fazer lembrar aos seus diocesanos que a religião católica proíbia seus seguidores de assistirem “a tão reprovadas” cerimônias. Quanto ao judeu detido por requerer uma licença para a realização das festividades, o príncipe deixou ao juízo do bispo praticar o que lhe parecesse mais justo.

    Data do documento: 30 de outubro de 1813

    Local: Palácio do Governo

    Folha (s): _

     

     

    Conjunto documental: Registro das ordens e ofícios expedidos pela Polícia ao juiz do Crime de São José, Santa Rita da Sé, Candelária e outros

    Notação: Códice 330, vol 02

    Datas – limite: 1819 - 1823

    Título do fundo: Polícia da Corte

    Código do fundo: ÆE

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 017.0-79

    Ementa: Informe sobre a entrada do judeu João Manuel no Hospital da Misericórdia para realizar exame de corpo de delito. De acordo com o documento, ele teria sido agredido por João dos Santos na venda da fazenda de Luiz Antônio de faria Sousa Lobato.

    Data do documento: 7 de janeiro de 1821

    Local: Rio de Janeiro

    Folha (s): -

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

    Notação: Códice 807, vol 24

    Datas – limite: 1796-1802

    Título do fundo: Diversos códices - SDH

    Código do fundo: NP

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 001-92

    Ementa: Memória de Domingos Vandelli sobre os meios para aumentar anualmente as rendas reais até seu equilíbrio com as despesas. Entre as sugestões feitas por Vandelli neste trabalho estão: a criação de um banco de novos contratos e impostos, a venda de títulos e o estímulo ao estabelecimento de judeus em Portugal. Com relação aos judeus, sugeriu que fossem mantidos alguns dos antigos privilégios que estes já usufruíam, tendo, em contrapartida,  a obrigação de concederem empréstimos. Como os judeus possuíam muitas sociedades na Europa, África e Ásia, eles eram os únicos que poderiam conceder os ditos empréstimos. Também apresentou um mapa que demonstrava a diminuição das atuais despesas e o arrecadamento de outras contas públicas para o equilíbrio da economia.

    Data do documento: s.d.

    Local: s.l.

    Folha (s): doc. 29

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

    Notação: Códice 807, vol 24

    Datas – limite: 1796-1802

    Título do fundo: Diversos códices - SDH

    Código do fundo: NP

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 001-92

    Ementa: Memória de Domingos Vandelli sobre os meios necessários para a produção de rendas em Portugal, com o fim de manter o equilíbrio das finanças do Estado, diante da possível compra da paz com os franceses, já que Portugal estaria sem aliados capazes de defendê-lo da invasão francesa. Dentre as providências sugeridas estão: a hipoteca dos diamantes para empréstimo estrangeiro; empréstimo nacional, adquirindo prata e ouro das igrejas e particulares e a venda de títulos de nobreza. Também sugeriu que os judeus fossem estabelecidos no reino com alguns privilégios, sendo porém obrigados a um empréstimo, posto serem os únicos que poderiam fazê-lo. Isto em virtude de possuírem muitas sociedades de comércio na Europa, África e Ásia, como advertira o marquês de Pombal. Finalizando, Vandelli observou interessar a Portugal trocar com a França a Guiana e a ilha de Caiena por possessões portuguesas na Ásia.

    Data do documento: 8 de agosto de 1796

    Local: s.l.

    Folha (s): doc. 46

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

    Notação: Códice 807, vol 24

    Datas – limite: 1796-1802

    Título do fundo: Diversos códices - SDH

    Código do fundo: NP

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 001-92

    Ementa: Memória de Domingos Vandelli sobre os meios de estabelecer em Portugal famílias de diversas religiões e seitas, principalmente hebreus, em virtude das desordens da Polônia, Holanda e grande parte da Itália. Para tal propôs a tolerância a essas religiões não-católicas, para um fim político de povoação e riqueza do Estado. Vandelli expôs sobre o bom comportamento dos hebreus e sobre a preocupação dos cristãos-novos voltarem à antiga religião.

    Data do documento: abril de 1796

    Local: s.l.

    Folha (s): doc. 48

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

    Notação: Códice 807, vol 24

    Datas – limite: 1796-1802

    Título do fundo: Diversos códices - SDH

    Código do fundo: NP

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 001-92

    Ementa: Memória de Domingos Vandelli sobre o estabelecimento de judeus em Portugal em virtude das desordens da Europa, principalmente, na Holanda e Polônia. Para tanto, sugeriu que se negociasse com os judeus empréstimos e investimentos, para assim, aumentar a povoação e riqueza do Reino. Também discorreu sobre a relação entre os judeus, o Estado e a Igreja Católica pela história, justificando a expulsão deles da Espanha e de Portugal por conta de um mal entendido dos reis Católicos, bem como  por razões políticas do rei d. Manoel.

    Data do documento: s.d.

    Local: s.l.

    Folha (s): doc. 58

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

    Notação: Códice 807, vol 24

    Datas – limite: 1796-1802

    Título do fundo: Diversos códices - SDH

    Código do fundo: NP

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 001-92

    Ementa: Memória de Domingos Vandelli sobre a impossibilidade de Portugal obter empréstimo de Gênova, Veneza e Inglaterra. Sugerindo diversas alternativas para sanar o déficit português, Vandelli destacou o estabelecimento de comércio com os judeus da Itália, Inglaterra, Alemanha e Holanda, restabelecendo-os no Reino para obter empréstimo. Em contrapartida, o Estado concederia privilégios. Entre as outras sugestões apresentadas, pode-se citar a total reforma da economia e finanças publicas e a imposição de tributos para suprir o déficit sobre o luxo. Em anexo segue uma carta em italiano de Giovanni Piaggio sobre a dificuldade de conseguir um empréstimo em Gênova, datada de 17 de abril de 1797.

    Data do documento: s.d.

    Local: s.l.

    Folha (s): doc. 63

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

    Notação: Códice 807, vol 24

    Datas – limite: 1796-1802

    Título do fundo: Diversos códices - SDH

    Código do fundo: NP

    Argumento de pesquisa: Judeus

    Microfilme: 001-92

    Ementa: Memória de Domingos Vandelli sobre o estabelecimento de judeus em Portugal em virtude das desordens na Europa, principalmente na Holanda e Polônia. Através dessa obra, Vandelli sugeriu que os judeus concedessem empréstimos para que fossem restituídos ao Reino. Dessa forma, o rendimento da Real Fazenda aumentaria.

    Data do documento: s.d.

    Local: s.l.

    Folha (s): doc. 58

     

    Conjunto documental: Catálogo cronológico de avisos, provisões, cartas régias e alvarás que existem na Secretaria de Estado de Angola

    Notação: Códice 543

    Datas – limite: 1600-1882

    Título do fundo: Negócios de Portugal

    Código do fundo: 59

    Argumento de pesquisa: Cristãos-novos

    Ementa:  Ordem régia de dom João V ao governador de Angola, estabelecendo que se fizesse entender ao secretário do Estado e Reino de Angola, João José de Lima, que este deveria casar-se “ com pessoa limpa e sem defeito de cristã-nova, ou mulata ” – caso contrário, perderia seu ofício.

    Data do documento: 24 de abril de 1728

    Local: Portugal

    Folha (s): 125v

     

    Conjunto documental: Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contêm alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos.

