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Autos de exame de Maria da Cunha

Escrito por Ricardo Almeida | Publicado: Quarta, 08 de Janeiro de 2020, 19h30 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 19h27

Requerimento de Carta Régia autorizando Maria da Cunha, crioula forra, moradora da vila de Santo Antonio, Recife, Pernambuco, ao exercício do ofício de parteira. Junto ao requerimento encontram-se os autos de exame da candidata, escritos em 23 de dezembro de 1807 por Francisco Antonio da Fonseca. Foram feitas perguntas sobres os partos “naturais e não naturais”, “difíceis e dificultosos”, “suas dores falsas e verdadeiras”. Também lhe foi perguntado sobre quando deveria se negar a fazer o parto, pois estes eram casos perigosos e que somente médicos poderiam realizar.

 

Conjunto documental: Fisicatura Mor
Notação: Caixa 468, Pacote 01
Datas-limite: 1810 – 1828
Título do fundo ou coleção: Fisicatura Mor
Código do fundo: 2O
Argumento de pesquisa: Parteira
Data do documento: dezembro de 1807 a novembro de 1809
Local: Recife – Rio de Janeiro

 

Leia esse documento na íntegra

 

Autos de exame de Maria da Cunha

Ilustríssimo Senhor Conselheiro Cirurgião Mor do Reino[1]

Passe carta. Paço de Santa Cruz,

21 de novembro de 1809

Joze Correia Picanço[2]

Diz Maria da Cunha, moradora em Pernambuco[3], que ela, pelo auto incluso, mostra ter feito o seu exame do ofício de parteira[4], do qual saiu aprovada como consta do mesmo auto, e para que deseja que V. S. lhe mande passar a sua confirmação, e não pode fazer sem despacho portanto.

Para V. S. seja servido mandar passar na forma do estilo.

Passei carta de confirmação do ofício de parteira aos 21 de novembro de 1809 que ficou requerida neste juízo no livro 2o a folha 48.

Luís Bandeira de Gouveia

Do livro da Comissão Geral da capitania de Pernambuco

Para o Régio Tribunal da Junta do Protomedicato da corte e cidade de Lisboa

 

O doutor João Lopes Cardoso Machado, cavalheiro professo na Ordem de Cristo, comissário geral e juiz, delegado de medicina e cirurgia da Real Junta do Protomedicato[5] das capitanias de Pernambuco e Itamaracá e Rio Grande e Ceará com alçada no crime e civil por sua Alteza Real o Príncipe Regente[6] Nosso Senhor que Deus guarde V., faço saber que Maria da Cunha, crioula forra[7], moradora nesta Vila de Santo Antonio do Recife, capitania de Pernambuco, freguesia de São Frei Pedro Gonçalves, me requereu queria examinar-se no ofício de parteira e sendo admitida nomeei para examinadores Luis Ribeiro Peixoto dos Guimarães e Antonio Batista da Conceição, cirurgiões[8] aprovados por Sua Alteza Real, estes sendo juramentados, a examinaram na minha presença e do escrivão do meu cargo secretário dos exames abaixo nominado e assinado pratica e teoricamente, e por satisfazer as perguntas que lhe foram feitas aprovaram nenime discrepante[9] e eu, juiz comissário a houve também por aprovada nemine discrepante determinando-lhe que dentro de oito meses apresentaria sua carta de aprovação desse Régio Tribunal e pena de incorrer nas do Regimento caso o não fizesse no referido tempo mandando-lhe entregar o depósito que tinha feito a quantia de dois mil e oitocentos pertencentes a esse Régio Tribunal na forma do costume, visto me ter requerido e consta do recibo junto aos autos o ter recebido. E para constar mandar passar a presente, que vai assinada por mim e pelos examinadores e o meu escrivão secretário dos exames. Dada e passada nesta vila de Santo Antônio do Recife, capitania de Pernambuco, aos vinte e três dias do mês de dezembro do ano de mil oitocentos e sete e eu Francisco Antonio da Fonseca escrivão atual de medicina cirurgia e secretário dos exames as escrevi e assinei.

