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Publicado: Terça, 05 de Junho de 2018, 14h42 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 16h51

Demissão do marquês de Barbacena

 Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva a Felisberto Caldeira Brant Pontes em resposta ao seu pedido de demissão, face à insatisfação com o trabalho. José Bonifácio expressa a confiança que, assim como o Imperador, deposita no talento de Felisberto Caldeira Brant Pontes para as funções diplomáticas e devido às circunstâncias nega o pedido. O documento trata ainda, da negociação das fragatas e dos soldados que protegeriam a costa brasileira, assim como negociações para o reconhecimento da independência do Brasil após a aclamação de d. Pedro I. O documento chama atenção para a aceitação do título de Imperador por parte de d. Pedro I, o que não interferia em sua relação com Portugal, posto que os brasileiros não desejavam o rompimento das relações com os portugueses, "visto que o Brasil deseja unicamente não ser escravo nem pupilo de Portugal, mas não repugna ser aliado".

Conjunto documental: Marquês de Barbacena - Série diplomacia
Notação: DIL 18
Data-limite: 1809-1836
Título do fundo: Marquês de Barbacena
Código de fundo: Q1
Argumento de pesquisa: Marquês de Barbacena - Série diplomacia
Data do documento: 9 de fevereiro de 1823
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): DIL 18

 

Fui entregue dos ofícios de V. Sª de 30 de Outubro de 12, 16, 17 e 30 de Novembro, e de 7 de Dezembro, os quais levei a Augusta Presença de Sua Majestade Imperial[1], que ficou inteirado do seu interessante conteúdo. S.M.I. [Sua majestade imperial] confiando muito nos distintos merecimentos de V. Sª., a bem da importante comissão para que houve por bem escolhê-lo não pode conseguintemente ouvir sem desprazer que V. Sª deseja e solicita a sua demissão; mas certificado que esta desconfiança que V. Sª tem nos seus talentos para as funções diplomáticas, é mais um título à sua confiança, e achando-a ao mesmo tempo sem realidade, não pode desonerá-lo do lugar para que o nomeou, ao menos enquanto se não se sabe se será preciso dar aos seus ministros diplomáticos outro caráter superior ao de encarregado de negócios, o que depende do reconhecimento do Império, como potência soberana; e bem assim da linha de perfeita reciprocidade que a vista do comportamento do gabinete Inglês se deverá adotar. Espera pois S. M. I. que V. S. fazendo o bem da pátria os sacrifícios que ela tem direito de esperar dos seus filhos, nesta importante conjuntura, continue a prestar-se ao serviço do Império, como seu costumado zelo, e da maneira que as circunstâncias tornarem necessárias. Ficando V. Sª desde já na inteligência de que S. M. I. bem reconhece a necessidade de aumentar o ordenado dos seus encarregados de negócios, a proporção dos países em que atuam no que se cuidará na primeira oportunidade, assim como em tudo o mais que diz respeito ao corpo diplomático, secretários, adidos.

Passando agora aos objetos públicos, de que tratam os seus ofícios tenho a responder a V.Sª. que ainda que não lhe fosse ordenada explicitamente nas suas instruções à compra das embarcações, por se ignorar então o que nesse tempo se passava entre V. Sª., o capitão Thompson e outros; com tudo estas mesmas instruções autorizavam a V. Sª para despesas extraordinárias e indispensáveis, e era de supor que tratando-se nelas da vinda de tropa e oficiais estrangeiros, se deixava a V. Sª em ampla espera para lançar mão d´outros meios humilhantes para defender este Império[2], mas enfim sobre este ponto estará já V.Sª seguro pelos últimos despachos n.º 4 e n.º 8, pelos quais expressamente se lhe recomendou a compra das fragatas. Não posso todavia deixar de ponderar a V.Sª que se acaso não se julgava autorizado, nem ainda pelas instituições, para a compra dos navios, seria melhor não começar a tratar esse negócio que não podia concluir, visto que fazendo-se pública a intenção de semelhante compra, os portugueses nossos inimigos[3], cientes no nosso projeto, fariam todos os esforços para frustrar tal compra ou ao menos dificultá-la.

Tem merecido a aprovação de S. M. I. a madureza com que V. S. tem encaminhado as suas relações com o ministro dos negócios estrangeiros em Londres; e do rápido progresso com que elas marcharam ao desejável ponto do reconhecimento da Independência do Brasil[4], sobre que V. S. não descobria, com toda razão dificuldade alguma; até que a notícia da aclamação de S. M. I. e a surpresa de Mr. Canning colocou a V. S. em uma posição que pensa difícil. Estou certo que V. Sª já terá conhecido e esta hora que a surpresa de Mr. Canning é um jogo diplomático para melhor fazer a declaração do reconhecimento. Mr. Canning perfeitamente sabia, assim como todos os iluminados Estados da Europa bem haviam de prever, que a aclamação de S. M. I. era um ato necessário e conseqüente da Independência do Brasil, e do hostil procedimento das cortes de Portugal[5]. Era pública na Europa a tendência dos brasileiros já de muito tempo a elevarem ao trono independente do Brasil a S. M. I. então Príncipe Regente, e com efeito em o ano de 1821 o povo do Rio de Janeiro tinha querido aclamá-lo Rei, o que S. M. I. prudentemente recusou, por não tomar este procedimento dos fluminenses como a expressão da vontade geral do Brasil, e porque não havia ? de que as cortes de Portugal emendassem seus desvarios, e procurassem reconciliar a nação; porém assim que S. M. I. cercados dos Procuradores Gerais das províncias, conheceu ser a vontade unânime dos povos aclamá-lo seu imperador, e que não havia outro meio de segurar a Independência do Brasil, que se havia proclamado, e de salvar a nação, e os direitos da sua Augusta Casa, não teve outro remédio se não deferir aos desejos de um povo inteiro que o idolatra, e que a semelhança dos outros povos americanos não querem de modo algum obedecer mais a Europa.

A surpresa de Mr. Canning[6] neste ponto a ser verdadeira, faria de certo pouca honra a sua ilustrada política, pois estar pronto o governo britânico a reconhecer o Brasil independente e pensar que o Brasil independente se contentaria com um simples delegado do poder real existente na Europa, era pensar um absurdo de que certamente Mr. Canning não era capaz.

Entretanto S. M. I. aceitou o título de Imperador, que por delicadeza preferiu ao de Rei, título que bem considerado não destrói a união do Brasil a Portugal, pois jamais os brasileiros declararam que renunciavam a quaisquer meios conciliatórios, com tanto que fossem por uma aliança decorosa, de vantagens recíprocas a ambos Estados, e celebrada com o de nação a nação; visto que o Brasil deseja unicamente não ser escravo nem pupilo de Portugal, mas não repugna ser aliado.

Finalmente a esse respeito dirá V. Sª a Mr. Canning o mesmo que S. M. I. me tem autorizado para dizer confidencialmente a Mr. Chaberlain[7] nesta Corte - Que os brasileiros não querem ter outro Imperante se não a S. M. I. o senhor d. Pedro I, e que estão dispostos a sustentar até a extremidade um trono, que se funda nas leis imutáveis da natureza, que deu ao Brasil elementos para ser absolutamente independente, no amor dos povos, na gratidão, e no conhecimento das eminentes qualidades do Imperador - Que os brasileiros reverenciam e amam ao Snrº. D. João 6º Rei de Portugal e Algarves, tanto que farão todos os esforços possíveis para salvá-lo do afrontoso estado, a que acha reduzido[8], mas que jamais reconhecerão a sua autoridade neste Império, pois isto seria frustrar tudo o que se tem feito.- Que todas as negociações e tratados que qualquer potência quiser encetar com o Brasil, se não tiverem por base o reconhecimento destes princípios, jamais serão aceitos nem admitidos pelos brasileiros. O que levo ao conhecimento de V. S. para sua inteligência. Deus guarde a V. Sª. Palácio do Rio de Janeiro 9 de Fevereiro de 1823.