    Notação: Códice 934

    Datas – limite: 1534-1612

    Título do fundo: Relação da Bahia

    Código do fundo: 84

    Argumento de pesquisa: Cristãos-novos

    Ementa: Regimento do rei de Portugal dom Sebastião sobre o modo de julgamento recomendável aos juizes das confiscações pelo crime de heresia e apostasia. Entre outras coisas, ordenou que o juiz das confiscações fosse “ uma pessoa de boa consciência e letras ”, da confiança do rei português, “sem raça alguma de mouro ou judeu”. Segundo o regimento, uma vez avisado da prisão de alguém pelos inquisidores, o juiz das confiscações deveria ir a casa dos “culpados” com o escrivão ou tabelião, tomando todas as chaves das casas e arcas e ordenando aos escrivães que inventariassem todos os bens móveis e de raiz. Tendo peças de ouro ou prata, estas seriam avaliadas, juntamente com as dívidas. Por fim, com o inventário completo, “todo o dinheiro, peças de ouro, prata e pedrarias ” seriam entregues a “ uma pessoa abonada ” para guardá-las.

    Data do documento: 26 de julho de 1572

    Local: Portugal

    Folha (s): 30v à 42v

     

    Conjunto documental: Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contém alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos

    Notação: Códice 934

    Datas – limite: 1534-1612

    Título do fundo: Relação da Bahia

    Código do fundo: 84

    Argumento de pesquisa: Cristãos-novos

    Ementa: Ordem régia de dom Filipe II que revogou a lei de dom Sebastião (cumprida também por dom Filipe I), pela qual se proibiu os cristãos-novos de saírem do reino português e de venderem os bens de raiz sem licença real. Segundo o documento, os cristãos-novos poderiam sair do reino português com suas famílias e  “casas movidas” sem a mencionada  licença régia.

    Data do documento: 4 de abril de 1601

    Local: Portugal

    Folha (s): 57 e 58

     

    Conjunto documental:  Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contêm alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos. 

    Notação: Códice 934

    Datas – limite: 1534-1612

    Título do fundo: Relação da Bahia

    Código do fundo: 84

    Argumento de pesquisa: Cristãos-novos

    Ementa: Alvará de dom Sebastião enviado ao governador do Rio de Janeiro Gaspar de Souza, ordenando que não fossem remetidos aos cristãos-novos estabelecidos no Brasil ofício de nenhuma espécie, fosse da Justiça, Fazenda, Ordenança, exercício militar ou regimento das terras.

    Data do documento: 1574

    Local: Portugal

    Folha (s): 50 à 50v

     

     

    Conjunto documental: Registro de provisões, alvarás, leis, portarias e cartas régias da relação da Bahia

    Notação: Códice 542, vol.02

    Datas – limite: 1759-1791

    Título do fundo: Relação da Bahia

    Código do fundo: 83

    Argumento de pesquisa: Cristãos novos

    Ementa: Registro de portaria de lei de s. majestade, determinando a forma pela qual deveriam viver “civilmente (sic)” os ciganos no Estado e Brasil.

    Data do documento: 3 de julho de 1761

    Local: s.l.

    Folha (s): 36-36v

     

     

    Conjunto documental: Registro de provisões, alvarás, leis, portarias e cartas régias da relação da Bahia

    Notação: Códice 542, vol.02

    Datas – limite: 1759-1791

    Título do fundo: Relação da Bahia

    Código do fundo: 83

    Argumento de pesquisa: Cristãos novos

    Ementa: Registro do alvará pelo qual s. majestade reprovou e proibiu as cópias, o uso, ou meramente a retenção dos roéis de fintas dos cristãos novos. Declarou ainda que os roéis não deveriam ter crença ou efeito qualquer que fosse, pois estavam reprovados, cassados e anulados, como se nunca tivessem existido, embora durante o governo de d. Sebastião se tenha aproveitado da taxação da tal produto para financiar as “guerras da África”.

    Data do documento: 2 de maio de 1768

    Local: Palácio de Nossa Senhora da Ajuda

    Folha (s): 78-79

     

     

    Conjunto documental: Livro dourado da Relação do Rio de Janeiro. Contém alvarás, provisões, títulos de carta e leis sobre vários objetos

    Notação: Códice 934

    Datas – limite: 1534-1612

    Título do fundo: Relação da Bahia

    Código do fundo: 84

    Argumento de pesquisa: Cristãos-novos

    Ementa: Ordem régia de dom Sebastião, proibindo os cristãos-novos de saírem do reino de Portugal por três anos. Segundo a lei, as pessoas da “nação dos cristãos-novos assim naturais como estrangeiros”, estavam proibidos de saírem do reino português, “por mar, nem por terra” durante três anos, salvo com licença real ou pagamento de fiança. Tal ordenação foi motivada pela informação recebida pelo antigo rei português, d. Manoel, “o venturoso”, de que alguns cristãos-novos iam para “lugares dalém” com suas “casas movidas” para dali irem para a “terra de mouros” ou “terra de Infiéis” e retornarem à professar a religião judaica, donde “livremente pudessem viver em suas heresias”.  

    Data do documento: 27 de janeiro de 1587

    Local: Portugal

    Folha (s): 52 à 57 

     

     

     

     

     

  • Festas das cabanas

    Carta ao bispo de Algarves por parte dos suplicantes judeus, que estavam requerendo do bispo a licença para fazerem sua festa denominada das cabanas. Argumentando tratar-se de uma prática antiga de sua lei, os judeus estavam solicitando a tal licença em função do aviso recebido pelos suplicantes para não realizarem a festa, a qual tinha sido proibida pelo bispo. O documento apresenta uma descrição detalhada de uma das tradições culturais do povo hebreu.

     

    Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
    Notação: caixa 662, pct.02
    Datas – limite: 1812-1813
    Título do fundo: Negócios de Portugal
    Código do fundo: 59
    Argumento de pesquisa: judeus (Portugal)
    Data do documento: s.d.
    Local: cidade do Faro
    Folha (s): _ 

     

    Dizem os judeus[1], assistentes ao presente nesta cidade de Faro[2], que entre os suplicantes é antiquíssimo o fazerem a festa da sua lei, denominada a festa das Cabanas[3], e isto em qualquer parte ainda (sic) se acham cuja festa principia em 8 de setembro, durando oito dias, cuja festa consiste só em um quintal da sua habitação fazerem sua espécie de barraca com canos verdes, e na mesma comerem e beberem, sem que nisto dê em escândalos, porque se ajuntando as famílias de sua Nação, a noite se recolhem a suas casas, agora porém são avisados os suplicantes para tal não fazerem, porque tinha ordem de V. Exa para proibir; mas Excelentíssimo Sr. como esta festa entre os suplicantes não entra outra Nação e só sim os suplicantes Jesus, e isto se observa em toda a parte aonde os suplicantes habitam sem que lhe haja proibido, e que será muito constante a Va Exa por onde tem andando; é por isto que suplicam a V. Exa se digne conceder-lhe a licença para fazerem a sua dita festa, que eles protestam não dar o menor escândalo, como V. Exa se poderá informar, sirva-se V. Exa assim o haver por bem do que.

    E Receberá Mercê[4].

