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A importância da agricultura para a civilização

Escrito por Mirian Lopes Cardia | Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 18h24 | Última atualização em Terça, 27 de Julho de 2021, 02h01

Carta do desembargador da comarca de Goiás, Joaquim Teotônio Segurado, para Francisco de Assis Mascarenhas, conde de Palma, governador da capitania de Goiás, a respeito da importância da agricultura, das "artes" e do comércio para uma povoação. O termo "artes" designava o setor de manufaturas a ser aperfeiçoado, valorizando assim as matérias-primas, sem as quais não se poderia considerar haver "civilização".

Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
Notação: códice 807, vol. 10
Datas-limite: 1798-1836
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: agricultura
Data do documento: 15 de abril de 1806
Local: Lisboa
Folha(s): 13-14

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor = A agricultura, as artes e o comércio são as colunas, em que pode firmar-se a felicidade de qualquer povoação[1]: pela agricultura[2] se conseguem as matérias-primeiras; pelas artes[3], dando-se-lhes nova forma, se lhes dá novo valor; pelo comércio[4] se exportam as supérfluas, e importam, as que faltam. Uma povoação isolada limita-se a agricultura; e se tem alguma civilização[5], se entre ela se introduz um sinal de todos os valores, ela estabelecerá suas artes, suas manufaturas[6], mas grosseiras; ela comerciará; mas o seu comércio além de interno, nunca passará de ser proporcionado aos seus objetos; e ela viverá em uma quase continuada desgraça; porque ou as colheitas são abundantes, ou escassas: no primeiro caso os agricultores não conseguirão as produções do seu trabalho preços proporcionados à despesa da agricultura: no segundo os artífices, e negociantes apenas poderão conseguir os necessários mantimentos para a sua subsistência; uma grande parte do povo padecerá, e muitos gados perecerão de fome. Se, porém esta isolação não é absoluta, mas só relativa à exportação dos seus gêneros; se ela efetivamente faz um comércio exterior, porém todo passivo; se para sustentar este comércio ela tem minas de ouro[7]; ou prata, que extrai do seio da terra, esta povoação está no cume da sua desgraça, e hoje, ou amanhã há de sofrer uma total extinção. Os homens dando às minas um valor imaginário, persuadindo-se de que elas serão sempre igualmente ricas, aumentam as despesas a proporção da sua imaginada riqueza: acabam-se efetivamente as minas ricas, buscam-se, e só se encontram pobres: lavram-se estas, mas o seu produto não é proporcionado à despesa: os homens não podem passar sem os gêneros, e mercadorias, a que se habituaram no meio da riqueza; os negociantes por consequência vendem, mas fiado, e por consequência vendem mais caro; e em última análise o negociante, ou não cobra, ou cobra pelos meios judiciais: eis arruinados negociante, e mineiro, eis a total destruição do país, que será desamparado da maior parte dos seus habitantes, sendo os miseráveis restos que por fatalidade nele ficam, vítimas da sua isolação, e da sua miséria. Quase neste estado se achava a capitania de Goiás[8], quando ela teve a ventura de principiar a ser governada por Vossa Excelência. Os seus habitantes acostumados unicamente com a lavra do ouro, que ordinariamente achavam com dificuldade, e grandes despesas, clamavam, que a capitania ia a expirar. Com efeito a falta de mantimentos em um ano fazia, que os seus habitantes sofressem misérias, e que perecessem muitas criações; a abundância em outros fazia perder o ânimo dos agricultores pelo desprezível valor, que se lhes dava.

Os açúcares[9] ficavam nas formas, e caixões dos senhores de engenho, o algodão[10], e café[11] apenas apareciam para o consumo do país, e enfim os mais gêneros, ou tinham excessivo, ou diminuto valor conforme a sua escassez, ou a sua demasiada abundância. A capitania nada exportava; o seu comércio externo era absolutamente passivo: os gêneros da Europa, vindos em bestas do Rio[12], ou Bahia[13], pelo espaço de 300 léguas chegavam caríssimos: os negociantes vendiam tudo fiado: daí a falta de pagamentos, daí as execuções, daí a total ruína da capitania.