José Bonifácio de Andrada e Silva[9]

Felisberto Caldeira Brant Pontes[10].

 

[1]PEDRO I, D. (1798-1834):  batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[2] IMPÉRIO DO BRASIL: fundado em 1822, o império brasileiro chegou ao fim em 1889 com a Proclamação da República. Sua gênese pode ser localizada na crise do antigo sistema colonial, na difusão das ideias ilustradas, nas revoluções e lutas pela independência das colônias vizinhas, além das revoltas emancipacionistas internas do final do século XVIII que caracterizavam a constante insatisfação com as monarquias europeias. A vinda da família real portuguesa para o Brasil adiou as discussões sobre independência e inverteu as relações entre colônia e metrópole, uma vez que o domínio sobre a colônia se acentuou, mas o governo sobre a metrópole lusa passou a ocupar uma posição secundária. Diante disso, em 1820, organizou-se em Portugal o movimento conhecido como Revolução do Porto, que exigia a volta definitiva da realeza lusitana, a criação de uma constituição e o fortalecimento do domínio português sobre o Brasil, numa tentativa recolonizadora. Mesmo com a volta de d. João VI a Portugal e a aceitação da constituição elaborada pelas Cortes, as divergências entre colônia e metrópole persistiram, levando d. Pedro I a proclamar a independência e ser coroado como imperador do Brasil em 1822. Nove anos mais tarde, ele abdicou do trono em favor do seu filho, que ainda era uma criança e voltou para Portugal. No Brasil foram escolhidos regentes que governaram até que d. Pedro II pudesse assumir a direção do Império, o que ocorreu em 1840, com o chamado Golpe da Maioridade, pois d. Pedro II ainda tinha 14 anos de idade e pela constituição não poderia assumir o governo. Assim, esse período de 67 anos foi dividido pelos historiadores em três fases: o primeiro reinado, período regencial e o segundo reinado. Durante todos esses anos prevaleceu uma única constituição que instituía a monarquia hereditária, o catolicismo como religião oficial do império, os quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador – esse último estava acima dos demais poderes e centralizava o poder nas mãos do imperador, além do voto censitário, que por estar baseado na renda excluía a maior parte da população. Internamente, o país conheceu revoltas travadas contra o próprio sistema monárquico, a escravidão, os altos impostos e o sistema de pesos e medidas. O Brasil também se envolveu em guerras com países vizinhos por disputas territoriais como a Guerra da Cisplatina (1825 a 1828), que aumentou a impopularidade de d. Pedro I e as dívidas do país, e a Guerra do Paraguai (1865-1870), que, igualmente, contribuiu para o endividamento do estado e enfraquecimento do regime monárquico. Além disso, a partir da década de 1870, a Coroa entrou em conflito com a Igreja Católica e com os militares. Ambos estavam descontentes com a intromissão do governo em questões religiosas e militares e retiraram seu apoio ao governo monárquico. O movimento abolicionista ganhou força na década de 1880 quando projetos para a libertação dos escravos foram apresentados ao Senado até a vitória com a Lei Áurea de 1888, abolindo definitivamente a escravidão no Brasil. A liberdade dos cativos, porém, teve um alto preço para o trono de d. Pedro II, uma vez que grande parte da aristocracia brasileira foi contra essa medida. Dessa forma, estava instaurado o caos no império, com a crise econômica, perda do apoio da igreja Católica, da aristocracia e dos militares. Estes últimos uniram suas forças aos republicanos, principalmente do já formado Partido Republicano Paulista, para jogar a última pá de cal no sistema monárquico e proclamar a República em novembro de 1889.

[3] PORTUGUESES NOSSOS INIMIGOS: na busca pelo reconhecimento de emancipação do Brasil com relação a Portugal, o governo brasileiro ambicionava manter as negociações comerciais e diplomáticas, sem romper totalmente com o governo lusitano. No entanto, o agravamento da situação entre colônia e metrópole, após a proclamação da independência, transformou, no discurso político, os portugueses de irmãos em inimigos do Império do Brasil. Contribuiu para essa visão, principalmente, o fomento das divergências internas pela adesão ao recém-criado império, com o envio de tropas portuguesas para lutar ao lado das províncias que se mantinham fiéis ao governo português.

[4] REESTABELECER A PAZ, AMIZADE E BOA HARMONIA ENTRE OS POVOS IRMÃOS: essa expressão refere-se ao processo de reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, com o intuito de encerrar os conflitos que ocorreram em território americano pela não aceitação da emancipação. As províncias do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, parte da Bahia e Cisplatina, por preservar relações diretas com a metrópole, mantiveram-se fiéis às Cortes de Lisboa e contrários à Independência, o que originou conflitos entre tropas portuguesas e brasileiras, postergando a consolidação da soberania brasileira. No final do ano de 1823, todas as províncias já haviam reconhecido o Brasil como país independente e d. Pedro I como seu imperador. Contudo, no âmbito político, ainda se mantinham as divergências entre os adeptos da causa da emancipação e aqueles que queriam a permanência dos vínculos com Portugal, que mais tarde se reuniram nos partidos brasileiro e português, respectivamente. A intervenção do governo britânico foi fundamental para o reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, interessada em manter as relações econômicas com o Brasil, intensificadas desde a abertura dos portos, mas também com a antiga aliada lusa. O reconhecimento pela nação britânica, asseguraria a continuidade das relações comerciais e seria, ainda, um passo importante para que as outras nações estrangeiras fizessem o mesmo. Entre os países estrangeiros, os Estados Unidos, favoráveis a independência de todas as colônias americanas, foram os primeiros a reconhecer o Brasil como país soberano. Já as nações europeias resistiram, uma vez que haviam firmado um acordo no Congresso de Viena (1815) para defender o absolutismo e combater as ideias de liberdade.  Nesse contexto, José Bonifácio enviou à Inglaterra o marquês de Barbacena, para negociar o reconhecimento do Brasil como Estado independente de Portugal. Para o correto desempenho da função, escreveu as instruções que deveriam ser cumpridas pelo agente diplomático, entre elas, a recomendação de informar e recolher documentos comprobatórios sobre possíveis acordos entre portugueses e ingleses que pudessem prejudicar o Brasil. O novo império americano utilizava-se do discurso de que a Independência se legitimava na vontade geral de seus habitantes e deixava claro que só negociaria com as nações que o reconhecessem como independente, não fechava suas portas para negociações com a antiga metrópole, desde que fossem por meio de alianças benéficas para ambos os países. Dessa forma, o governo inglês assumiu a intermediação das negociações com os governos do Rio de Janeiro e de Lisboa, conseguindo que o primeiro se comprometesse a pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas a Portugal para o definitivo reconhecimento da Independência. A quantia, paga a Portugal, foi emprestada pela Inglaterra. O Tratado de Paz e Aliança assinado em 1825 entre Brasil e Portugal pretendia estabelecer boas relações diplomáticas entre os dois países e assegurar a continuidade das relações comerciais.