     

    [1] HEBREUS: povo‌ ‌de‌ ‌origem‌ ‌semita‌ ‌-‌ ‌indivíduos‌ ‌descendentes‌ ‌dos‌ ‌povos‌ ‌e‌ ‌culturas‌ ‌oriundas‌ ‌da‌ ‌Ásia‌ ‌ocidental‌ ‌e,‌ ‌portanto,‌ ‌pertencentes‌ ‌à‌ ‌mesma‌ ‌família‌ ‌etnográfica‌ ‌e‌ ‌linguística,‌ ‌como‌ ‌os‌ ‌assírios,‌ ‌os‌ ‌aramaicos,‌ ‌os‌ ‌fenícios‌ ‌e‌ ‌os‌ ‌árabes‌ ‌-,‌ ‌os‌ ‌hebreus,‌ ‌segundo‌ ‌os‌ ‌primeiros‌ ‌relatos,‌ ‌habitavam‌ ‌o‌ ‌sul‌ ‌da‌ ‌Mesopotâmia.‌ ‌Eram‌ ‌pastores‌ ‌seminômades,‌ ‌organizados‌ ‌em‌ ‌pequenos‌ ‌grupos,‌ ‌e‌ ‌que‌ ‌tinham‌ ‌na‌ ‌religião‌ ‌judaica‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌principal‌ ‌característica,‌ ‌aquilo‌ ‌que‌ ‌os‌ ‌identificava‌ ‌como‌ ‌povo.‌ ‌O‌ ‌judaísmo‌ ‌-‌ ‌primeira‌ ‌religião‌ ‌monoteísta‌ ‌-,‌ ‌os‌ ‌diferenciava‌ ‌sobremaneira‌ ‌dos‌ ‌outros‌ ‌povos‌ ‌que‌ ‌também‌ ‌habitavam‌ ‌essa‌ ‌conturbada‌ ‌região‌ ‌e‌ ‌praticavam‌ ‌o‌ ‌politeísmo.‌ ‌Há‌ ‌aproximadamente‌ ‌2000‌ ‌anos‌ ‌a.C.,‌ ‌os‌ ‌hebreus‌ ‌radicaram-se‌ ‌no‌ ‌vale‌ ‌do‌ ‌rio‌ ‌Jordão,‌ ‌na‌ ‌Palestina.‌ ‌A‌ ‌partir‌ ‌dessa‌ ‌ocupação,‌ ‌deixam‌ ‌o‌ ‌seu‌ ‌estado‌ ‌tribal‌ ‌para‌ ‌assumir‌ ‌uma‌ ‌identidade‌ ‌nacional,‌ ‌onde‌ ‌a‌ ‌terra,‌ ‌ ‌tornar-se-ia‌ ‌outro‌ ‌elemento‌ ‌de‌ ‌união‌ ‌desse‌ ‌povo.‌ ‌Por‌ ‌volta‌ ‌do‌ ‌ano‌ ‌70‌ ‌d.C.,‌ ‌os‌ ‌romanos‌ ‌dominaram‌ ‌a‌ ‌região,‌ ‌destruindo‌ ‌sua‌ ‌principal‌ ‌cidade,‌ ‌Jerusalém. A‌ ‌partir‌ ‌de‌ ‌então,‌ ‌os‌ ‌hebreus, expulsos,‌ ‌dispersaram-se‌ ‌pelo‌ ‌mundo‌ ‌–‌ ‌o que ficaria conhecido como‌ ‌diáspora‌ ‌judaica.‌ ‌Foi‌ ‌no‌ período‌ ‌romano‌ ‌que‌ ‌o‌ ‌etnônimio‌ ‌passou‌ ‌a‌ ‌ser‌ ‌utilizado‌ ‌também‌ ‌para‌ ‌referir-se‌ ‌aos‌ ‌judeus‌,‌ ‌um‌ ‌grupo‌ ‌étnico‌ ‌e‌ ‌religioso‌ ‌de‌ ‌ascendência‌ ‌hebraica.‌ ‌Durante‌ ‌a‌ ‌diáspora,‌ ‌os‌ ‌hebreus‌ ‌migraram‌ ‌para‌ ‌outras‌ ‌regiões‌ ‌do‌ ‌globo,‌ ‌sobretudo‌ ‌a‌ ‌Ásia‌ ‌Menor,‌ ‌África‌ ‌e‌ ‌o‌ ‌sul‌ ‌da‌ ‌Europa,‌ ‌onde‌ ‌formaram‌ ‌comunidades‌ ‌judaicas‌ ‌no‌ ‌intento‌ ‌de‌ ‌manter‌ ‌suas‌ ‌crenças‌ ‌e‌ ‌tradições.‌ ‌No‌ ‌mundo‌ ‌ibérico,‌ ‌sua‌ ‌presença‌ ‌sempre‌ ‌foi‌ ‌bastante‌ ‌conturbada.‌ ‌Constantemente‌ ‌sujeitos‌ ‌a‌ ‌perseguições,‌ ‌os‌ ‌judeus‌ ‌eram‌ ‌difamados‌ ‌como‌ ‌usurários,‌ ‌assassinos,‌ ‌ladrões,‌ ‌feiticeiros,‌ ‌etc.‌ ‌Expulsos‌ ‌pela‌ ‌Inquisição‌ ‌espanhola,‌ ‌em‌ ‌1492,‌ ‌também‌ ‌enfrentaram‌ ‌a‌ ‌Inquisição‌ ‌em‌ ‌‌Portugal‌,‌ ‌após‌ ‌o‌ ‌casamento‌ ‌entre‌ ‌‌d.‌ ‌Manoel‌ ‌I‌ ‌e‌ ‌Isabel,‌ ‌princesa‌ ‌espanhola‌ ‌filha‌ ‌dos‌ ‌reis‌ ‌católicos.‌ ‌Entre‌ ‌as‌ ‌diversas‌ ‌leis‌ ‌contra‌ ‌os‌ ‌judeus,‌ ‌que‌ ‌foram‌ ‌publicadas‌ ‌nessa‌ ‌época,‌ ‌destaca-se‌ ‌o‌ ‌édito‌ ‌de‌ ‌expulsão‌ ‌de‌ ‌d.‌ ‌Manoel‌ ‌I,‌ ‌publicado‌ ‌em‌ ‌1496,‌ ‌que‌ ‌obrigava‌ ‌os‌ ‌judeus‌ ‌e‌ ‌muçulmanos‌ ‌a‌ ‌sair‌ ‌do‌ ‌país‌ ‌ou‌ ‌a‌ ‌converter-se‌ ‌ao‌ ‌cristianismo.‌ ‌A‌ ‌partir‌ ‌de‌ ‌então,‌ ‌milhares‌ ‌de‌ ‌judeus‌ ‌foram‌ ‌forçados‌ ‌a‌ ‌adotar‌ ‌a‌ ‌fé‌ ‌católica,‌ ‌tornando-se‌ ‌os‌ ‌chamados‌ ‌‌cristãos-novos‌,‌ ‌mudando,‌ ‌inclusive,‌ ‌seus‌ ‌nomes,‌ ‌embora‌ ‌muitos‌ ‌tenham‌ ‌conservado‌ ‌em‌ ‌segredo‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌identidade,‌ ‌sendo‌ ‌denominados‌ ‌criptojudeus.‌ ‌Nas‌ ‌várias‌ ‌ondas‌ ‌de‌ ‌antissemitismo‌ ‌que‌ ‌atingiram‌ ‌os‌ ‌judeus,‌ ‌seus‌ ‌bens‌ ‌foram‌ ‌confiscados‌ ‌e‌ ‌suas‌ ‌mulheres‌ ‌condenadas‌ ‌à‌ ‌fogueira‌ ‌como‌ ‌hereges.‌ ‌Com‌ ‌relação‌ ‌à‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ ‌os‌ ‌judeus‌ ‌aqui‌ ‌aportaram‌ ‌já‌ ‌em‌ ‌1503,‌ ‌na‌ ‌condição‌ ‌de‌ ‌cristãos-novos,‌ ‌impulsionando‌ ‌o‌ ‌processo‌ ‌de‌ ‌colonização,‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌aval‌ ‌da‌ ‌Coroa‌ ‌portuguesa.