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Proclamação oficial impressa

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 28 de Janeiro de 2019, 16h24 | Última atualização em Sexta, 23 de Julho de 2021, 00h49

Proclamação do marquês do Maranhão, comandante Cochrane, aos cearenses, publicada pela Imprensa Nacional. Anuncia o fim da autoridade ilegal da Confederação do Equador sobre a província do Ceará. Reconhece a importância da imprensa livre, mas alerta para falsidades e fraudes publicadas, das quais o próprio comandante teria sido alvo.


Conjunto documental: Confederação do Equador
Notação: caixa 742, pct 01
Datas limite:1823-1826
Título do fundo: Confederação do Equador
Código do fundo: 1N
Argumento de pesquisa: Imprensa, jornais e pasquins no reino e na colônia
Data do documento: 27 de outubro de 1824
Local: Ceará
Folhas: -

 

Leia esse documento na íntegra

 

“PROCLAMAÇÃO.

CEARENSES! Ao momento que vós pudeste declarar vossos sentimentos, nobremente vos apresentastes da ocasião para sacudir o jugo da autoridade ilegal que vos oprimia[1], e voltaste ao fácil, e sossegado caminho do dever, e obediência ao vosso Imperador Constitucional[2], debaixo de cujo domínio paternal somente o Brasil poderá gozar da felicidade que resulta da união[3], ausência de guerras civis, e de dissenções, e rivalidades políticas. Esta feliz mudança, e a força com que se efetuou, causaram a maior satisfação ao coração benévolo de S. M. I.[4] o qual, atribuindo todos os erros passados à influência natural das mal representações entre vos espalhadas com tanta arte, e constância, se esquecerá de tudo que aconteceu prévio ao dia glorioso do 18[5] (o qual recordar-se-á como o mais memorável nos anais do Ceará[6]) lembrando-se unicamente do feito que tem coberto de glória vosso Excelente Presidente, e todos aqueles que cooperaram com S. Ex. nessa grande ocasião.

Cearenses! O aconselhar-vos para o futuro guardarem contra as mal representações de fatos que aconteceram para fora dos limites da esfera de vosso conhecimento pessoal, seria supérfluo. Vos mesmo lereis, e conhecereis a Constituição que S. M. I. concedeu a seu Povo, e julgareis então se já em República[7] alguma fora posto em prática constituição mais livre. Vos sabereis apreciar devidamente o valor de uma imprensa[8] livre, porém, ao mesmo tempo, não deixareis de conhecer, e desprezar as falsidades, de que é frequentemente o canal esta mesma imprensa. Já vossa conduta demonstrou que estais prevenido das artes, e fraudes praticadas para vos enganar. E seja-me permitido acrescentar referindo as calúnias de que fui eu mesmo objeto, que somente desejo: que vos, e todos julgueis de mim, e dos meus atos, e procedimentos, pelo que vedes, e não pelas mentiras que fabricaram homens vis, e integrantes de facções estrangeiras, e outras existentes no Brasil.

Cearenses! Resta-vos somente preservar na carreira em que agora com tanta glória entrastes: e debaixo do Governo de S. M. I. achareis protegidas vossas pessoas, e propriedades por justas, e sábias leis, e que gozareis de todas as felicidades nascentes de uma liberdade nacional, e independência verdadeira. Ceará no Palácio do Governo em 27 de outubro de 1824.

Cochran[9] e Maranhão.

Ceará na Tipografia Nacional.”

 

[1] JUGO DA AUTORIDADE ILEGAL QUE VOS OPRIMIA: diz respeito ao governo instalado pelo movimento revolucionário republicano em 1824, conhecido como Confederação do Equador.