[5] CORTES DE PORTUGAL: com a transmigração da família real para o Brasil, Portugal passou a ser dirigido por governadores do reino, sofrendo forte interferência do governo inglês e tendo seu território ocupado por tropas britânicas para impedir a invasão napoleônica. Esses fatores, aliados à difusão de ideias liberais e à crise econômica, desagradavam grupos mercantis, a elite letrada e os militares portugueses, que se reuniram em 1821 no movimento chamado Revolução do Porto. O movimento de cunho liberal tinha como, um dos seus objetivos, criar uma nova constituição para Portugal. Sendo assim, os revolucionários instituíram a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que um ano depois convocou as Cortes para elaborar uma Carta que acabasse com o absolutismo e estabelecesse uma monarquia constitucional, expressando o início dos novos tempos. Mesmo com o clima de tensão, d. Pedro, em lugar de seu pai no Rio de Janeiro, conseguiu atender as exigências das Cortes de aceitar as bases da carta que seria criada, porém, sob a condição de que não fosse implantado o modelo espanhol, nem juntas governativas populares. Foi assegurado ao monarca, o direito de aprovar ou não as decisões das Cortes e a religião católica. Porém, as Cortes continuaram elaborando uma série de medidas que pressionavam o governo da colônia e limitavam sua autonomia, como a criação das juntas governativas provisórias subordinadas diretamente a Lisboa, cuja autoridade abrangia as áreas econômica, administrativa, de polícia e jurisprudência civil. A presença de d. Pedro no Brasil se tornava praticamente desnecessária, uma vez que as juntas representavam todas as esferas do governo e o impeliam a retornar a Lisboa. No dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como o dia do Fico, o príncipe decidiu permanecer no Brasil, visando controlar os ânimos e manter a ordem. Neste momento, ainda não se falava em separação, ao contrário, o clamor pela continuidade da regência de d. Pedro se fazia para evitar a queda do Império luso-brasileiro, uma vez que a adesão ou não de cada província ao sistema constitucional das Cortes de Lisboa poderia acarretar a fragmentação do território do Reino Unido do Brasil, tal como ocorrera com as colônias espanholas na América. No entanto, representou um ato de rebeldia contra as Cortes e o sistema constitucional imposto por elas, além de uma tentativa de manter, no Brasil, uma monarquia absolutista. A situação tornou-se insustentável, levando à proclamação da independência em setembro de 1822.

[6] MR. CANNING (1770-1827): George Canning foi político britânico de grande influência em seu país no início do século XIX. Nasceu e faleceu em Londres, pouco depois de tornar-se primeiro-ministro inglês. Estudou em Eton e Oxford, foi subsecretário do exterior em 1796 e ministro do exterior onze anos depois. Também foi embaixador em Lisboa em 1814 e 1815, e novamente nomeado ministro do exterior em 1822, quando também foi líder da Câmara dos comuns. Contrariando a Santa Aliança apoiou o reconhecimento da independência dos países latino-americanos, inclusive do Brasil. Foi Canning que orientou as discussões em torno do reconhecimento da independência do Brasil entre Londres, Lisboa e o Rio de Janeiro. Conservador, foi considerado hábil diplomata pelo sucesso das negociações em que esteve à frente. Já como primeiro-ministro conseguiu a emancipação política dos católicos, além do reconhecimento da independência da Grécia.

[7] MR. CHAMBERLAIN (1773-1829): Henry Chamberlain ocupou a função de cônsul da Inglaterra na corte do Rio de Janeiro entre os anos de 1815 e 1829. Atuou pelo reconhecimento da independência do Brasil ao lado de José Bonifácio e do ministro inglês dos Negócios do Exterior George Canning. Foi pai do pintor e desenhista de mesmo nome, Henry Chamberlain, que publicou a obra Views & Costumes of Rio de Janeiro, com 36 gravuras de bairros e paisagens da capital fluminense.

[8] AFRONTOSO ESTADO A QUE SE ACHA REDUZIDO: Após a Revolução do Porto, d. João VI volta a Portugal e é obrigado a acatar as decisões tomadas pelas Cortes, uma vez que o movimento liberal substituía o Antigo Regime pela monarquia constitucional. Essa situação era vista por d. Pedro como um insulto e ofensa ao monarca, que agora estava submetido as Cortes.

[9] SILVA, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E (1763-1838): intelectual ilustrado, naturalista e político que exerceu grande influência no processo de independência do Brasil. Nasceu em Santos em 1763, proveniente de família rica e pai funcionário da administração colonial. Assim como os demais integrantes da “geração de 1790” formou-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de filosofia e direito. Como sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, viajou pela Europa estudando química e mineralogia. Em Portugal, ocupou as funções de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, professor de metalurgia em Coimbra e diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda. De volta a São Paulo em 1819, viajou pela província fazendo estudos mineralógicos e em seguida, por ocasião da Revolução do Porto, foi eleito membro da Junta Governativa de São Paulo. Era adepto da ideia de um Império luso-brasileiro, sem que o Brasil perdesse a autonomia já conquistada. Porém, as pressões das Cortes de Lisboa o fizeram mudar de estratégia e defender, então, a emancipação da colônia. Conhecido por suas articulações políticas na construção do novo império idealizou a aclamação do imperador, além de trabalhar na adesão das províncias que ainda se mantinham fiéis a Lisboa e no reconhecimento da independência junto a Inglaterra. Quando d. Pedro I, em 1823, dissolveu a assembleia constituinte para a qual foi eleito com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, Bonifácio rompeu relações com o imperador e passou a criticar seu autoritarismo e aproximação com os grupos portugueses, o que o levou a ser deportado para a França. A reaproximação entre ambos aconteceu em 1829, quando voltou ao Brasil. Depois se tornou tutor de d. Pedro II por ocasião da abdicação. Foi destituído desta função e preso em sua casa em Paquetá por seus adversários, acusado de apoiar a restauração de d. Pedro. Mesmo com a absolvição, em 1835, permaneceu nessa casa até sua morte em 1838. Inspirado pelo ideário das Luzes [Iluminismo], Bonifácio mostrou-se preocupado com as populações indígenas, contrário ao trabalho escravo e favorável à educação como meio de transformação da sociedade. Dentre suas principais contribuições à Assembleia de 1823 constam o fim da escravidão e a civilização dos índios, propondo a distribuição de terras gratuitas a imigrantes pobres, a negros forros, a mulatos e índios domesticados. Por outro lado, também assumia um ideário conservador ao defender o sistema monárquico centralizado e o princípio de um Estado aliado a uma elite para a condução do país ao progresso.

[10] PONTES, FELISBERTO CALDEIRA BRANT (1772-1841): militar, político e diplomata, descendente de nobres flamengos, nasceu na cidade de Mariana, Minas Gerais, e formou-se na Academia de Marinha de Lisboa, seguindo, porém, carreira no Exército. Após os estudos, voltou ao Brasil com a família real e fixou moradia em Salvador, onde se casou e ocupou o cargo de Governador das Armas da Bahia. Fez oposição às medidas tomadas pelas Cortes de Lisboa e à submissão do reino do Brasil a elas. Indicado por José Bonifácio como agente diplomático, viajou para Londres a fim de tratar do reconhecimento da emancipação do Brasil, antes mesmo da proclamação da independência. Negociou, ainda, empréstimos entre Brasil e Inglaterra, o tratado de comércio entre esses países e o acordo do segundo matrimônio de d. Pedro I com a princesa d. Amélia de Leutchemberg. Foi, também, deputado da Assembleia Constituinte da Bahia, senador do Império, membro do Conselho de Estado, gentil-homem da Imperial Câmara, cavaleiro da ordem de Pedro I, grã-cruz das Ordens do Cruzeiro e da Rosa e comendador da Ordem de Cristo. Por seu desempenho e trajetória política a serviço do Império, foi agraciado com os títulos de visconde em 12 de outubro de 1825 e, no ano seguinte, com o título de marquês de Barbacena.