‌ ‌Desde‌ ‌1535,‌ ‌era‌ ‌prática‌ ‌Portugal‌ ‌deportar‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌América‌ ‌criminosos‌ ‌de‌ ‌todos‌ ‌os‌ ‌tipos‌ ‌e,‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌introdução‌ ‌do‌ ‌Santo‌ ‌Ofício‌ ‌no‌ ‌Reino,‌ ‌que‌ ‌teve‌ ‌seu‌ ‌primeiro‌ ‌Auto-de-fé‌ ‌em‌ ‌1540,‌ ‌os‌ ‌judaizantes‌ ‌-‌ ‌assim‌ ‌denominados‌ ‌aqueles‌ ‌que‌ ‌secretamente‌ ‌praticavam‌ ‌a‌ ‌fé‌ ‌judaica,‌ ‌mesmo‌ ‌na‌ ‌condição‌ ‌de‌ ‌cristãos-novos‌ ‌-‌ ‌também‌ ‌seriam‌ ‌degredados‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌além-mar.‌ ‌Muitos‌ ‌também‌ ‌vieram‌ ‌fugidos‌ ‌da‌ ‌Inquisição‌, mesmo antes de uma acusação formal, ‌pois o tribunal‌ ‌foi‌ ‌implacável‌ ‌na‌ ‌busca‌ ‌da‌ ‌origem‌ ‌étnica‌ ‌dos‌ ‌portugueses.‌ ‌Procuravam ‌nos‌ ‌novos‌ ‌territórios‌ ‌ultramarinos‌ ‌um‌ ‌refúgio.‌ ‌No‌ ‌entanto,‌ ‌em‌ ‌fins‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XVI,‌ ‌a‌ ‌Inquisição‌ ‌se‌ ‌fez‌ ‌presente‌ ‌também‌ ‌na‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ através das visitas de inquisidores do Tribunal do Santo Ofício português, ‌perseguindo‌ ‌e‌ ‌processando‌ ‌cristãos-novos‌ ‌por‌ ‌quaisquer‌ ‌condutas‌ ‌que‌ ‌ferisse‌ ‌os‌ ‌dogmas‌ ‌da‌ ‌Igreja‌ ‌Católica,‌ ‌entre‌ ‌elas‌ ‌as‌ ‌práticas‌ ‌de‌ ‌tradições‌ ‌e‌ ‌ritos‌ ‌judaicos.‌ ‌A‌ ‌partir‌ ‌da‌ ‌primeira‌ ‌visita‌‌ ‌em‌ ‌1591,‌ na Bahia, ‌os‌ ‌cristãos-novos,‌ ‌sendo‌ ‌eles‌ ‌sinceramente‌ ‌convertidos‌ ‌ou‌ ‌não,‌ ‌enfrentaram‌ ‌um‌ ‌clima‌ ‌de‌ ‌denuncismo,‌ ‌preconceito‌ ‌e‌ ‌hostilidade.‌ ‌Pode-se‌ ‌afirmar,‌ ‌contudo,‌ ‌que‌ ‌as‌ ‌perseguições‌ ‌que‌ ‌teriam‌ ‌se‌ ‌iniciado‌ ‌no‌ ‌século‌ ‌XVIII‌ ‌enfrentaram‌ ‌muitas‌ ‌dificuldades,‌ ‌tendo‌ ‌em‌ ‌vista‌ ‌à‌ ‌ocupação‌ ‌territorial‌ ‌bastante‌ ‌espalhada‌ ‌feita‌ ‌pelos‌ ‌cristãos-novos‌ ‌na‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ ‌levando‌ ‌a‌ ‌um‌ ‌número‌ ‌reduzido‌ ‌de‌ ‌prisões.‌ ‌Anita‌ ‌Novinsky‌ ‌(1972)‌ ‌também‌ ‌sustenta‌ ‌a‌ ‌ideia‌ ‌de‌ ‌que‌ ‌o‌ ‌interesse‌ ‌econômico‌ ‌da‌ ‌metrópole,‌ ‌ou‌ ‌seja,‌ ‌o‌ ‌peso‌ ‌das‌ ‌atividades‌ ‌financeiras‌ ‌desenvolvidas‌ ‌pelos‌ ‌cristãos-novos‌ ‌e‌ ‌sua‌ ‌importância‌ ‌na‌ ‌ocupação‌ ‌do‌ ‌território,‌ ‌contribuiu‌ ‌para‌ ‌as‌ ‌poucas‌ ‌detenções.‌ ‌Os‌ ‌judeus‌ ‌viveriam‌ ‌um‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌relativa‌ ‌liberdade‌ ‌religiosa‌ ‌durante‌ ‌o‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌ocupação‌ ‌holandesa‌ ‌no‌ nordeste brasileiro ‌(1630-1654).‌ ‌Algumas‌ ‌famílias‌ ‌de‌ ‌origem‌ ‌lusa,‌ ‌residentes‌ ‌nos‌ ‌Países‌ ‌Baixos,‌ ‌migraram‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌nordeste,‌ ‌especialmente‌ ‌para‌ ‌‌Pernambuco‌,‌ ‌desfrutando‌ ‌da‌ ‌liberdade‌ ‌concedida‌ ‌então,‌ ‌sobretudo‌ ‌no‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌Maurício‌ ‌de‌ ‌Nassau.‌ ‌Com‌ ‌a‌ ‌expulsão‌ ‌dos‌ ‌holandeses,‌ ‌muitos‌ ‌judeus‌ regressaram‌ ‌à‌ ‌Holanda,‌ ‌outros‌ ‌ajudaram‌ ‌na‌ ‌fundação‌ ‌de‌ ‌Nova‌ ‌Amsterdam,‌ ‌atual‌ ‌cidade‌ ‌de‌ ‌Nova‌ ‌Iorque.‌ ‌A‌ ‌diáspora‌ ‌judaica‌ ‌chegou‌ ‌ao‌ ‌fim‌ ‌em‌ ‌1948,‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌fundação‌ ‌do‌ ‌Estado‌ ‌de‌ ‌Israel‌ ‌em‌ ‌sua‌ ‌região‌ ‌de‌ ‌origem,‌ ‌onde‌ ‌havia‌ ‌se‌ ‌mantido,‌ ‌ao‌ ‌longo‌ ‌do‌ ‌tempo,‌ ‌uma‌ ‌expressiva‌ ‌presença‌ ‌judaica.‌ ‌Ainda‌ ‌hoje,‌ ‌o‌ ‌povo‌ ‌judeu‌ ‌mantém‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌unidade‌ ‌através‌ ‌das‌ ‌histórias,‌ ‌tradições‌ ‌e‌ ‌cultos‌ ‌religiosos,‌ ‌independentemente‌ ‌do‌ ‌idioma‌ ‌ou‌ ‌da‌ ‌nacionalidade‌ ‌de‌ ‌cada‌ ‌indivíduo.‌ ‌