E contudo os seus habitantes arraigados no antigo prejuízo, de que tudo o que não é tirar ouro, e trazer mercadorias do Rio, ou Bahia, tudo o mais é pouco seguro, é trabalhoso, é arriscado, é prejudicial, continuavam unicamente nas lavras de minas pobres, e no ruinoso comércio daquelas duas praças. E cegos sem poderem conhecer as causas da prodigiosa decadência da capitania, clamavam, que ela estava a expirar: e no meio da sua cegueira, eles a deixavam perecer: ela estava a borda do precipício, mas Vossa Excelência a salvou.

Logo que Vossa Excelência entrou nesta capitania lhe foi patente a fertilidade do seu terreno, e por consequência a facilidade de se aumentar a sua cultura, imediatamente se lhe apresentaram os canais, pelos quais se deve exportar o seu supérfluo, e combinando Vossa Excelência os princípios da mais sã Economia Política, achou com toda a evidência: que o comércio do Rio, e Bahia é prejudicial a esta capitania, e que pelo contrário o do Pará[14]pelos rios Araguaia, e Maranhão, a porão ao nível das mais ricas deste continente. Vossa Excelência principiou logo a clamar pelo aumento da agricultura, e pelo comércio com o Pará. Vossa Excelência tem representado a estes povos. Que eles têm a felicidade de habitar um país, em que para poderem ser riquíssimos não tem que abrir canais, de secar lagoas, fazer rios navegáveis, naveguem. Tais tem sido os repetidos clamores, com que Vossa Excelência tem animado estes povos à agricultura, e à navegação. Vossa Excelência porém não tem parado em persuasões: oferecem-se negociantes para descerem ao Pará, Vossa Excelência os auxilia: manda fazer-lhes canoas, faz-lhes aprontar a equipagem, e não se contentando em aplicar a maior vigilância ainda aos mais pequenos objetos, que possam facilitar aquele comércio, vai daqui quinze léguas a um sítio doentio, expondo a sua vida, a sua saúde só a fim de com a respeitável presença de Vossa Excelência animar os negociantes, a fazer que nada lhes falte na sua dilatada viagem. A mim particularmente saindo de correção fez Vossa Excelência as mais vivas recomendações, e deu as mais sábias instruções para cuidar no aumento da agricultura, e melhoramento da navegação para o Pará. Enfim pelas ativas diligências, e pelas bem acertadas providências de Vossa Excelência aí saem pelo Araguaia dez canoas com quatro mil arrobas de açúcar, fumos[14]toucinho[15] e sola[16]: pelas recomendações, que Vossa Excelência me fez, acha-se estabelecida no arraial de Traíras uma sociedade mercantil para principiar em 1807 o comércio do Pará pelo rio Maranhão para virtude das mesmas providências, já no ano de 1807 poderão exportar-se desta capitania dez ou doze mil arrobas de gêneros. E o que devemos esperar no de 1808, em que já devem ter principiado a produzir os algodoeiros, e cafés, que de novo se acham plantados, e que deverão ainda plantar-se? São enfim incalculáveis as vantagens, que o Estado, e que esta capitania vão tirar das providências sugeridas pelo penetrante, e iluminado espírito de Vossa Excelência. Estas vantagens ficarão mais palpáveis com a pequena memória do comércio ativo desta capitania, que tenho a honra de oferecer a Vossa Excelência, e que espero seja acolhida com aquela benignidade, com que Vossa Excelência me tem tanto distinguido.

Deus guarde a respeitável pessoa de Vossa Excelência por muitos anos. Lisboa 15 de abril de 1806 = Ilustríssimo e excelentíssimo senhor d. Francisco de Assis Mascarenhas[17]= De Vossa Excelência = O mais humilde súdito = Joaquim Teotônio Segurado[18]

 