João Lopes Cardoso Machado

 

Auto de exame

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e sete aos dezenove dias do mês de dezembro do dito ano, nesta Vila de Santo Antonio do Recife, capitania de Pernambuco, em casa de morada do doutor Juiz Comissario Geral Delegado de Medicina e Cirurgia da Real Junta do Protomedicato, João Lopez Cardoso Machado, onde eu, escrivão secretário dos exames, vim aqui apareceram presentes os cirurgiões aprovados Luis Ribeiro dos Guimarães e Antonio Baptista da Conceição, nomeados pelo dito Juiz para examinadores, e notificados por mim escrivão para examinarem a Maria da Cunha que presente estava e logo por cada um dos examinadores foi examinada fazendo-se várias perguntas sobre os partos naturais e não naturais difícil ou dificultosos suas dores e diferenças que faz das dores falsas e verdadeiras, sintomas e o que deverá observar sobre os mesmos e quando devera (digo) quando devem requerer sobre os perigosos e que delegacia deveria obviar por ela, o que tendo respondido com desembaraço aptidão sem perturbação alguma e mandada retirar e corridos os votos deram por aprovada nemine discrepante e o dito doutor juiz comissário também achou aprovada por nemine discrepante, cujo o exame foi feito na presença do dito doutor juiz comissário e de mim escrivão secretário e para constar fiz esse autuamento (digo) este auto mandado pelo dito doutor juiz comissário, em que assinou com os examinadores comigo escrivão e eu, Francisco Antonio da Fonseca, escrivão atual de Medicina Cirúrgica e secretário dos exames, escrevi assinei. Declaro por não saber escrever assinou de cruz perante todos Eu escrivão escrevi e assinei. João Lopes Cardozo Machado, Luiz Ribeiro Peixoto dos Guimarães, Antonio Baptista da Conceição, estava a assinatura de Maria da Cunha que é uma cruz.

O escrivão Francisco Antonio da Fonceca (digo) O escrivão secretário dos exames Francisco Antonio da Fonceca.

 

[1] CIRURGIÃO-MOR: no século XVI a legislação do Reino especificava os limites da atuação do físico-mor e do cirurgião-mor, determinando que aos cirurgiões fosse vedado atuar como médicos sem a licença do físico­mor. Por outro lado, proibia aos físicos o exercício da cirurgia, sem a devida licença do cirurgião-mor, equiparando, portanto, as duas autoridades, a despeito da prevalência em todos os campos, do físico sobre o cirurgião. Como explicou Flavio Edler (A saúde pública no período colonial e joanino. http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5120:saude-e-higiene-publica-na-ordem-colonial-e-joanina&catid=64&Itemid=372), a exigência para que o físico-mor do reino examinasse todos os que praticavam medicina existia desde 1430, sendo de 1448 o Regimento do Cirurgião-mor que estabeleceu as atribuições para o exercício da função. O físico-mor e o cirurgião-mor tiveram suas atribuições separadas em 1521, destacando-se o papel do físico-mor como juiz da Fisicatura, um tribunal, ainda de acordo com Edler. Quase um século depois, o regimento do Cirurgião-Mor do reino, de 12 de dezembro de 1631, dispunha que este examinaria todos os que fossem exercer o oficio de cirurgia, exigindo-se o domínio do latim e a prática no hospital da região em que viviam. O cirurgião-mor contava com dois barbeiros para examinar os sangradores treinados pelos mestres-cirurgiões. Data de 16 de maio de 1774 o regimento de autoria do físico-mor do reino e que pautava a conduta dos físicos na América portuguesa. Em 1808, o Alvará de 23 de novembro mandou executar os Regimentos do Físico Mor e Cirurgião Mor, regular a sua jurisdição e de seus Delegados, aludindo ao Decreto de 7 de fevereiro do mesmo ano que havia criado o Físico Mor e o Cirurgião Mor do Reino, Estados e Domínios Ultramarinos. A regulamentação é justificada face aos conflitos entre o Físico Mor e a Relação da Bahia. A legislação anterior, desde 1515, bem como o regimento de 1744 é mantida em vigor a exceção do que tivesse sido abolido. Já o Alvará de 22 de janeiro de 1810 que dava “regimento aos delegados do Físico-Mor” estabelecendo providências sobre a saúde pública, considerou que o Regimento de 1744 “por diminuto e porque tendo sido feito em tempos remotos não pode quadrar ao presente". O primeiro físico-mor no Brasil foi José Corrêa Picanço, professor de Anatomia e Cirurgia da Universidade de Coimbra, primeiro cirurgião da Casa Real e cirurgião-mor do Reino. Após a Independência a Lei de 30 de agosto de 1828 extingue os lugares de Provedor-mor, Físico-mor e cirurgião-mor do Império passando as suas competências às Câmaras Municipais e Justiças ordinárias.