    [2] FARO, CIDADE DE: passou a integrar o território português em 1249, à época da reconquista cristã feita rei d. Afonso III. Em setembro de 1540, foi elevada à categoria de cidade pelo rei d. João III. Com a mudança da sede do bispado de Silves para Faro, em 1577, adquiriu uma nova importância econômica e política. Em 1755, a cidade foi seriamente danificada pelo terremoto que destruiu Lisboa e praticamente todo o sudoeste de Portugal. Um ano após a catástrofe, foi elevada à capital do Algarve.

    [3] FESTA DAS CABANAS: festa típica da cultura hebraica, também chamada Sucot, ocorre após as comemorações do Rosh Hashaná (ano novo) e Yom Kipur (dia do perdão), representando o período dos 40 anos de peregrinação dos hebreus no deserto a caminho da terra prometida. Nesta celebração, os judeus devem, por sete dias, abandonar suas casas e habitar em cabanas frágeis para que se lembrem da proteção divina e a temporalidade da vida terrena.

    [4] MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

     

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):

    - No eixo temático sobre a “história das relações sociais da cultura e do trabalho”
    - No tema transversal “pluralidade cultural”

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:

    - A formação da sociedade colonial
    - Sociedade colonial: práticas e costumes
    - A Contra-reforma e a Santa Inquisição:  conseqüências  no mundo ibérico
    - Relação Igreja e Estado:  ações e conseqüências da propagação da fé católica

    Judeus em Portugal

    Memória de Domingos Vandelli sobre os meios de estabelecer em Portugal famílias de diversas religiões e seitas, principalmente hebreus. Propõe a tolerância a essas religiões não-católicas, com o fim político de povoação e riqueza do Estado. Vandelli comenta o “bom comportamento” dos hebreus e discorre sobre a preocupação com a possibilidade dos cristãos-novos voltarem à antiga religião. O documento apresenta o problema da manutenção da unidade religiosa cristã entre os súditos da Coroa portuguesa, revelando características culturais típicas do período contra-reformista a partir do século XVI.

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
    Notação: Códice 807, vol 24
    Datas – limite: 1796-1802
    Título do fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: Judeus
    Microfilme: 001-92
    Data do documento: abril de 1796
    Local: s.l.
    Folha (s): doc. 48

     

    Leia esse documento na íntegra

     

    Por causa deste Porto franco, se espalhou uma voz, que também se deveria dar franquia, ou couto aos hebreus[1], que com seus cabedais se quisessem estabelecer neste Reino.

    É axioma comprovado pela geral experiência que se deve aproveitar do momento favorável, porque depois fica somente o desgosto de se não ter aproveitado da ocasião.

    Que momento mais favorável para um estado como Portugal, que pelo seu clima, situação, riqueza do terreno, e das colônias se pode considerar o melhor da Europa, para aproveitar-se da geral desordem da Polônia, Holanda e de grande parte da Itália; para convidar, e recolher nele muitas famílias de diversas religiões, e seitas com as suas riquezas, entre as quais concorreriam em grande número as hebreias, muitas das quais trazem origem deste Reino, e pelo qual sempre conservarão especial amor, e saudade. Em outro tempo a Inglaterra, e Holanda se aproveitaram de semelhantes emigrações.

    Mas para facilitar esta importação tão útil ao Estado, e a Real Fazenda não somente das sobreditas famílias, mas de outras religiões, é indispensável dar-lhes couto, ou franquia; segurar as suas pessoas, e bens de qualquer insulto, castigo, e opressão por causa de religião.

    Por motivo de povoação se permitiam coutos de malfeitores nas arraias ilegível porque razão: pela mesma e para aumentar a riqueza do Reino não se dará couto a todas as pessoas de várias religiões, ou seitas? Já neste Reino existem tais pessoas, e gozam de inteira segurança relativamente a Religião; as que não gozam tal segurança são da religião Hebréia, conservando estas sempre grande medo estabelecer-se no Reino pelo modo com o qual antes, e depois da sua expulsão[2] foram tratados.

    Em muitas cidades da Europa vive grande número desta gente com livre exercício da sua religião, sem que haja desordem; nem consta, que tenha feito prosélitos.

    O único receio seria que algumas pessoas de origem hebréia, e que os seus antepassados foram obrigados no tempo da expulsão fazerem-se católicos, voltassem à sua antiga religião. Mas neste caso seriam sujeitos ao castigo de Apóstatas[3]; o que dificilmente sucederia; porque depois da sábia Lei do Sr. rei d. José, que aboliu a mal entendida distinção de Cristão novo e velho[4], parece impossível que possa haver homem tão falto de brio, e honra, que se queira abaixar (sic) a ser considerado vil e sujeito ao exemplar castigo de Apóstata.

    Sem religião não pode subsistir por muito tempo sociedade bem policiada, como a experiência de séculos tem mostrado.

    E nesta deve subsistir uma religião dominante a qual é necessário conservar, proteger e defender; o que antigamente pertencia aos Arcebispos e Bispos, cuja autoridade tem por direito próprio(...), o que está comprovado com muita erudição em uma Memória do atual Bispo de Coimbra.

    Pertence também ao Príncipe, pelas razões bem conhecidas, a defesa, e proteção desta religião. (...) pelo que além dos Tribunais, ou Magistrados incumbidos pelo mesmo príncipe pela conservação e defesa desta religião, como há em Veneza um sobre a blasfêmia, deveria obrigar todos os corregedores nas suas anuais correções devassar sobre o que respeita a Religião Dominante, sem intrometer-se com indiscreto formalismo, nas outras religiões, ou seitas que por fim político estão toleradas.

    Suprimindo qualquer outra inspeção, que antes se tivesse introduzido sobre a religião.

    E deste modo se aproveitará do momento favorável em vantagem da povoação, e da riqueza do Reino.

     

    [1] HEBREUS: povo de origem semita - indivíduos descendentes dos povos e culturas oriundas da Ásia ocidental e, portanto, pertencentes à mesma família etnográfica e linguística, como os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes -, os hebreus, segundo os primeiros relatos, habitavam o sul da Mesopotâmia. Eram pastores seminômades, organizados em pequenos grupos, e que tinham na religião judaica a sua principal característica, aquilo que os identificava como povo. O judaísmo - primeira religião monoteísta -, os diferenciava sobremaneira dos outros povos que também habitavam essa conturbada região e praticavam o politeísmo. Há aproximadamente 2000 anos a.C., os hebreus radicaram-se no vale do rio Jordão, na Palestina. A partir dessa ocupação, deixam o seu estado tribal para assumir uma identidade nacional, onde a terra, tornar-se-ia outro elemento de união desse povo. Por volta do ano 70 d.C., os romanos dominaram a região, destruindo sua principal cidade, Jerusalém. A partir de então, os hebreus, expulsos, dispersaram-se pelo mundo – o que ficaria conhecido como diáspora judaica. Foi no período romano que o etnônimio passou a ser utilizado também para referir-se aos judeus, um grupo étnico e religioso de ascendência hebraica. Durante a diáspora, os hebreus migraram para outras regiões do globo, sobretudo a Ásia Menor, África e o sul da Europa, onde formaram comunidades judaicas no intento de manter suas crenças e tradições. No mundo ibérico, sua presença sempre foi bastante conturbada. Constantemente sujeitos a perseguições, os judeus eram difamados como usurários, assassinos, ladrões, feiticeiros, etc. Expulsos pela Inquisição espanhola, em 1492, também enfrentaram a Inquisição em Portugal, após o casamento entre d. Manoel I e Isabel, princesa espanhola filha dos reis católicos. Entre as diversas leis contra os judeus, que foram publicadas nessa época, destaca-se o édito de expulsão de d. Manoel I, publicado em 1496, que obrigava os judeus e muçulmanos a sair do país ou a converter-se ao cristianismo. A partir de então, milhares de judeus foram forçados a adotar a fé católica, tornando-se os chamados cristãos-novos, mudando, inclusive, seus nomes, embora muitos tenham conservado em segredo a sua identidade, sendo denominados criptojudeus. Nas várias ondas de antissemitismo que atingiram os judeus, seus bens foram confiscados e suas mulheres condenadas à fogueira como hereges. Com relação à América portuguesa, os judeus aqui aportaram já em 1503, na condição de cristãos-novos, impulsionando o processo de colonização, com o aval da Coroa portuguesa. Desde 1535, era prática Portugal deportar para a América criminosos de todos os tipos e, com a introdução do Santo Ofício no Reino, que teve seu primeiro Auto-de-fé em 1540, os judaizantes - assim denominados aqueles que secretamente praticavam a fé judaica, mesmo na condição de cristãos-novos - também seriam degredados para o além-mar. Muitos também vieram fugidos da Inquisição, mesmo antes de uma acusação formal, pois o tribunal foi implacável na busca da origem étnica dos portugueses. Procuravam nos novos territórios ultramarinos um refúgio. No entanto, em fins do século XVI, a Inquisição se fez presente também na América portuguesa, através das visitas de inquisidores do Tribunal do Santo Ofício português, perseguindo e processando cristãos-novos por quaisquer condutas que ferisse os dogmas da Igreja Católica, entre elas as práticas de tradições e ritos judaicos. A partir da primeira visita em 1591, na Bahia, os cristãos-novos, sendo eles sinceramente convertidos ou não, enfrentaram um clima de denuncismo, preconceito e hostilidade. Pode-se afirmar, contudo, que as perseguições que teriam se iniciado no século XVIII enfrentaram muitas dificuldades, tendo em vista à ocupação territorial bastante espalhada feita pelos cristãos-novos na América portuguesa, levando a um número reduzido de prisões. Anita Novinsky (1972) também sustenta a ideia de que o interesse econômico da metrópole, ou seja, o peso das atividades financeiras desenvolvidas pelos cristãos-novos e sua importância na ocupação do território, contribuiu para as poucas detenções. Os judeus viveriam um período de relativa liberdade religiosa durante o período de ocupação holandesa no nordeste brasileiro (1630-1654). Algumas famílias de origem lusa, residentes nos Países Baixos, migraram para o nordeste, especialmente para Pernambuco, desfrutando da liberdade concedida então, sobretudo no período de Maurício de Nassau. Com a expulsão dos holandeses, muitos judeus regressaram à Holanda, outros ajudaram na fundação de Nova Amsterdam, atual cidade de Nova Iorque. A diáspora judaica chegou ao fim em 1948, com a fundação do Estado de Israel em sua região de origem, onde havia se mantido, ao longo do tempo, uma expressiva presença judaica. Ainda hoje, o povo judeu mantém a sua unidade através das histórias, tradições e cultos religiosos, independentemente do idioma ou da nacionalidade de cada indivíduo.