Instruções para o desempenho da função de encarregado de Negócios na Corte de Londres

Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva a Felisberto Caldeira Brant Pontes com instruções para o regulamento a ser seguido na função de Encarregado de Negócios na Corte de Londres. Dentre as referidas instruções, pode-se destacar a necessidade da criação de uma Assembleia Geral Constituinte Legislativa no Brasil; o não reconhecimento da autoridade do Congresso de Lisboa, além de protesto em relação ao estado de cativeiro no qual Dom João VI se encontrava em Portugal. Busca, ainda, junto à corte de Londres o reconhecimento da independência política do Reino do Brasil, assim como oferecia os argumentos para conseguir tal feito.



Conjunto documental: Marquês de Barbacena - Série Diplomacia
Notação: DIL 04
Data-limite: 1809-1836
Título do fundo: Marquês de Barbacena
Código de fundo: Q1
Argumento de pesquisa: Marquês de Barbacena
Data do documento: 12 de Agosto de 1822
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): DIL.4 doc. 33-37    

 

Instruções para o desempenho da função de encarregado de Negócios na Corte de Londres

Instruções para regulamento do Sr. Felisberto Caldeira Brant Pontes[1] no desempenho das funções de Encarregado de Negócios na Corte de Londres para que é nomeado.

1          

Havendo S. A. Real por bem nomeá-lo seu encarregado de negócios junto de sua Majestade Britânica, lhe é por esta ocasião remetida a sua carta de crença, que o deve autorizar junto aquele governo, a qual apresentará depois de ter previamente sondado as disposições de Governo Britânico, a fim de salvar do acordo deste reino e a dignidade de Príncipe Regente[2].

2

Procurará ter todo conhecimento de quaisquer propostas, projetos e negociações da Corte de Lisboa com a de Londres[3], e do que descobrir fará prontos avisos, acompanhando-os dos documentos que melhor servirem para os ilustrarem, ou autenticarem, de forma que possa nosso Governo, quando convier, fazer deles uso ostensivo.

3

Assim que for recebido como o encarregado de negócios do reino do Brasil, como é de esperar; exporá com energia e clareza os motivos justos que teve o Brasil. 1a De não reconhecer mais a autoridade do Congresso de Lisboa. 2a De querer uma Assembleia Geral Constituinte Legislativa dentro de seu próprio território, que tenha as mesmas atribuições da de Lisboa. 3a De considerar Sua Majestade El-rei o Senhor Dom João Sexto em estado de coação e cativeiro[4] sem por isso indispensável que S. A. R [Sua Alteza Real]. tente salvá-lo deste afrontoso estado de péssimo exemplo às dinastias. 4a Da necessidade de corresponder-se S. A. R. diretamente com as cortes estrangeiras. Insistirá particularmente sobre o ponto da coação e cativeiro em que se acha El-rei em Lisboa, o que só bastava para que S. A. R. e o Brasil não devessem obedecer aos decretos daquele Congresso, não obstante aparecerem eles revestidos da sanção d' El-rei, a qual por ser forçada é nula por direito.

4

Mostrará outro sim que S. A. R. para conservar a realeza no Brasil e os Direitos de Augusta Casa de Bragança devia, como fez, anuir ao voto geral dos brasileiros, que reclamavam a integridade do seu país, e a sua Independência política[5], como reino irmão e tão livre como o de Portugal; exigindo para estes fins a conservação de S. A. R., e aclamando-o logo depois seu defensor perpétuo.

5

Nestas circunstancias é indubitável a necessidade que tem o mesmo senhor, para corresponder aos votos dos brasileiros, firmar os seus direitos, e defendê-los de projetos hostis, de representar no Brasil toda a autoridade que compete ao chefe supremo do Poder Executivo, e de obrar independentemente de Portugal, e de travar relações políticas diretamente com as nações estrangeiras que comerciem conosco, com as quais de fato se passa a abrir a devida correspondência.

6

Procurará portanto obter desse governo o reconhecimento da Independência política deste Reino do Brasil, e da absoluta Regência de S. A. R. e plena autoridade, em quanto sua majestade se achar no afrontoso estado de cativeiro, a que o reduziu o partido faccioso das Cortes de Lisboa.

7

Para que este reconhecimento se consiga além dos princípios de Direito Público Universal que o sancionam fará ver com toda a desteridade que os próprios interesses do governo Britânico instam por aquele reconhecimento pois com ele = 1a = Se paralisam os projetos dos facciosos de Lisboa[6], que de tão péssimo exemplo podem ser aos governos legítimos das mais nações = 2a = Desempenha a Inglaterra os deveres de antiga e fiel aliada da casa de Bragança = 3a = procede coerente com os seus princípios liberais, e reconhecendo agora a Independência do Brasil satisfaz ao dever que implicitamente contraíra quando em outro tempo reconhecera solenemente a categoria de Reino a que este país fora então elevado = 4a = Utiliza no seu comércio, que de certo padeceria se duvidasse reconhecer a Independência do Brasil, visto que este Reino à semelhança da Colômbia, que não tem tantos direitos e recursos está resolvido a fechar seus portos a qualquer potência que não quiser reconhecer nele o mesmo direito que tem todos os povos de se constituírem em estados Independentes,  quando a sua prosperidade e seu decoro e exigem. Além disso fará ver ao ministério Britânico, que se os governos independentes das ex-províncias espanholas americanas têm sido reconhecidas, e até mesmo de algum modo em Inglaterra, onde já se permitiu a entrada das suas bandeiras, com maior justiça deve ser considerado o Brasil, que há muito tempo deixou de ser colônia e fora elevado a categoria de Reino, pelo seu legítimo monarca, e como tal foi reconhecido pelas altas potências da Europa.

Mostrará em última análise que S. A. R. só levado pelas considerações de amizade e de boa harmonia com as nações amigas, e pelo respeito que consagra a opinião do gênero humano, é que patenteia os seus firmes princípios, e a resolução destes povos, cuja Independência pretende seja reconhecida, pois é obvio e evidente, que o Brasil não se receia das potências Européias, de quem se acha apartado por milhares de léguas; e nem tão pouco precisa delas, por ter no seu próprio solo tudo o que lhe é preciso, importando somente das nações estrangeiras objetos pela maior parte de luxo, que estas trazem por interesse seu.

8

... Será seu dever no primeiro caso mostrar que a Inglaterra como antiga aliada, e imediata interessada nessa questão pertence de algum modo ingerir-se nela, ainda que não seja senão como mediador, o que S. A. R. muito estimará: e no segundo caso será do seu dever mostrar que a opinião geral dos brasileiros declarando-se por esta Independência é firme e geral; e que não existem divisões internas[7] exceto em alguns pouquíssimos europeus faltos de meios e influencia....