[2] PICANÇO, JOSÉ CORREA (1745-1823): barão de Goiana, era natural de Pernambuco e frequentou os estudos superiores de cirurgia em Lisboa, dando continuidade ao seu aprendizado em Paris, onde obteve o título de doutor em Medicina pela faculdade de Montpellier. Foi um dos signatários do Plano de Exames da Real Junta do Proto-Medicato – criada em 1782, em substituição aos cargos de físico-mor e cirurgião mor, responsável pela concessão de cartas e licenças para o exercício da atividade médica e cirúrgica –, empenhando-se na regularização e fiscalização da arte cirúrgica no Reino e colônias. Vindo para o Brasil por ocasião da transferência da família real portuguesa, coube a Picanço a proposta para criação de um curso de cirurgia na colônia americana. Anuindo à proposta feita, o príncipe regente ordenou a fundação da primeira Escola de Cirurgia do Brasil, sediada no Hospital Real Militar da Bahia, em fevereiro de 1808. José Correa Picanço foi lente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (1789), sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, cavaleiro professo e comendador da Ordem de Cristo, cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, fidalgo da Casa Real, primeiro-cirurgião da Real Câmara e cirurgião-mor do Reino e Ultramar. É atribuída a ele a realização da primeira cirurgia cesariana no Brasil (1822).