[2]IMPERADOR CONSTITUCIONAL: o título de Imperador Constitucional faz referência à primeira constituição do Brasil, outorgada por d. Pedro I em 1824. A assembleia geral constituinte e legislativa do império do Brasil reuniu-se em 1823 para elaborar uma carta para o novo Império, logo após o conturbado processo de independência. No entanto, desentendimentos entre d. Pedro e os deputados constituintes, sobretudo no que diz respeito à limitação do poder do imperador, levaram ao fechamento do Congresso e à outorga da Constituição de 1824. Elaborada por dez juristas de sua confiança – “conselho de notáveis” – que redigiram o texto constitucional, centralizava diversas competências nas mãos do imperador através da criação do poder Moderador. Conhecido como quarto poder, era exercido exclusivamente pelo monarca, que poderia interferir no legislativo, judiciário e executivo, encontrando-se acima destes. A constituição de 1824 e seu poder moderador vingaram até o fim do Império em 1889, e foi a constituição brasileira de mais longa duração até os dias atuais.

[3]SOMENTE O BRASIL PODERÁ GOZAR DA FELICIDADE QUE RESULTA DA UNIÃO: a expressão diz respeito à manutenção da unidade territorial do Império brasileiro após o processo de independência, em contraste com a fragmentação hispano-americana. A ausência de uma autoridade central na América espanhola devido às invasões napoleônicas deu lugar a revoluções generalizadas por toda colônia, resultando na formação de vários reinos. Já a centralização do Império brasileiro, simbolizada pela figura do Imperador, teria permitido manter o Brasil unido, apesar da grande dilatação do território ocorrida durante o período colonial e de movimentos que abalaram tal unidade, como foi o caso da Confederação do Equador. Existia uma grande preocupação com a preservação da integridade territorial por parte das elites locais, que procurando manter a ordem social e política, temiam uma instabilidade no Império.

[4]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[5]DIA GLORIOSO 18: no dia 18 de outubro de 1824, a armada de Lord Cochrane – contratada pelo governo imperial para pôr fim à Confederação do Equador – aportava em Fortaleza. Sem muita resistência, a capital da província do Ceará aderia às forças centrais. Depois de hasteada a bandeira imperial, o presidente do governo provisório, José Félix de Azevedo Sá, assinou o termo de juramento de obediência e fidelidade ao Imperador d. Pedro e, por ordem de Cochrane, fora comunicado a todas as partes da província o “regresso da cidade à obediência”.

[6]CEARÁ, CAPITANIA DO: capitania hereditária, estabelecida em 1534, tornou-se parte do Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1621. Passou a integrar o Estado do Brasil em 1656, ficando subalterna à capitania de Pernambuco até 1799, ano em que alcançou o status de capitania de primeira ordem, embora com subordinação judicial primeiro à relação da Bahia e, depois à de Pernambuco até 1821. A chamada “civilização do couro”, na expressão de Capistrano de Abreu, encontrou dificuldades na conquista, mas se expandiu rapidamente já no século XVII (Cf. Maria Yedda Linhares. Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil. Revista Tempo, 1996). A pecuária contribuiu bastante para a sua efetiva colonização, interiorizando a ocupação do território. A criação de gado expandiu-se no século XVIII, quando foi levada para Pernambuco, Bahia e Minas Gerais pelos caminhos do sertão. Além do mercado interno, a pecuária cearense destinava couro e carne para o exterior. Existiam outros produtos como as madeiras nobres, o sal, o algodão e a cera de carnaúba, que tiveram importância para a economia dessa capitania. Embora o Ceará não estivesse entre as praças mais voltadas à exportação, a escravidão africana na região foi significativa desde o século XVIII. O interior da capitania manteria uma concentração maior de população e de atividades de produção até meados do século XIX, o que explica a iniciativa de vilas da região do Crato e de Quixeramobim nas revoltas de 1817 (Revolução Pernambucana) e 1824 (Confederação do Equador). Em 1817, a capitania do Ceará foi palco das lutas entre os revolucionários e os contrarrevolucionários. Seu governador, Manuel Inácio de Sampaio, foi um dos principais aliados do conde dos Arcos, governador da Bahia, no freio à expansão da revolução no Nordeste e na subsequente vitória sobre os rebeldes. A Revolução de 1817, apesar de malograda, foi a semente de um movimento maior, que floresceu em Pernambuco e se expandiu pelo nordeste, incluindo-se o Ceará: a Confederação do Equador. Destaca-se aí a participação de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, liberal radical, que veio a tornar-se chefe do governo cearense. O Ceará, depois de Pernambuco, foi o estado onde a adesão ao movimento revolucionário foi mais ativa e intensa, e se deu de forma imediata. Anteriormente a sua proclamação, já havia eclodido vários focos insurrecionais no Ceará: a Câmara de Quixeramobim (antiga Vila de Campo Maior) declarou decaída a dinastia dos Bragança; e o Padre Gonçalo Inácio de Loiola, mais tarde, Padre Mororó, espalhou por Icó, São Bernardo das Russas e Aracati o movimento revolucionário. José Pereira Figueiras e Tristão Gonçalves comandaram a adesão do Crato. Os embates foram intensos, espalharam-se pelos sertões, e a repressão eliminou, de forma previsivelmente sangrenta, o movimento de 1824, executando ou assassinando suas principais lideranças.