9

Deverá mais desenganar aquele governo sobre o caráter que vulgarmente se dá na Europa á nossa revolução. Mostrará pois que nós queremos Independência, mas não separação absoluta de Portugal: pelo contrário S. A. R. tem protestado em todas as ocasiões, e ultimamente no seu manifesto as potências que deseja manter toda a grande família portuguesa reunida politicamente debaixo de um só chefe, que hora é o Sr. Dom João Sexto, o qual porém se acha privado da sua autoridade, e oprimido pela facção dominadora das Cortes. Todavia bem que estes sejam os princípios verdadeiros do gabinete de S. A. R. poderá usar a este respeito da linguagem e insinuações que julgar mais próprias ao andamento dos negócios, servindo-lhe para isto de guia os sentimentos do governo inglês de que tirará partido.

10

Proporá e insistirá com o governo inglês para que envie a esta corte os seus agentes diplomáticos, como uma retribuição essencialíssima de amizade e franqueza, fazendo sentir aquele governo que este passo parece indispensável depois do manifesto de S. A. R. as potencias amigas. ...

Rio de Janeiro[8] 12 de Agosto de 1822

 

[1] PONTES, FELISBERTO CALDEIRA BRANT (1772-1841): militar, político e diplomata, descendente de nobres flamengos, nasceu na cidade de Mariana, Minas Gerais, e formou-se na Academia de Marinha de Lisboa, seguindo, porém, carreira no Exército. Após os estudos, voltou ao Brasil com a família real e fixou moradia em Salvador, onde se casou e ocupou o cargo de Governador das Armas da Bahia. Fez oposição às medidas tomadas pelas Cortes de Lisboa e à submissão do reino do Brasil a elas. Indicado por José Bonifácio como agente diplomático, viajou para Londres a fim de tratar do reconhecimento da emancipação do Brasil, antes mesmo da proclamação da independência. Negociou, ainda, empréstimos entre Brasil e Inglaterra, o tratado de comércio entre esses países e o acordo do segundo matrimônio de d. Pedro I com a princesa d. Amélia de Leutchemberg. Foi, também, deputado da Assembleia Constituinte da Bahia, senador do Império, membro do Conselho de Estado, gentil-homem da Imperial Câmara, cavaleiro da ordem de Pedro I, grã-cruz das Ordens do Cruzeiro e da Rosa e comendador da Ordem de Cristo. Por seu desempenho e trajetória política a serviço do Império, foi agraciado com os títulos de visconde em 12 de outubro de 1825 e, no ano seguinte, com o título de marquês de Barbacena.

[2] PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[3] [NEGOCIAÇÕES DA] CORTE DE LISBOA COM A DE LONDRES: essa expressão refere-se ao processo de reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, com o intuito de encerrar os conflitos que ocorreram em território americano pela não aceitação da emancipação. As províncias do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, parte da Bahia e Cisplatina, por preservar relações diretas com a metrópole, mantiveram-se fiéis às Cortes de Lisboa e contrários à Independência, o que originou conflitos entre tropas portuguesas e brasileiras, postergando a consolidação da soberania brasileira. No final do ano de 1823, todas as províncias já haviam reconhecido o Brasil como país independente e d. Pedro I como seu imperador. Contudo, no âmbito político, ainda se mantinham as divergências entre os adeptos da causa da emancipação e aqueles que queriam a permanência dos vínculos com Portugal, que mais tarde se reuniram nos partidos brasileiro e português, respectivamente. A intervenção do governo britânico foi fundamental para o reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, interessada em manter as relações econômicas com o Brasil, intensificadas desde a abertura dos portos, mas também com a antiga aliada lusa. O reconhecimento pela nação britânica, asseguraria a continuidade das relações comerciais e seria, ainda, um passo importante para que as outras nações estrangeiras fizessem o mesmo. Entre os países estrangeiros, os Estados Unidos, favoráveis a independência de todas as colônias americanas, foram os primeiros a reconhecer o Brasil como país soberano. Já as nações europeias resistiram, uma vez que haviam firmado um acordo no Congresso de Viena (1815) para defender o absolutismo e combater as ideias de liberdade.  Nesse contexto, José Bonifácio enviou à Inglaterra o marquês de Barbacena, para negociar o reconhecimento do Brasil como Estado independente de Portugal. Para o correto desempenho da função, escreveu as instruções que deveriam ser cumpridas pelo agente diplomático, entre elas, a recomendação de informar e recolher documentos comprobatórios sobre possíveis acordos entre portugueses e ingleses que pudessem prejudicar o Brasil. O novo império americano utilizava-se do discurso de que a Independência se legitimava na vontade geral de seus habitantes e deixava claro que só negociaria com as nações que o reconhecessem como independente, não fechava suas portas para negociações com a antiga metrópole, desde que fossem por meio de alianças benéficas para ambos os países. Dessa forma, o governo inglês assumiu a intermediação das negociações com os governos do Rio de Janeiro e de Lisboa, conseguindo que o primeiro se comprometesse a pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas a Portugal para o definitivo reconhecimento da Independência. A quantia, paga a Portugal, foi emprestada pela Inglaterra. O Tratado de Paz e Aliança assinado em 1825 entre Brasil e Portugal pretendia estabelecer boas relações diplomáticas entre os dois países e assegurar a continuidade das relações comerciais.

[4] JOÃO SEXTO, DOM EM ESTADO DE COAÇÃO E CATIVEIRO: a expressão refere-se à posição secundária em que se encontrava d. João VI durante o estabelecimento de uma monarquia constitucional em Portugal. Com a Revolução do Porto e o fim do regime absolutista lusitano, as Cortes de Lisboa passaram a exigir do monarca adesão ao movimento, além de seu retorno imediato. Em 1821, cedendo às pressões das cortes, d. João retornou a Portugal. Elaborada a primeira constituição portuguesa, o rei foi obrigado a jurá-la, limitando seus poderes.