[3]PERNAMBUCO: a capitania de Pernambuco foi uma das subdivisões do território brasileiro no período colonial. Em 9 de março de 1534, essas terras foram doadas ao fidalgo português Duarte Coelho Pereira, que fundou Recife e Olinda (primeira capital do estado) e iniciou a cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que teriam importante papel na história econômica do país. A capitania, originalmente, estendia-se por 60 léguas entre os rios Igaraçu e São Francisco, e era chamada de Nova Lusitânia. Nos primeiros anos da colonização, junto com São Vicente, a capitania teve grande destaque, pois sua exploração foi bem-sucedida, principalmente devido ao cultivo e produção do açúcar, responsável por mais da metade das exportações brasileiras. O sucesso da lavoura açucareira atraiu investimentos de outros colonos portugueses. O povoado de Olinda prosperou, tanto que, em 1537, o povoado foi elevado à categoria de vila, tornando-se um dos mais importantes centros comerciais da colônia. Em 1630, no entanto, os holandeses invadem Olinda e conquistam Pernambuco. A vila foi incendiada em 1631, como resultado dos contra-ataques portugueses, e Recife torna-se, então, o centro administrativo da capitania, crescendo sob a administração dos holandeses. O domínio holandês, sob a administração do conde Maurício de Nassau, provocou mudanças econômicas, sociais e culturais: tolerância religiosa; melhoramento urbano em Recife; incentivo a atividades artísticas e estudos científicos, além de acordos com os senhores de engenho no sentido de minorar suas dívidas e incentivar a produção de açúcar. Os holandeses foram expulsos em 1654 e foi iniciada a lenta reconstrução da vila de Olinda. Os anos de guerra e os conflitos internos abalaram a economia da capitania e, com o crescimento de outras regiões da colônia, Pernambuco perdeu sua supremacia econômica. Foi, também, no século XVII, que se formou o quilombo dos Palmares, o maior centro de resistência negra à escravidão do período colonial. Parte dele localizava-se em terras da capitania de Pernambuco e era formado por escravos fugitivos. Foi destruído em 1690, por Domingos Jorge Velho, após quase um século de existência. Pernambuco foi palco de diversos conflitos e revoltas. A guerra dos mascates, em 1710 e 1711, apresentou-se como um embate entre interesses imediatos de comerciantes portugueses – concentrados em Recife, pejorativamente chamados de mascates – e senhores de engenho, assentes em Olinda. A já existente rivalidade entre as duas cidades, que expressava uma disputa de poder político entre os dois grupos mencionados, acentuou-se em 1710, com a elevação do povoado de Recife à categoria de vila, independente de Olinda que, a partir de então, entraria em declínio, perdendo o status de capital para a rival logo em 1711. Em 1817, outro conflito eclodiria na capitania, a Revolução Pernambucana, que marcou o período de governo de d. João VI como um dos principais movimentos de contestação ao domínio português. Em meio a esse clima, a dissolução da Assembleia Constituinte, em 1823, e a outorga da Constituição de 1824 por d. Pedro I geraram violenta reação de Pernambuco. Após a tentativa de destituição de Manuel Paes de Andrade da presidência da província, para a nomeação de Francisco Pais Barreto pelo Imperador, acirraram-se as tensões, abrindo caminho para um movimento contestador: a Confederação do Equador – grande movimento revolucionário de caráter separatista e republicano que se estendeu por grande parte do nordeste brasileiro e teve Pernambuco como centro irradiador.

[4] PARTEIRAS: as mulheres foram as principais responsáveis pelos procedimentos e apoio às parturientes e aos nascituros até que a atividade fosse incluída no programa das instituições médicas europeias no século XVII primeiramente e depois na América portuguesa. No entanto, sabe-se que desde o século XVI, em Portugal, já se sujeitava o ofício das parteiras já estava sujeito à regulamentação junto ao físico-mor, como parte do registro de artes mecânicas e que obrigava ao exame diante do físico da cidade, como se depreende do Regimento das parteiras da Câmara Municipal de Lisboa de 1572. A intervenção pública sobre esse evento, de natureza intrinsecamente privada até então, tem ao fundo o fato conhecido, mas mantido em silêncio, do infanticídio, recorrente entre as famílias, como assinala Marinha N. F. Carneiro. (Ajudar a nascer. Parteiras, saberes obstétricos e modelos de formação (séculos XV-XX). Universidade do Porto, 2003. Dissertação de doutoramento), um costume proibido, mas tolerado até pelo menos o século XVII, quando, escreve o historiador francês Philippe Ariés, “a parteira, esta feiticeira-branca recuperada pelos Poderes terá como missão proteger a criança”. No século XVIII aprofunda-se o controle sobre o trabalho das parteiras e a prevalência da autoridade de médicos e do físico, que se acresce ao já consolidado poder da Igreja. O século das Luzes privilegia a erudição, em oposição ao saber das parteiras, e a expressão “arte obstetrícia” seria incluída nos Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772. Ainda no século XVIII, a criação de instituições como o Asilo da maternidade, em Paris, no ano de 1795, no lugar do Serviço das Parturientes, tido como um verdadeiro “leito de morte”, parece anunciar uma transformação científica nesse campo, caracterizando uma medicalização do parto. Cabia à parteira-chefe ministrar aulas teóricas e “práticas”, estas últimas realizadas em um anfiteatro com um manequim, segundo Scarlet Beauvalet-Boutouyrie (“As parteiras-chefes da maternidade Port-Royal de Paris no século XIX: obstetras antes do tempo?” Estudos Feministas 403, 2/2002). Na América portuguesa, os partos foram praticados com pouquíssimo controle, mesmo a partir da obrigação de registro junto a Fisicatura-Mor em 1808. Com a presença da corte, os processos envolvendo candidatas no Reino também passavam pelas autoridades do Rio de Janeiro. Aos exames estavam presentes cirurgiões e um escrivão, seguindo-se, em caso de aprovação, o requerimento de carta régia autorizando o exercício daquele ofício. O processo de avaliação era pago, como no exemplo de registra uma moradora da comarca de Aveiro, Portugal, que despendeu 440 reis. No Brasil, as requerentes foram frequentemente descritas como pretas, pardas e crioulas forras, indicando ser uma ocupação comum a essa parcela da população. As parteiras eram conhecidas ainda como aparadeiras, comadres e outras denominações, o que indica uma familiaridade entre as mulheres, em um contato que ocorria quase sempre no interior das casas, sendo raros os casos em que, devido às urgências e complicações no parto, se recorria às santas casas de misericórdia.