[1]COLUNAS EM QUE SE PODE FIRMAR A FELICIDADE DE QUALQUER POPULAÇÃO: entre finais do século XVIII e início do XIX, o pensamento fisiocrático de base ilustrada e as ideias liberais que começam a emergir com a revolução industrial inglesa influenciaram, de forma significativa, a elite letrada luso-brasileira. O princípio de que a união entre as três principais atividades produtivas – agricultura, comércio e manufaturas – são “as colunas em que pode firmar-se a felicidade de qualquer povoação” ganha força e expressão, remetendo ao conceito de felicidade do filósofo inglês David Hume, de caráter prático, concreto e utilitário. A “felicidade de qualquer povoação” era um bem possível de ser atingido pelo homem e consequentemente pela sociedade da qual faz parte, somente podendo existir se essas atividades não fossem tratadas separadamente, pois uma povoação isolada, que se limita à agricultura ou, do mesmo modo, outra que se dedique apenas ao comércio ou à manufatura, não poderia ter êxito. O estabelecimento de uma relação intrínseca entre agricultura, manufatura e comércio reflete a influência do pensamento fisiocrático que, segundo Fernando Novais em Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial – 1777-1808 (1979), servia, apenas, para a “política econômica reformista” iniciada em Portugal no reinado de d. José I, sem um processo de sistematização. Essa política econômica começou a ser executada pelo marquês de Pombal na segunda metade do século XVIII, com intuito de reformar o aparelho estatal português reforçando ainda mais o que a historiografia convencionou chamar de “exclusivo comercial” entre colônia e metrópole. Os pensadores e estadistas lusos se apropriaram das categorias de pragmatismo e utilitarismo, presentes nas ideias fisiocráticas, como uma inspiração para modernizar a política econômica mercantilista, sem abraçar de fato os princípios liberais que regiam as novas relações comerciais decorrentes da revolução industrial da Grã-Bretanha. Também os homens que compunham a administração da colônia aderiram a essa forma de pensamento, muitos formados pela Universidade de Coimbra, reformada no governo pombalino. E dedicaram-se a tornar possível a aplicação do princípio em diversas regiões da América portuguesa.

[2]AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[3]ARTES: o sentido atribuído às artes, no início do século XIX, estava relacionado, principalmente, às artes mecânicas, que incluíam atividades que iam das artes manuais (confecção de objetos, inclusive decorativos, “artísticos” no sentido que atribuímos hoje) às ciências da natureza. Pode-se afirmar que a noção de “ofícios mecânicos” estava ligada à ideia das “artes úteis”, que permitiam uma aplicação concreta em campos como a agricultura, a indústria, o comércio, a engenharia, as ciências naturais, a tipografia, ou seja, na produção de bens que auxiliassem a produção de riqueza para o Reino. As artes mecânicas incluíam a ourivesaria, marcenaria, concepção e construção de inventos e máquinas destinadas a melhorar a produção de bens. Tidos como propulsores das atividades econômicas, os ofícios mecânicos foram considerados mais relevantes, úteis, do que as “belas artes”. Por longo tempo as estruturas corporativas, representantes das artes mecânicas, foram um empecilho às artes plásticas, cuja liberação passa pela criação de academias e salões e pelo mecenato de Estado, como se pode ver pelos anseios manifestados na fundação da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. Tratava-se de um processo, que na Europa data do Renascimento, de separação de pintores, escultores, músicos, poetas e outros daqueles profissionais artesãos e da compreensão de que, mais que a produção do Belo, se tratava de uma atividade humana por excelência, expressando ideais, princípios morais ou cívicos, liberdade e poder criativo.

[4]COMÉRCIO: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie falhas e brechas no sistema. Tratado como um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a Coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Essa estrutura seria invertida com a chegada da Corte joanina e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, com efeito, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura, em 1810, do Tratado de Navegação e Comércio [ver Tratados de 1810], que estabeleceu uma série de medidas que dariam vantagens a este país sobre outras nações no comércio com o Brasil e Portugal.