    [2] EXPULSÃO [DOS JUDEUS DA PENÍNSULA IBÉRICA]: a expulsão dos povos hebreus da península Ibérica aconteceu em fins do século XV, expressando a tentativa de cristianização da região por parte da Igreja Católica. Os primeiros a sofrerem com a ação da Santa Inquisição foram os judeus da Espanha, expulsos pelo édito de 1492 migrando, em grande número, para Portugal. No reino português, os judeus mantiveram-se a salvo da Inquisição até o casamento entre o rei d. Manuel e a princesa espanhola d. Isabel. A partir de 1496, a conversão à fé católica passou a ser condição para a permanência no reino. Os que ficaram em Portugal foram obrigados a abandonar as práticas judaicas e batizados a força, tornando-se “cristãos-novos” o que implicava em uma série de restrições na vida pública - era necessário ser “limpo de sangue” em todo império português – como comenta Lina Gorenstein. (Cf. Cristãos-novos, identidade e Inquisição. Rio de Janeiro, século XVIII. WebMosaica. Revista do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, v. 4, n. 1, jan-jun., 2012) e em uma distinção em relação aos cristãos velhos, além de suportarem preconceitos e perseguições naquelas sociedades. Mesmo assim, durante todo o período da Inquisição, estas pessoas foram vigiadas uma vez que a Igreja desconfiava da sinceridade da conversão e da continuidade das práticas religiosas judaicas às escondidas o que de fato ocorreu, sendo esse fenômeno conhecido como criptojudaismo.

    [3] APÓSTATAS: indivíduos que foram batizados na Igreja Católica, mas abandonaram sua doutrina e a prática do catolicismo.

    [4] CRISTÃO-NOVO: judeus forçados à conversão ao catolicismo, os cristãos-novos foram um dos alvos principais do Tribunal do Santo Ofício implantado na Europa a partir do século XV. Em Portugal, os cristãos-novos, também chamados marranos, surgiram em 1497 por pressão da Coroa espanhola sobre o rei d. Manuel. Com a instauração do Santo Ofício, em 1536, durante o governo do rei d. João III de Portugal, foi empreendida perseguição aos cristãos-novos suspeitos de manter crenças e práticas religiosas judaicas (judaizar), o que provocou um afluxo de conversos para o Brasil e outras áreas coloniais portuguesas entre os séculos XVI e XVIII. Além daqueles que, voluntariamente, emigraram para o Novo Mundo, em busca de melhor qualidade de vida, ou daqueles que fugiram das perseguições inquisitoriais, houve também os cristãos-novos que foram degredados para o Brasil pela Inquisição. Aqui, exerceram atividades de mestres de açúcar, senhores de engenho, lavradores, artesãos, desbravadores do sertão, advogados, dramaturgos, físicos e até clérigos. As perseguições só cessaram com o governo de marquês de Pombal que aboliu a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos.

     

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):

    - No eixo temático sobre a “história das relações sociais da cultura e do trabalho”
    - No tema transversal “pluralidade cultural”

     

    Ao tratar dos seguintes conteúdos:

    - A formação da sociedade colonial
    - Sociedade colonial: práticas e costumes
    - A Contra-reforma e a Santa Inquisição: conseqüências  no mundo ibérico
    - Relação Igreja e Estado: ações e conseqüências da propagação da fé católica

    Estabelecimento dos judeus em Portugal

    Memória de Domingos Vandelli sobre o estabelecimento de judeus em Portugal, sugerindo que se negociasse com os judeus empréstimos e investimentos, para assim, aumentar a povoação e riqueza do Reino. Também discorre sobre a relação entre os judeus, o Estado e a Igreja Católica ao longo da história, justificando a expulsão deles da Espanha e de Portugal por conta de um mal entendido dos reis Católicos, bem como por razões políticas do rei d. Manoel. A presença do povo hebreu em países católicos, tinha neste momento histórico, como consequência uma série de preocupações de que práticas hereges se espalham. Ao mesmo tempo, os a presença dos judeus, pela suas tradições de bons comerciantes, representavam lucros para estes países.

     

    Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
    Notação: Códice 807, vol 24
    Datas – limite: 1796-1802
    Título do fundo: Diversos códices - SDH
    Código do fundo: NP
    Argumento de pesquisa: Judeus
    Microfilme: 001-92
    Data do documento: s.d.
    Local: s.l.
    Folha (s): doc. 58

     

    “Memória II sobre os judeus[1].

    Sendo está a mais favorável ocasião nas atuais desordens da Europa, e principalmente da Polônia, da Holanda eu (sic); e no novo estabelecimento do povo franco de aumentar a povoação, indústria, comércio, e riquezas deste Reino recebendo novamente os judeus; a qual depois dificilmente se poderá aproveitar; me determina instar, que se aceitem, trabalhando-se de veras, e com atividade neste negócio, deixando a parte tudo o que agora pode inquietar o Povo com novas distinções, prerrogativas, privilégios de uma classe para diferenciá-la sempre mais das outras.

    Nesta memória indicarei com brevidade:

    1. A tolerância da religião Judaica

    2. Existência dos judeus em Portugal

    3. As diligências, que fizeram para restituir-se a este Reino

    4. Causa da sua expulsão[2]

    5. Utilidades, que se receberam aceitando-os

    6. Regimento para o seu governo

    7. Restituição aos Bispos do seu antigo, e próprio Direito

     

    1. Os Imperadores cristãos sempre toleraram a religião Judaica (...) Honório, e Theodósio proibiram aos cristãos, que não ofendessem os judeus, que por isso anualmente pagavam tributo (...)

    Nos primeiros séculos da Igreja o direito Canônico tolerou os judeus (...). Os papas concederam muitos privilégios aos judeus, v.g. ter escravos cristãos para o trabalho das terras.

    Clemente III não consentiu, que se constringissem os judeus a batizar-se.

    João XXII confirmou isso.

    Porém deviam viver separados dos cristãos nas suas judiarias (sic), ou guetos (...), e deviam pagar como os cristãos as décimas prediais, e oblações a Igreja (...).