[5] INDEPENDÊNCIA: o desejo de emancipação de Portugal por setores e regiões do Brasil manifestou-se, primeiramente, nas revoltas coloniais ocorridas a partir do século XVIII, dentro do contexto da crise do antigo sistema colonial e da disseminação dos ideais iluministas, refletidos pela chamada geração de 1790, formada por intelectuais luso-brasileiros que estudaram na Europa, como por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva e d. Rodrigo de Souza Coutinho. Este último foi o artífice da ideia de construção de um império luso-brasileiro, unindo os dois territórios, Portugal e Brasil, a fim de solucionar o anseio pela independência, criando um único império em dois continentes. No entanto, a violenta repressão a essas revoltas e a vinda da família real para o Brasil em 1808 conteve, brevemente, os grupos emancipacionistas. Portugal, porém, passava a ser dirigido por governadores do reino, sofrendo forte interferência do governo britânico e tendo seu território ocupado por tropas inglesas para impedir a invasão napoleônica. Esses fatores aliados à difusão de ideias liberais, e à crise econômica, causada pela perda do monopólio comercial com o Brasil graças a abertura dos portos coloniais ao comércio internacional, desagradavam grupos mercantis, a elite letrada e os militares portugueses, que se reuniram no movimento liberal conhecido como Revolução do Porto. Os objetivos desse movimento eram: a transição para o sistema monárquico constitucional, através da criação de uma Constituição que limitasse os poderes reais; restabelecer a economia interna lusa e reforçar os laços de dominação com a colônia, além da volta da corte para a Europa. No sentido de diminuir as tensões e preservar o trono, d. João voltou a Portugal em 1821 e deixou em seu lugar o príncipe regente d. Pedro. Porém, as Cortes continuaram elaborando uma série de medidas que pressionavam o governo da colônia e limitavam sua autonomia, como a criação das juntas governativas provisórias subordinadas diretamente a Lisboa, cuja autoridade abrangia as áreas econômica, administrativa, de polícia e jurisprudência civil. A presença de d. Pedro no Brasil se tornava praticamente desnecessária, uma vez que as juntas representavam todas as esferas do governo, e o impeliam a retornar a Lisboa. No dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como o dia do Fico, o príncipe decidiu permanecer no Brasil, visando controlar os ânimos e manter a ordem. Neste momento ainda não se falava em separação, ao contrário, o clamor pela continuidade da regência de d. Pedro se fazia para evitar a queda do Império luso-brasileiro, uma vez que a adesão ou não de cada província ao sistema constitucional das Cortes de Lisboa poderia acarretar a fragmentação do território do Reino Unido do Brasil, tal como ocorrera com as colônias espanholas na América. No entanto, representou um ato de rebeldia contra as Cortes e o sistema constitucional imposto por elas, e uma tentativa de manter no Brasil uma monarquia absolutista. A situação tornou-se insustentável, e mesmo antes da proclamação da independência de fato, o governo brasileiro procurou o governo inglês para o reconhecimento de sua emancipação, para que pudesse negociar diretamente com as nações estrangeiras, como um país tão livre quanto Portugal. Em 1822, durante uma viagem a província de São Paulo para resolver questões políticas locais, d. Pedro recebeu notícias de novas medidas decretadas pela metrópole e decidiu-se pela proclamação da independência. Esta, no entanto, não trouxe consigo a unidade territorial, pelo contrário, alguns grupos apoiavam os colonizadores portugueses contra a emancipação. Em 1823, com o apoio da Inglaterra, foi sufocada a resistência portuguesa nas províncias da Bahia, do Maranhão, do Piauí e do Pará. Contudo, ainda havia a negociação diplomática do reconhecimento da independência do Brasil pelas potências europeias, processo findo em 29 de agosto de 1825, quando o Tratado de Paz e Aliança finalmente oficializou o reconhecimento de Portugal. Ver também REESTABELECER A PAZ, AMIZADE, E BOA HARMONIA ENTRE OS POVOS IRMÃOS.

[6] PROJETOS DOS FACCIOSOS DE LISBOA: Acreditava-se que após o reconhecimento da independência política do reino do Brasil pela Inglaterra, as Cortes portuguesas, convocadas pela revolução liberal do Porto e assim vistas como um partido de facciosos, ou como um governo ilegítimo, que subordinava o rei d. João as suas ordens, também aceitaria a independência.

[7]DIVISÕES INTERNAS:  um dos argumentos utilizados por Bonifácio para que o governo britânico reconhecesse a independência era que todos os brasileiros estavam de acordo e não havia contestação dentro do Brasil. No entanto, após a emancipação algumas províncias se mantiveram fiéis as Cortes de Lisboa, só aderindo ao novo império após confrontos e lutas armadas entre tropas brasileiras e portuguesas.

[8]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

Posição do governo imperial sobre o comércio de escravos

 Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva remetida a Felisberto Caldeira Brant Pontes em que busca elucidá-lo sobre a posição do governo brasileiro sobre o chamado comércio da escravatura, para assim regularizar a negociação com o ministério britânico. Bonifácio comunicava que sua Majestade Imperial estava convencido, não só da iniquidade de tal comércio, mas ainda da influência deste sobre a prosperidade do Império, não podendo tomar medidas decisivas a este respeito, já que a Assembleia Legislativa estava próxima a instalar-se. Assegurava que a abolição se daria de maneira "gradual", devido à falta de braços existentes no Brasil.



Conjunto documental: Marquês de Barbacena - Série Diplomacia
Notação: DIL 19
Data-limite: 1809-1836
Título do fundo: Marquês de Barbacena
Código de fundo: Q1
Argumento de pesquisa: Marquês de Barbacena
Data do documento: 24 de fevereiro de 1823
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): DIL19

A pressa com que pelo último paquete escrevi a V. Sª a meu ofício nº 10 tendo motivado o meu involuntário silêncio sobre o importante objeto do comércio da escravatura[1], e conhecendo quanto V. Sª necessita ser ilustrado sobre as vistas do governo a este respeito, a fim de regular as suas negociações com o ministro britânico, apresso-me em comunicar a V. Sª que sua Majestade Imperial[2] está intimamente convencido não só da injustiça de semelhante comércio, mas ainda da perniciosa influência que ele tem sobre a civilização e prosperidade do Império, mas não podendo o Mesmo Augusto Senhor tomar medidas algumas decisivas a este respeito, estando a Assembléia Legislativa[3] próxima a instalar-se, manda-me que assegure a V. Sª para conhecimento do governo de sua Majestade Britânica, que os seus sentimentos são os mais liberais possíveis e que nutre as mais fundadas esperanças dos sentimentos que igualmente animam a Assembleia; de maneira que se conseguirá a abolição gradual do Tráfico d´escravos[4], sendo em tempo razoável e proporcionado a falta de braços ora existente neste país; e principalmente se a Grã-Bretanha mostrando-se interessada na referida abolição cooperar para ela sem ofensa, nem a menor quebra da honra, dignidade, e interesses legítimos do Império[5].

Por esta ocasião lembro a V. S.ª de que era costume nas legações portuguesas em Londres, remeter regularmente pelos paquetes para esta corte o pus vacinico[6]; de que aqui tanto se necessita constantemente. V. Sª o remeterá também d´ora em diante, podendo vir tanto em crusta, como acondicionado em frasquinhos e balões.

Continuo a remeter a V. Sª cópias da correspondência mais notável que aqui tem lugar com Mr. Chamberlaim[7], cônsul geral da Inglaterra, e debaixo da letra P achará V. Sª o extrato de um ofício que de Londres recebeu o mesmo Cônsul Geral, cuja data V. Sª poderá combinar com a da sua correspondência nessa Corte com Mr. Canning[8], e conhecerá conseqüentemente a justiça das observações que lhe fiz no meu despacho nº 10.

Inclusas vão algumas cartas de Lord Cochrane[9], e um ofício para o encarregado de negócios em Paris, que espero V. S. fará chegar a seus destinos com brevidade. Tenho o prazer de anunciar a V. Sª que Suas Majestades Imperiais não sofrem novidade na sua importante saúde, e que a sereníssima senhora Infanta recém-nascida promete o melhor estado de saúde.

Deus Guarde a V Sª.