[5]CIVILIZAÇÃO: as raízes do conceito de civilização remontam ao período da Antiguidade, derivando do conceito latino civis, correspondente a polis grega, em ambos os casos referentes ao cidadão, aos habitantes das cidades. Foi somente a partir de meados do século XVI que à ideia de civilização foram incorporados novos significados, como a noção de “civilidade”, ou seja, bons modos, maneira de se vestir, de comer, de se apresentar, de se comportar em relação ao modelo de cidadão, que variava de acordo com o local e o tempo. A primeira aparição da palavra “civilização” aconteceu em meados do século XVIII, na Inglaterra em 1757, e na França um ano depois. Na Inglaterra, civilization aparece na obra do iluminista escocês Adam Ferguson, enquanto sua correspondente francesa civilisation pode ser encontrada na obra do fisiocrata francês marquês de Mirabeau (Cf João Feres e Marcelo Gantus Jasmin, História dos conceitos: diálogos transatlânticos. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2007). No caso alemão, zivilisation aparece 10 anos depois da publicação da obra de Mirabeau. Nenhum dos autores atribuiu um significado específico para a palavra; entretanto, a partir da década de 1770 na Inglaterra e na França, devido à influência da filosofia e do pensamento iluminista, o sentido da palavra passou a ser associado à ideia de progresso material e riqueza, enquanto na Alemanha, o termo obedecia mais a um sentido moral do que pragmático. É apenas no século XIX, depois da Revolução Francesa, que o conceito de civilização passa a ser usado para se referir a um processo histórico que se inicia na Antiguidade, sofre um declínio durante a fase “obscura” da Idade Média, orienta a formação dos Estados modernos e torna-se meta a ser atingida na construção das primeiras nações, já no Oitocentos. Nesse processo linear, as nações europeias seriam as pioneiras na construção de civilizações com base em desenvolvimento tecnológico, científico, cultural, enquanto os países da África, Ásia e América seriam os desprovidos, os “atrasados”, e por isso, segundo os princípios das Luzes, os três continentes necessitavam ser inseridos na “marcha da civilização”, processo iniciado com as descobertas e colonizações. No final do século XVIII, o conceito de civilização em Portugal, e posteriormente no Brasil, está associado ao sentido econômico, mais próximo do pragmatismo norteador da ilustração portuguesa e na esteira da ideia de progresso, associando civilização ao enriquecimento material. No Brasil dos oitocentos, o conceito de civilização passa a simbolizar “uma etapa a ser atingida” pelo Estado brasileiro em seu processo de construção, de consolidação e de entrada na modernidade. Em oposição à civilização, a ideia de barbárie passa a ser associada ao regime escravista, obstáculo para que se atingisse o desejado estado de civilização. Se durante algum tempo a escravidão foi o motor para que o Estado brasileiro e sua classe senhorial conseguissem “civilizar-se”, no final do XIX não somente a escravidão passava a representar o atraso, mas também o regime monárquico que se amparava nela.

[6]MANUFATURA: o termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[7] OURO: por ser um mineral ao mesmo tempo maleável e de incrível resistência às alterações químicas causadas por outros elementos, há milênios é utilizado na fabricação de ornamentos e na cunhagem de moedas. É frequente que seja trabalhado sob forma de liga com outros metais, que lhe dão mais rigidez. É encontrado geralmente em rios, em forma de pepitas ou incrustado em outros depósitos minerais. Durante muito tempo um dos atributos do ouro foi o lastro de moedas correntes ou, de modo geral, seu uso como padrão de valor. O ouro no Brasil foi descoberto na região que corresponde atualmente a Minas Gerais, em fins do século XVII, por bandeirantes [bandeiras] de São Paulo, após décadas de buscas infrutíferas por diversas expedições. Responsável pela prosperidade da região, embora tenha que se considerar o papel desempenhado pelas atividades de pecuária e agricultura na capitania de Minas Gerais, teve um lugar preponderante na economia da metrópole e de sua maior credora, a Inglaterra. As cargas de ouro, segundo alguns historiadores, são um importante vetor de avaliação da economia portuguesa e das políticas adotadas, como de incentivo às manufaturas nacionais em momentos de crise, por exemplo. Durante o período em que sua extração se manteve no auge, a corrida ao ouro originou tal afluxo de imigrantes (do Reino e de outras partes da colônia), que uma lei foi decretada para tentar conter a evasão da população de Portugal. Atraindo indivíduos de todos os tipos e “cabedais”, a atividade mineradora desencadeou o desenvolvimento de uma sociedade diferente da predominante nas regiões de plantio extensivo: mais urbana e, a princípio, com maior diversidade social. Com um crescimento da produção entre 1730 e 1759, verificam-se nesse processo diferenças importantes entre as regiões: Minas Gerais inicia seu declínio na década de quarenta, quando Goiás e Mato Grosso adquirem visibilidade (COSTA, Leonor Freire et al. O ouro do Brasil: transporte e fiscalidade (1720-1764). Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas, 2003. https://ideas.repec.org/p/abp/he2003/083.html). Em consequência, cidades da região que haviam florescido no período, em especial Vila Rica (Ouro Preto), conheceriam a decadência no final do Setecentos. O ouro, principal meio de troca e a principal reserva de valor da capitania, deixou de circular livremente como moeda em 1807 e, como assinala Ângelo Carrara, um alvará de 1° de setembro de 1808 proibiu sua circulação, com posterior regulamentação em 12 de outubro do mesmo ano que obrigou a confecção de bilhetes impressos para o troco do ouro em pó nas casas de permuta (A capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma sociedade agrária. História Econômica & História de Empresas. v.3 n. 2 (2000). http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/138)

[8]GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.