[7] REPÚBLICA: o termo “república” vem do latim res publica, que significa literalmente “coisa pública”, ou seja, o bem público, o que era comum a todos os cidadãos. Considerando-se a tipologia de Estado moderno, o termo República representa o oposto das concepções monárquicas de soberania: a primeira, embora compreenda uma grande variedade de formas de governo e organização de Estado, pauta-se pelo exercício do poder político baseado na escolha do povo e em especial, na não hereditariedade do exercício deste poder. Na monarquia, ao contrário, o soberano herda o direito de ocupar o mais alto cargo político em função da sua linhagem. No entanto, o termo República é bastante anterior às teorias de Estado modernas, sua origem reside na necessidade de os romanos definirem em termos apropriados uma nova realidade de organização do poder depois que a forma de exercício dos antigos reis encontrou seu fim. Expressava uma ideia semelhante à politeia grega, qual seja, o bem comum. Cícero e Políbio estão entre os primeiros a estruturar as discussões em torno da coisa pública em um conceito coerente, ressaltando a importância de leis comuns para que o bem comum fosse alcançado, contrapondo assim, a República aos estados (ou antes, as formas de associação política) “injustos” (ilegais, ilegítimos). Na Idade Moderna, o termo se tornou caro àqueles que buscavam derrubar as formas de organização política típicas do Antigo Regime. Enfatizando o caráter de legitimidade do governo (fosse ele monárquico, democrático, aristocrático), havia uma tendência à defesa de um estado de direito que preservasse o bem dos seus cidadãos, em contraposição ao despotismo de reis que só respeitava a sua própria vontade, por terem recebido seu poder “diretamente de Deus”. Após as revoluções francesa e americana, no século XVIII, a definição de república passa por um sem número de discussões e reelaborações, em grande medida consequência das experiências práticas que se desenvolvem com o passar dos anos. Indissociável da ideia de república é a da constituição, na qual o direito deixa de ser expressão do poder real e se torna o espelho da nação organizada. Nesse sentido, e após a Revolução Francesa, o termo soberania deixará de designar a legitimidade dinástica, transferindo-se para a vontade popular (Cf. LAFER, C. O significado de República. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2. n. 4, 1989). A adoção de um governo republicano e a difusão dos princípios de liberdade, em um mundo no qual preponderavam governos absolutistas, passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os “abomináveis princípios franceses”. Ao lado da independência das treze colônias inglesas na América do Norte, que se libertaram do domínio metropolitano, tornando-se uma República, inspirariam, sobremaneira, movimentos anticoloniais. De todo modo, a noção mais antiga e abrangente de República, segundo a qual o Estado deveria expressar a vontade do povo, associada à construção de um novo pacto social, continuou a influenciar alguns movimentos políticos. No contexto do Brasil colonial, o conceito de República explicitava uma defesa não de um sistema de governo com maior participação popular, nem sequer, necessariamente, de um governo independente da metrópole, mas sim, de um governo mais justo entre os súditos do Reino e Ultramar. Ainda assim, considera-se que a seu modo, movimentos como a conjuração mineira de 1789 e a Revolução de 1817 guardaram a inspiração republicana, norte-americana, sem dúvida, e no último caso, francesa.