Palácio do Rio de Janeiro 24 de Fevereiro de 1823. José Bonifácio de Andrada e Silva[10]

 

[1] TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas, foi, durante séculos tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

[2] PEDRO I, D. (1798-1834):  batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[3] ASSEMBLEIA GERAL CONSTITUINTE: composta por representantes eleitos em todas as províncias que deveriam escolher e discutir os projetos de Constituição apresentados, bem como elaborar leis ordinárias necessárias ao país. A Assembleia Constituinte de 1823, primeira convocada no Brasil, foi dissolvida pelo imperador d. Pedro I, em 12 de novembro, por entender que não refletia seus anseios. Composta de magistrados, bacharéis, religiosos, militares, grandes proprietários de terras e escravos, funcionários públicos e profissionais liberais, estava dividida em dois incipientes partidos: o português, defensor da reunião com Portugal; e o brasileiro, que advogava a causa da independência e a formação de uma monarquia constitucional. O projeto de constituição foi apresentado em setembro daquele mesmo ano, elaborado por uma comissão encabeçada por Antônio Carlos Andrada e Silva, José Bonifácio, Araújo Lima, Pereira da Cunha, entre outros que a assinaram. Dentre as principais diretrizes da nova carta estavam: a limitação do papel dos portugueses (revelando uma preponderância do grupo brasileiro) e do poder do Imperador, que não poderia dissolver o Parlamento, comandar as forças armadas e receberia ordens diretamente do poder legislativo. Alguns dos primeiros pontos discutidos eram polêmicos e não geravam consenso, entre eles, a submissão do poder executivo ao legislativo (que desagradava particularmente a d. Pedro I) e a crítica dos Andradas à escravidão. Os debates e conflitos internos da Assembleia acabaram por repercutir na imprensa e nas ruas, provocando brigas e disputas entre portugueses e brasileiros. Esse projeto instituía o voto censitário e indireto, mas sequer chegou a ser integralmente discutido ou aprovado: o Imperador dissolveu a Câmara antes. A Constituição de 1823, ou “Constituição da Mandioca”, como ficou conhecida, dava lugar à Carta outorgada em 1824, cuja mudança mais significativa em relação à de 1823 era a criação do chamado Poder Moderador. Exclusivo do Imperador conferia-lhe poderes paradoxalmente absolutistas de, por exemplo, dissolver a Câmara, convocar, adiar ou prorrogar a Assembleia Geral, nomear senadores, nomear e demitir ministros de Estado, perdoar ou moderar penas impostas, entre outras. A Constituição imposta pelo Imperador possuía características absolutistas, mas também sofreu influências de alguns princípios liberais. Acabou por promover a imposição do Executivo sobre o Legislativo e uma centralização político-administrativa, restringindo o poder da aristocracia agrária. A Carta outorgada em 1824, acrescida por outras leis ao longo dos anos e pelo célebre ato adicional de 1834, vigorou durante todo o período imperial brasileiro. A eclosão das revoltas, que dariam origem à Confederação do Equador, está ligada aos descontentamentos surgidos em torno da dissolução da Assembleia, bem como da nova Constituição de 1824.

[4]ABOLIÇÃO GRADUAL DO TRÁFICO DE ESCRAVOS: em 1807, a Inglaterra, por motivos econômicos e sob a influência do ideário Iluminista, proibiu a escravidão. Logo em seguida, a Coroa britânica promoveria uma onda de pressões exigindo a extinção do tráfico de escravos em todo mundo. Frente à postura inglesa, o Império português, desde os primeiros tratados comerciais firmados com a Grã-Bretanha após a transferência da família real para o Brasil, em 1810, se comprometera em abolir o comércio de escravos africanos. Em 1815, por ocasião do Congresso de Viena, as contínuas pressões dos ingleses levaram à instituição da interrupção do tráfico negreiro ao norte da linha do Equador. Em seu papel de mediadora para o reconhecimento da independência do Brasil, a Inglaterra forçava ainda mais uma decisão do governo de Pedro I, uma vez que suas colônias nas Antilhas não mais utilizavam esse tipo de mão de obra, o que encarecia o açúcar e levava o país a ter prejuízos na concorrência com a produção brasileira. Ao mesmo tempo, para os britânicos, era interessante preservar a monarquia para evitar a fragmentação do território. Assim, o Brasil teve mais tempo para se adequar, pois o fim imediato da escravidão desagradaria os grandes proprietários de terras e escravos, justamente o grupo que sustentava o Império. A Assembleia de 1826 estabeleceria, por conseguinte, um prazo de três anos para o fim do tráfico e, passado esse período, seria esta prática considerada pirataria. Em novembro de 1831, outra lei para a extinção do tráfico foi elaborada pelo regente Feijó, a qual, por falta de fiscalização e controle, acabou não obtendo êxito. Apesar de todos esses esforços, o tráfico de escravos da África para o Brasil somente foi interrompido em 1850, com a lei Eusébio de Queirós.

[5] IMPÉRIO DO BRASIL: fundado em 1822, o império brasileiro chegou ao fim em 1889 com a proclamação da República. Sua gênese pode ser localizada na crise do antigo sistema colonial, na difusão das ideias ilustradas, nas revoluções e lutas pela independência das colônias vizinhas, além das revoltas emancipacionistas internas do final do século XVIII que caracterizavam a constante insatisfação com as monarquias europeias. A vinda da família real portuguesa para o Brasil adiou as discussões sobre independência e inverteu as relações entre colônia e metrópole, uma vez que o domínio sobre a colônia se acentuou, mas o governo sobre a metrópole lusa passou a ocupar uma posição secundária. Diante disso, em 1820, organizou-se em Portugal o movimento conhecido como Revolução do Porto, que exigia a volta definitiva da realeza lusitana, a criação de uma constituição e o fortalecimento do domínio português sobre o Brasil, numa tentativa recolonizadora. Mesmo com a volta de d. João VI a Portugal e a aceitação da constituição elaborada pelas Cortes, as divergências entre colônia e metrópole persistiram, levando d. Pedro I a proclamar a independência e ser coroado como imperador do Brasil em 1822. Nove anos mais tarde, ele abdicou do trono em favor do seu filho, que ainda era uma criança e voltou para Portugal. No Brasil foram escolhidos regentes que governaram até que d. Pedro II pudesse assumir a direção do Império, o que ocorreu em 1840, com o chamado Golpe da Maioridade, pois d. Pedro II ainda tinha 14 anos de idade e pela constituição não poderia assumir o governo. Assim, esse período de 67 anos foi dividido pelos historiadores em três fases: o primeiro reinado, período regencial e o segundo reinado. Durante todos esses anos prevaleceu uma única constituição que instituía a monarquia hereditária, o catolicismo como religião oficial do império, os quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador – esse último estava acima dos demais poderes e centralizava o poder nas mãos do imperador, além do voto censitário, que por estar baseado na renda excluía a maior parte da população. Internamente, o país conheceu revoltas travadas contra o próprio sistema monárquico, a escravidão, os altos impostos e o sistema de pesos e medidas. O Brasil também se envolveu em guerras com países vizinhos por disputas territoriais como a Guerra da Cisplatina (1825 a 1828), que aumentou a impopularidade de d. Pedro I e as dívidas do país, e a Guerra do Paraguai (1865-1870), que, igualmente, contribuiu para o endividamento do estado e enfraquecimento do regime monárquico. Além disso, a partir da década de 1870, a Coroa entrou em conflito com a Igreja Católica e com os militares. Ambos estavam descontentes com a intromissão do governo em questões religiosas e militares e retiraram seu apoio ao governo monárquico. O movimento abolicionista ganhou força na década de 1880 quando projetos para a libertação dos escravos foram apresentados ao Senado até a vitória com a Lei Áurea de 1888, abolindo definitivamente a escravidão no Brasil. A liberdade dos cativos, porém, teve um alto preço para o trono de d. Pedro II, uma vez que grande parte da aristocracia brasileira foi contra essa medida. Dessa forma, estava instaurado o caos no império, com a crise econômica, perda do apoio da igreja Católica, da aristocracia e dos militares. Estes últimos uniram suas forças aos republicanos, principalmente do já formado Partido Republicano Paulista, para jogar a última pá de cal no sistema monárquico e proclamar a República em novembro de 1889.