[9]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[10] ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[11]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[12]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[13]BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[14]TABACO: planta nativa da América, era usada pelos indígenas com finalidades terapêuticas, religiosas e de lazer. Logo no início da colonização do Brasil, o plantio do tabaco foi estabelecido pelos colonos portugueses e seus descendentes. Mas, foi somente a partir de meados do século XVII, que sua produção deixou de ser um cultivo caseiro para espalhar-se por amplas regiões da colônia lusitana, sobretudo norte e nordeste. Ao contrário do açúcar, o cultivo do tabaco não necessitava de grande capital, e qualquer um podia cultivá-lo com certa facilidade (ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007). Popularmente chamado de fumo, era apreciado também na Europa, a princípio baseado em sua fama medicinal. A variedade do tabaco em pó – o rapé – era exportado, ainda, para a Índia e China. Foi o segundo maior produto de exportação da América portuguesa até o século XVIII e uma das principais mercadorias de troca utilizada no comércio de escravos na costa africana. O tabaco comercializado na África era chamado refugo – fumo de qualidade inferior, rejeitado para os mercados europeu e asiático, mas que tinha grande aceitação no escambo por escravos africanos. Devido a sua crescente importância, ainda em 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, responsável por administrar o monopólio real e coibir o contrabando. Posteriormente, em 1702, criaram-se superintendências nos portos mais importantes da colônia, com vistas a controlar a qualidade e o mercado. Ao superintendente cabia: assistir aos despachos e à boa arrecadação do tabaco; conceder licenças e fiscalizar a pesagem antes de enrolado e beneficiado; ter conhecimento sobre denúncias de descaminhos do tabaco; castigar os transgressores na forma da lei, entre outras atribuições. A partir de 1751, estas atribuições passaram às Mesas de Inspeção. Foram regiões produtoras de tabaco: Pará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e, sobretudo, Bahia.

[15]TOUCINHO: gordura localizada abaixo da pele do porco, com o respectivo couro. A criação de suínos e a produção de toucinho destinavam-se ao consumo familiar e ao abastecimento dos mercados locais. O toucinho era o mais importante subproduto da criação de suínos. Alimento utilizado no preparo de todas as comidas, servia para cozinhar, untar e preservar os alimentos. Foi utilizado também para substituir a manteiga e o azeite. Separado da carne, o toucinho podia ser conservado por meio da salga, depois encaixotado e comercializado. A carne também podia ser salgada para a venda. Indispensável na dieta alimentar dos habitantes da colônia, o toucinho integrava obrigatoriamente o farnel de bandeirantes, tropeiros e viajantes, principalmente na sua versão salgada. Os escravos e a população pobre consumiam diariamente, acompanhado de feijão-preto e farinha de mandioca.

[16] SOLA: a sola é um produto derivado do couro do gado bovino. Caio Prado Jr, em Formação do Brasil Contemporâneo, ao falar da criação do gado vacum, lembra que era preciso atentar para a importância dos subprodutos, como o couro, que tinham grande participação no comércio colonial. Nas tabelas de exportações dos portos do Maranhão até os da Bahia, a sola aparece junto com os couros salgados, curtidos e as vaquetas. Em Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, ao tratar da pecuária, Antonil se refere aos “meios de sola, que eram as metades de couros inteiros de bois, curtidos”. Como medida, um meio de sola correspondia à metade do couro curtido de um boi inteiro. A quantidade de meios de sola importada a cada ano por Portugal era de 110 mil unidades, o que correspondia, na época, a 201.800 réis. João Martins Pereira de Alencastre, presidente da província de Goiás entre 1861-1862 em seus Anais da província de Goiás, aponta a sola como um dos produtos comercializados com a província do Pará, constando que, em maio de 1805, 91 meios de sola e outros produtos, como açúcar, algodão e fumo, tenham saído do Porto de Santa Rita em Goiás em direção ao Pará.