[8]IMPRENSA: o termo imprensa surgiu no século XV, com a criação da prensa móvel por Johannes Guttenberg (1390-1468) que imprimia, com caracteres móveis, palavras e frases em papel. A invenção da tipografia é considerada como marco fundamental que alicerçou e tornou possível a progressiva divulgação do conhecimento, até a sua massificação atual. Já a imprensa periódica, surge na Europa no século XVII, utilizando-se da mesma tecnologia para imprimir jornais, gazetas e pasquins. A primeira tipografia portuguesa surge no século XV e só em 1641 começa a circular o primeiro jornal periódico português: A Gazeta. No Brasil, a imprensa foi criada pelo decreto de 13 de maio 1808, por ocasião da transmigração da corte portuguesa. A Impressão Régia visou atender à necessidade de divulgação da legislação e atos governamentais, sendo facultada, na ausência destes, a impressão de obras variadas. Para administrar o novo estabelecimento, foi instituída uma junta diretora, composta por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dois deputados da Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro e da Bahia. À Junta coube o exame dos papéis e livros a serem publicados até setembro de 1808, quando houve a nomeação dos primeiros censores régios. No entanto, o historiador Marco Morel chama atenção para a existência de impressos no Brasil antes mesmo de 1808, apesar de toda proibição e censura, como é o caso de um prelo no Recife; uma oficina tipográfica no Rio de Janeiro em meados do século XVIII; além de imprensas instaladas pelos jesuítas na região das Missões (MOREL, M. Os primeiros passos da palavra impressa. MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tânia Regina de (orgs.). Hino Campo de Santana, no Rio de Janeiro stória da imprensa no Brasil. São Paulo: editora Contexto, 2013. p. 24). Com relação aos impressos periódicos, há dois marcos fundadores: a criação, por Hipólito da Costa, do Correio Braziliense em Londres e o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro, ambos em 1808. Por ser publicado em Londres, o Correio Braziliense foi o primeiro periódico em língua portuguesa a circular sem censura. Já a Gazeta, era um jornal oficial, limitando-se aos comunicados do governo e impresso na tipografia régia. Em 1821, as restrições à imprensa diminuíram, devido a decisões das Cortes portugueses, aumentando o número de tipografias, jornais e panfletos no Brasil.

[9] COCHRANE, THOMAS ALEXANDER (1775-1860): o inglês Lord Cochrane foi militar da Marinha Real Britânica e destacou-se nas Guerras Napoleônicas, sendo apelidado pelo seu opositor Napoleão de “lobo do mar”, por sua ousadia. Concomitantemente foi eleito membro do Parlamento, porém, condenado a prisão por fraude em 1814, foi obrigado a sair da Marinha. Em 1817, foi contratado para combater nas lutas pela independência do Chile e Argentina e, em 1823, contratado pelo governo brasileiro para ajudar nos combates às províncias que se recusavam a aderir a independência, como Pará e Maranhão. Pelo seu bom desempenho e sucesso nas operações, recebeu de d. Pedro I o título de marquês do Maranhão. Permaneceu no Brasil até 1825, combatendo as frotas portuguesas e a Confederação do Equador, que ocorreu no Nordeste. No entanto, não foi pago pelo governo brasileiro e levou alguns navios como recompensa. Lutou também pela independência da Grécia e, em 1830, voltou à Inglaterra. Com a morte de seu pai, recebeu, em 1831, o título de 10º conde de Dundonald e, no ano seguinte, foi readmitido pela Marinha Britânica, onde alcançou o posto de almirante.

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