[6] VACINA: o nome vacina advém de vaccinia, agente infeccioso da varíola bovina que, quando inoculado no organismo humano, assegura imunidade à doença, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a mais devastadora da história. A vacina antivariólica data de 1749, quando era conhecida também como “vacina jenneriana” em razão do nome de seu inventor, o inglês Edward Jenner (1749-1823). Observando os ordenhadores de animais, Jenner constatou que estes adquiriam resistência à varíola após o contato com animais acometidos por cow-pox (pústula da vaca). O método então empregado baseava-se na injeção da pústula da vaca em pessoas sadias, o que causava nestes, erupções próximas às causadas pela varíola. A partir dessas erupções, extraia-se a “linfa” ou “pus variólico”, moendo a crosta da ferida até transformá-la em pó, que era inoculado em outras pessoas, numa cadeia sucessiva de imunização, denominada vacinação “braço a braço”. Tal técnica veio a substituir a antiga prática de “variolização” que consistia na inoculação de formas benignas da doença com objetivo de imunização, levando em muitos casos o indivíduo à morte. A doença foi trazida para o Brasil tanto por portugueses quanto por africanos e a vacina jenneriana foi introduzida em 1804 pelo Marquês de Barbacena. Foram enviados a Lisboa, um médico, a fim de aprender a técnica, e alguns escravos que foram vacinados e passaram a vacina para outras pessoas ao regressarem ao Brasil. Da Bahia, a técnica se estendeu ao Rio de Janeiro, tornando-se uma prática. No entanto, a vacina humanizada foi criticada porque como atingia a corrente sanguínea, transmitia também outras doenças e perdia sua potencialidade. O desenvolvimento da vacina animal, extraída das pústulas de vitelos sadios inoculados com o vírus vacínico, aconteceu no Brasil em 1887 com a criação do Instituto Vacínico Municipal, na rua do Catete, no Rio de Janeiro, que distribuía para as outras províncias. Logo depois, foram criados institutos em São Paulo, Bahia, Ceará, Pará e Pernambuco, diminuindo muito os problemas relacionados as doenças contagiosas. Antes disso, as lâminas e tubos capilares com o pus vacínico eram enviados ao Brasil pela Inglaterra. Porém isso não acontecia todos os meses como deveria e as vacinas mostraram-se enfraquecidas após a quarta ou quinta inoculação, produzindo vacinas nulas. A resistência à vacinação foi uma constante no século XIX, levando algumas câmaras municipais a decretarem a obrigatoriedade desta em épocas de epidemia. A população associava a inoculação à transmissão de doenças como tuberculose, sífilis, erisipela e temia que a vacina animal transmitisse as características e doenças do animal para o homem.

[7] MR. CHAMBERLAIN (1773-1829): Henry Chamberlain ocupou a função de cônsul da Inglaterra na corte do Rio de Janeiro entre os anos de 1815 e 1829. Atuou pelo reconhecimento da independência do Brasil ao lado de José Bonifácio e do ministro inglês dos Negócios do Exterior George Canning. Foi pai do pintor e desenhista de mesmo nome, Henry Chamberlain, que publicou a obra Views & Costumes of Rio de Janeiro, com 36 gravuras de bairros e paisagens da capital fluminense.

[8] MR. CANNING (1770-1827): George Canning foi político britânico de grande influência em seu país no início do século XIX. Nasceu e faleceu em Londres, pouco depois de tornar-se primeiro-ministro inglês. Estudou em Eton e Oxford, foi subsecretário do exterior em 1796 e ministro do exterior onze anos depois. Também foi embaixador em Lisboa em 1814 e 1815, e novamente nomeado ministro do exterior em 1822, quando também foi líder da Câmara dos comuns. Contrariando a Santa Aliança apoiou o reconhecimento da independência dos países latino-americanos, inclusive do Brasil. Foi Canning que orientou as discussões em torno do reconhecimento da independência do Brasil entre Londres, Lisboa e o Rio de Janeiro. Conservador, foi considerado hábil diplomata pelo sucesso das negociações em que esteve à frente. Já como primeiro-ministro conseguiu a emancipação política dos católicos, além do reconhecimento da independência da Grécia.

[9] COCHRANE, THOMAS ALEXANDER (1775-1860): o inglês Lord Cochrane foi militar da Marinha Real Britânica e destacou-se nas Guerras Napoleônicas, sendo apelidado pelo seu opositor Napoleão de “lobo do mar”, por sua ousadia. Concomitantemente foi eleito membro do Parlamento, porém, condenado a prisão por fraude em 1814, foi obrigado a sair da Marinha. Em 1817, foi contratado para combater nas lutas pela independência do Chile e Argentina e, em 1823, contratado pelo governo brasileiro para ajudar nos combates às províncias que se recusavam a aderir a independência, como Pará e Maranhão. Pelo seu bom desempenho e sucesso nas operações, recebeu de d. Pedro I o título de marquês do Maranhão. Permaneceu no Brasil até 1825, combatendo as frotas portuguesas e a Confederação do Equador, que ocorreu no Nordeste. No entanto, não foi pago pelo governo brasileiro e levou alguns navios como recompensa. Lutou também pela independência da Grécia e, em 1830, voltou à Inglaterra. Com a morte de seu pai, recebeu, em 1831, o título de 10º conde de Dundonald e, no ano seguinte, foi readmitido pela Marinha Britânica, onde alcançou o posto de almirante.

[10] SILVA, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E (1763-1838): intelectual ilustrado, naturalista e político que exerceu grande influência no processo de independência do Brasil. Nasceu em Santos em 1763, proveniente de família rica e pai funcionário da administração colonial. Assim como os demais integrantes da “geração de 1790” formou-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de filosofia e direito. Como sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, viajou pela Europa estudando química e mineralogia. Em Portugal, ocupou as funções de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, professor de metalurgia em Coimbra e diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda. De volta a São Paulo em 1819, viajou pela província fazendo estudos mineralógicos e em seguida, por ocasião da Revolução do Porto, foi eleito membro da Junta Governativa de São Paulo. Era adepto da ideia de um Império luso-brasileiro, sem que o Brasil perdesse a autonomia já conquistada. Porém, as pressões das Cortes de Lisboa o fizeram mudar de estratégia e defender, então, a emancipação da colônia. Conhecido por suas articulações políticas na construção do novo império idealizou a aclamação do imperador, além de trabalhar na adesão das províncias que ainda se mantinham fiéis a Lisboa e no reconhecimento da independência junto a Inglaterra. Quando d. Pedro I, em 1823, dissolveu a assembleia constituinte para a qual foi eleito com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, Bonifácio rompeu relações com o imperador e passou a criticar seu autoritarismo e aproximação com os grupos portugueses, o que o levou a ser deportado para a França. A reaproximação entre ambos aconteceu em 1829, quando voltou ao Brasil. Depois se tornou tutor de d. Pedro II por ocasião da abdicação. Foi destituído desta função e preso em sua casa em Paquetá por seus adversários, acusado de apoiar a restauração de d. Pedro. Mesmo com a absolvição, em 1835, permaneceu nessa casa até sua morte em 1838. Inspirado pelo ideário das Luzes [Iluminismo], Bonifácio mostrou-se preocupado com as populações indígenas, contrário ao trabalho escravo e favorável à educação como meio de transformação da sociedade. Dentre suas principais contribuições à Assembleia de 1823 constam o fim da escravidão e a civilização dos índios, propondo a distribuição de terras gratuitas a imigrantes pobres, a negros forros, a mulatos e índios domesticados. Por outro lado, também assumia um ideário conservador ao defender o sistema monárquico centralizado e o princípio de um Estado aliado a uma elite para a condução do país ao progresso.

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