[17]MASCARENHAS, D. FRANCISCO DE ASSIS (1779-1843): sexto conde da Palma e marquês de São João da Palma, nasceu em Lisboa, foi administrador colonial e político luso-brasileiro. Ao longo de sua carreira foi governador da capitania de São Paulo, de Minas e de Goiás. Em 1804, como governador de Goiás, d. Francisco foi o responsável por executar algumas reformas de caráter político, administrativo e econômico que ajudaram a capitania a sair da situação de penúria em que se encontrava devido à escassez de metais preciosos nas minas da região. Foi no governo de Mascarenhas que se cumpriu a determinação do alvará de 18 de março de 1809, que estabelecia a divisão da comarca de Goiás em duas, uma ao Norte, com sede em São João de Duas Barras, na confluência do rio Araguaia e do Tocantins, e a outra na parte centro-sul. Uma medida importante adotada em seu governo foi o incentivo à navegação dos rios Araguaia e Tocantins, favorecendo comerciantes e agricultores locais envolvidos na produção e na distribuição de gêneros provenientes da lavoura, que passavam a ter a possibilidade de escoar seus produtos pelo comércio fluvial entre Goiás e o Pará. A iniciativa de Mascarenhas recebeu respaldo da coroa, pois o regente d. João concedeu por meio da carta régia de 7 de janeiro de 1806 a isenção de pagamento de dízimos por 10 anos a todos os lavradores que se encarregassem de “fundar agriculturas nas margens dos rios Araguaia, Maranhão e Tocantins”. Mascarenhas incentivou outras atividades para a capitania além da mineração e da agricultura, como o comércio, a navegação e também a indústria, posteriormente ao alvará de 1º de abril de 1808 que permitiu as manufaturas no Brasil. Não se deteve apenas a promover a navegação dos rios do norte da capitania, mas também procurou facilitar o contato com São Paulo, por meio dos rios da parte sul do território, já que percorrer as estradas era muito mais dispendioso. Em 1809, depois de 5 anos de governo, d. Francisco Mascarenhas foi transferido para o governo de Minas Gerais, tomando posse em seu lugar, Fernando Delgado Freire.

[18]SEGURADO, JOAQUIM TEOTÔNIO (1775-1831): natural de Moura, em Portugal, foi ouvidor da capitania de Goiás de 1804 a 1809, período no qual apresentou algumas propostas de desenvolvimento para a província, entre as quais se destacam: a divisão da província em duas comarcas; a tentativa de promover a navegação fluvial; a abertura de uma estrada entre Rio de Janeiro e Pará passando por Goiás; além de um serviço de correios entre as duas capitanias por meio da rota já existente que passava pelo norte de Goiás. Para a administração da recém-criada comarca do norte, que hoje constitui aproximadamente o estado do Tocantins e parte do sul do Pará, o príncipe regente d. João designou o desembargador Joaquim Teotônio Segurado, que já havia sido ouvidor de Goiás, encarregado de cuidar da nova comarca, que teria estatuto de capitania. Foram duas as sedes da capitania, que existiu entre 1808 e 1814: a vila de São João das Duas Barras e a vila de Palma, criada pelo alvará de 25 de fevereiro de 1814, que ainda a isentava de pagar os dízimos e as décimas por um prazo de 10 anos. Joaquim Teotônio Segurado foi o responsável pelo incentivo à agricultura e à mineração na capitania que passou a escoar metais preciosos pelo rio Tocantins até Belém, e de lá até Lisboa. Em 7 de agosto de 1821, elegeu-se deputado junto às Cortes de Lisboa pela capitania de Goiás para discutir as implicações que a constituição liberal jurada por d. João VI teriam para o Brasil. Respondeu às manifestações de independência de Portugal constituindo um governo provisório ainda em 1821, não sob liderança dos rebeldes que desejavam romper com a metrópole, mas comandado pelo próprio que apoiava integralmente a d. João e às Cortes de Lisboa. Depois da independência do Brasil recolheu-se da vida pública. Foi assassinado em vila de Palma, supostamente ainda em razão de se ter oposto à independência da capitania.

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