    Na maior parte das Nações Católico-Romanas, e em Roma mesmo são tolerados, e protegidos.

     

    2. Na ruína geral de Espanha conservaram-se os judeus entre os cristãos e Mouros[3] no tempo dos godos, e foram nela conservados desde Afonso VII até d. Fernando IV; e chegaram a serem grandes ilegível dos Ministros de Espanha pelo seu préstimo, e grandes riquezas, gozando muitos privilégios com livre exercício da sua Religiões; pagando, porém, trinta dinheiros por cabeça.

    Muitos deles foram almoxarifes.

    No princípio deste Reino os judeus tiveram domicílio em Lisboa, Coimbra, Évora, Vizeu, Trancoso, Faro, Liria (sic), Covilhã, Santarém, e nos seus subúrbios; e foram quase sempre tratados com muita humanidade.

    O seu Arrabi Mor[4], que os governava, usava do selo com as quinas portuguesas.

    Viviam em Judiarias (sic), ou guetos dentro da cidade, com guardas.

    A Judiaria ou gueto de Lisboa era no princípio do Bairro da Pedreira entre o Carmo, e a Trindade; e depois se mudou para o bairro da Conceição, donde permaneceram até a sua final expulsão.

    Não obstante viverem separados dos cristãos, tendo também os seus particulares açougues (sic), tomavam os contratos, e Rendas Reais, com as quais se enriqueciam de modo, que instituíam Morgados (sic).

    Afonso II lhes proibiu ter ofícios públicos.

    Sancho II novamente lhes os concedeu, e que conservaram até ao reinado do Senhor rei d. Diniz.

    Costumavam os judeus no armamento das Naus dar uma ancora, e uma amarra por cada Nau, ou Galera.

    Afonso III lhes confirmou todos os privilégios.

    O sr. d. Diniz mandou observar os Cânones a respeito dos judeus, porém sempre lhes deu alguns ofícios; tendo nomeado d. Juda seu ministro da Fazenda, que o remunerou com a ilegível (sic) de Santarém.

    E Guedelha foi tesoureiro da Rainha.

    Todos os almoxarifes, e cobradores das Rendas Reais eram judeus.

    Afonso IV lhes diminuiu os privilégios.

    O sr. d. Pedro I foi seu Protetor, como também o Sr. d. Fernando, e principalmente o Sr. Rei d. João I, que lhes deu Regimento pelos seus negócios, e comércio, e lhes aumentou os privilégios.

    O sr. d. Duarte os protegeu; porém o Sr. d. Afonso V restringiu os seus privilégios.

    A razão desta declarada proteção aos judeus da maior parte dos nossos Reis, foi, sem dúvida, pelo grande benefício, que com eles experimentavam para o Reino, e Real Fazenda.

     

    3. Por causa do amor da sua antiga pátria, do benefício clima, e grande comodidade do extenso comércio deste Reino, e das colônias, várias vezes os descendentes das famílias judias expulsas, tentarão inutilmente de voltar para este Reino.

    E ouvi dizer, que no reinado do Sr. rei d. José chegaram a exibir sumas consideráveis para obter tal licença; e já se contentavam de estabelecer-se somente em Almada.

     

    4. A causa da sua expulsão de Espanha e Portugal, não foi por causa de insurreições, levantamentos, ou de quererem Prosélitos (sic); porque disto não temos verídicos exemplos, e se algum louco se diz judeu como Lorde Gordan em Inglaterra, são poucos anos, haverá muitos poucos que o imitam, mas sim por espírito de Religião mal-entendido de Fernando, e Isabel, Reis de Castela; e por razões políticas do Sr. rei d. Manoel.

    Por tais persecuções (sic) os judeus para salvar porção dos seus cabedais ideavam, e deram princípio as letras de câmbio.

    Enfim de gente industriosa, comerciante, que não tem outro fim principal, que se enriquecer; e que no mesmo tempo, pelo estado de abjeção, e vileza, na qual se acha a sua Nação dispersa, não podendo aspirar a honras, e distinções, nada se pode temer.

     

    5. Esta era a ocasião oportuna, negociando com habilidade, na qual se podia receber dos judeus uma quantia avultada de dinheiro para restituí-los a este Reino: e também alcançar deles o empréstimo de cinco, ou seis milhões, que ainda ilegível não obstante chegar a salvamento o convoso (sic).

    Se aumentará logo o rendimento da Real Fazenda com a capitação deles.

    Dá indústria e especulações no comércio dos judeus se puderam esperar as grandes vantagens do Porto franco.

    Concedendo-se lhes terras incultas se terá pronto aumento na Agricultura, a qual sem fundos consideráveis, não se pode esperar.

    As imensas riquezas, que muitos destas famílias possuem, adquiridos com o comércio, são bem conhecidas.

     

    6. Reformando alguma cousa o Regimento, que lhes deu o Sr. rei d. João I, e o que tinham pelo seu governo particular debaixo do Arraby Mor, e Magistrados públicos, e o que há de melhor naquele de Roma, e Veneza; se puderam os judeus domiciliar neste Reino sem opor-se a polícia geral da Nação.

    7. E para sossegá-los do horror, e medo em todo o tempo da intolerância; querendo-os de novo aceitar; seria então indispensável restituir aos Bispos o seu antigo, e próprio Direito de vigiar sobre a pureza, e conservação da nossa Religião; estabelecendo-se também para o castigo (sic) a imitação dos venezianos um tribunal para a Blasfêmia.

    Assim com o Porto Franco, e restabelecimento dos judeus se aumentará a povoação, e riquezas deste Reino, o cujo reinado será sempre na História das Nações celebrado: esta dispersa Nação protegida tanto por um sábio, e grande rei, qual foi João I; achará em um João VI, outro Patrono, restituindo-a a sua antiga Pátria.”

     

    [1] HEBREUS: povo de origem semita - indivíduos descendentes dos povos e culturas oriundas da Ásia ocidental e, portanto, pertencentes à mesma família etnográfica e linguística, como os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes -, os hebreus, segundo os primeiros relatos, habitavam o sul da Mesopotâmia. Eram pastores seminômades, organizados em pequenos grupos, e que tinham na religião judaica a sua principal característica, aquilo que os identificava como povo. O judaísmo - primeira religião monoteísta -, os diferenciava sobremaneira dos outros povos que também habitavam essa conturbada região e praticavam o politeísmo. Há aproximadamente 2000 anos a.C., os hebreus radicaram-se no vale do rio Jordão, na Palestina. A partir dessa ocupação, deixam o seu estado tribal para assumir uma identidade nacional, onde a terra, tornar-se-ia outro elemento de união desse povo. Por volta do ano 70 d.C., os romanos dominaram a região, destruindo sua principal cidade, Jerusalém. A partir de então, os hebreus, expulsos, dispersaram-se pelo mundo – o que ficaria conhecido como diáspora judaica. Foi no período romano que o etnônimio passou a ser utilizado também para referir-se aos judeus, um grupo étnico e religioso de ascendência hebraica. Durante a diáspora, os hebreus migraram para outras regiões do globo, sobretudo a Ásia Menor, África e o sul da Europa, onde formaram comunidades judaicas no intento de manter suas crenças e tradições. No mundo ibérico, sua presença sempre foi bastante conturbada. Constantemente sujeitos a perseguições, os judeus eram difamados como usurários, assassinos, ladrões, feiticeiros, etc. Expulsos pela Inquisição espanhola, em 1492, também enfrentaram a Inquisição em Portugal, após o casamento entre d. Manoel I e Isabel, princesa espanhola filha dos reis católicos. Entre as diversas leis contra os judeus, que foram publicadas nessa época, destaca-se o édito de expulsão de d. Manoel I, publicado em 1496, que obrigava os judeus e muçulmanos a sair do país ou a converter-se ao cristianismo. A partir de então, milhares de judeus foram forçados a adotar a fé católica, tornando-se os chamados cristãos-novos, mudando, inclusive, seus nomes, embora muitos tenham conservado em segredo a sua identidade, sendo denominados criptojudeus. Nas várias ondas de antissemitismo que atingiram os judeus, seus bens foram confiscados e suas mulheres condenadas à fogueira como hereges. Com relação à América portuguesa, os judeus aqui aportaram já em 1503, na condição de cristãos-novos, impulsionando o processo de colonização, com o aval da Coroa portuguesa. Desde 1535, era prática Portugal deportar para a América criminosos de todos os tipos e, com a introdução do Santo Ofício no Reino, que teve seu primeiro Auto-de-fé em 1540, os judaizantes - assim denominados aqueles que secretamente praticavam a fé judaica, mesmo na condição de cristãos-novos - também seriam degredados para o além-mar. Muitos também vieram fugidos da Inquisição, mesmo antes de uma acusação formal, pois o tribunal foi implacável na busca da origem étnica dos portugueses. Procuravam nos novos territórios ultramarinos um refúgio. No entanto, em fins do século XVI, a Inquisição se fez presente também na América portuguesa, através das visitas de inquisidores do Tribunal do Santo Ofício português, perseguindo e processando cristãos-novos por quaisquer condutas que ferisse os dogmas da Igreja Católica, entre elas as práticas de tradições e ritos judaicos. A partir da primeira visita em 1591, na Bahia, os cristãos-novos, sendo eles sinceramente convertidos ou não, enfrentaram um clima de denuncismo, preconceito e hostilidade. Pode-se afirmar, contudo, que as perseguições que teriam se iniciado no século XVIII enfrentaram muitas dificuldades, tendo em vista à ocupação territorial bastante espalhada feita pelos cristãos-novos na América portuguesa, levando a um número reduzido de prisões. Anita Novinsky (1972) também sustenta a ideia de que o interesse econômico da metrópole, ou seja, o peso das atividades financeiras desenvolvidas pelos cristãos-novos e sua importância na ocupação do território, contribuiu para as poucas detenções. Os judeus viveriam um período de relativa liberdade religiosa durante o período de ocupação holandesa no nordeste brasileiro (1630-1654). Algumas famílias de origem lusa, residentes nos Países Baixos, migraram para o nordeste, especialmente para Pernambuco, desfrutando da liberdade concedida então, sobretudo no período de Maurício de Nassau. Com a expulsão dos holandeses, muitos judeus regressaram à Holanda, outros ajudaram na fundação de Nova Amsterdam, atual cidade de Nova Iorque. A diáspora judaica chegou ao fim em 1948, com a fundação do Estado de Israel em sua região de origem, onde havia se mantido, ao longo do tempo, uma expressiva presença judaica. Ainda hoje, o povo judeu mantém a sua unidade através das histórias, tradições e cultos religiosos, independentemente do idioma ou da nacionalidade de cada indivíduo.

    [2] EXPULSÃO [DOS JUDEUS DA PENÍNSULA IBÉRICA]: a expulsão dos povos hebreus da península Ibérica aconteceu em fins do século XV, expressando a tentativa de cristianização da região por parte da Igreja Católica. Os primeiros a sofrerem com a ação da Santa Inquisição foram os judeus da Espanha, expulsos pelo édito de 1492 migrando, em grande número, para Portugal. No reino português, os judeus mantiveram-se a salvo da Inquisição até o casamento entre o rei d. Manuel e a princesa espanhola d. Isabel. A partir de 1496, a conversão à fé católica passou a ser condição para a permanência no reino. Os que ficaram em Portugal foram obrigados a abandonar as práticas judaicas e batizados a força, tornando-se “cristãos-novos” o que implicava em uma série de restrições na vida pública - era necessário ser “limpo de sangue” em todo império português – como comenta Lina Gorenstein. (Cf. Cristãos-novos, identidade e Inquisição. Rio de Janeiro, século XVIII. WebMosaica. Revista do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, v. 4, n. 1, jan-jun., 2012) e em uma distinção em relação aos cristãos velhos, além de suportarem preconceitos e perseguições naquelas sociedades. Mesmo assim, durante todo o período da Inquisição, estas pessoas foram vigiadas uma vez que a Igreja desconfiava da sinceridade da conversão e da continuidade das práticas religiosas judaicas às escondidas o que de fato ocorreu, sendo esse fenômeno conhecido como criptojudaismo.

    [3] MOUROS: também chamados de mauros ou mauritanos (pelos antigos romanos), o termo refere-se aos povos islâmicos de língua árabe oriundos do Norte da África que a partir do século VII invadiram a Península Ibérica, a Sicília, Malta e a França. Faziam parte dos grupos étnicos berberes e árabes, dominaram por vários séculos parte da Europa, divididos em grandes e pequenos califados, emirados e taifas. Até o ano de 1492 quando foi encerrado o processo de Reconquista com a rendição do último reino, de Granada (Espanha), expandiram sua cultura, arquitetura e religião principalmente entre os ibéricos, convertendo boa parte de seus habitantes ao islamismo. Com a retomada do Cristianismo como religião oficial, a maior parte das monumentais mesquitas construídas pelos mouros foi convertida em igrejas em um processo de sincretismo, e a arquitetura mista passou a ser denominada mourisca, bem como os mouros que se converteram ao Cristianismo e permaneceram na Europa depois da expulsão definitiva.

    [4] ARRABI-MOR: magistrado principal do sistema judicial seguido pelas comunidades judaicas no reino português. A aplicação de uma legislação própria, fundada no direito talmúdico (o Talmud constitui um extenso comentário a Torá ou Pentateuco, conjunto dos cinco livros sagrados do judaísmo em que se concentra a doutrina judaica), sempre que se tratasse de um réu judeu, foi confirmada no reinado de d. Afonso III e sancionada sob d. Dinis em 1284. Defendia que apenas um judeu pudesse testemunhar contra outro, mas devido às pressões exercidas pela Igreja e outros grupos, essa lei foi revogada posteriormente. O arrabi-mor era eleito por uma assembleia e sua representação dos demais membros da comuna diante do poder régio era confirmada pelo monarca.

    Sugestões de uso em sala de aula:
    Utilização(ões) possível(is):

    - No eixo temático sobre a “história das relações sociais da cultura e do trabalho”
    - No tema transversal “pluralidade cultural”


    Ao tratar dos seguintes conteúdos
    :

    - A formação da sociedade colonial
    - Sociedade colonial: práticas e costumes
    - A Contra-reforma e a Santa Inquisição: conseqüências no mundo ibérico
    - Relação Igreja e Estado: ações e conseqüências da propagação da fé católica

  • ASSIS, Angelo. A. F. de. “O Medievo Português em tempos de livre crença: relações entre judeus e cristãos em Portugal antes do monopólio católico iniciado em 1497”. In: COSTA, Ricardo da; TÔRRES, Moisés Romanazzi e ZIERER, Adriana (dirs.). Mirabilia ¾ Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval. Brasil. Número 3, dez. 2003. Internet: www.revistamirabilia.com. ISSN 1676-5818.
     GONSALVES DE MELLO, José Antônio. Gente da Nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654. 2ª ed. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1996.
     HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand, 1975, 3 vols.
     KAYSERLING, Meyer. História dos judeus em Portugal. São Paulo: Pioneira, 1971.
     LIPINER, Elias. O Tempo dos Judeus segundo as Ordenações do Reino. São Paulo: Nobel / Secretaria de Estado da Cultura, 1982. 
    SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos novos. 6a ed. Lisboa: Ed. Estampa, 1994.

    VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

      

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