[5] REAL JUNTA DO PROTOMEDICATO: órgão criado em 1782 durante o reinado de d. Maria I, visando centralizar a fiscalização das práticas médicas na América portuguesa, onde o controle estava a cargo dos representantes da metrópole, que atuavam com base em regulamentos, avisos e alvarás expedidos pela Coroa (“Escola de Cirurgia da Bahia”. In: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). COC / Fiocruz – http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). A criação do Protomedicato vinha substituir o sistema anterior de fiscalização, dado pelo Regimento de 1742-1744, que dispunha sobre as atribuições de comissário para os médicos e examinadores visitadores, atividades que proporcionavam retorno financeiro principalmente aos visitadores, como afirma Laurinda Abreu, que se refere ainda a uma estrutura mais complexa, a partir de então, nos quadros locais de fiscalização, como se verifica em 1784 com as nomeações para os cargos de escrivães dos comissários da repartição de medicina e farmácia na Bahia e em Pernambuco (A institucionalização do saber médico e suas implicações sobre a rede de curadores oficiais na América portuguesa. Tempo, Niterói, v. 24, n. 3, p. 493-524, Dec. 2018). A partir de 1799, o Protomedicato é elevado à categoria de Tribunal Régio com presença mais expressiva no Brasil do que no Reino, onde encontraria oposição da parte de outros representantes do exercício da medicina, cirurgia e farmácia. A Junta reunia cinco médicos, dois cirurgiões e toda uma rede de comissários e visitadores gerais e tinha entre seus objetivos o combate às formas populares de práticas curativas. A criação do órgão se deu ainda a partir da suspensão dos cargos de físico-mor e cirurgião-mor do Reino, tradicionais opositores da Universidade de Coimbra, entre outras posturas corporativas, segundo Bruno Barreiros (As complexas teias da medicina popular. Projeto político e resistências populares em Portugal no século XIX. CEM n.º 5/ Cultura, Espaço & Memória, 2018). Com a instalação da Corte no Brasil e a criação da Fisicatura Mor, a Junta do Protomedicato foi extinta por alvará de 7 de janeiro de 1809.

[6] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[7] CRIOULA FORRA: as crioulas, assim chamadas em geral por constituírem a segunda geração de africanos escravizados trazidos à América portuguesa, contribuíram para que, ao final do século XVIII, a maior parte dos alforriados fosse de origem urbana e feminina. As alforrias podiam ser obtidas de muitas formas, desde a compra da liberdade a doações gratuitas, deixadas em testamento, recompensas e outras modalidades. Nesse cenário e em todas as regiões, “as mulheres africanas e crioulas se destacaram quantitativamente entre os forros”, levando a uma transformação desse perfil nas cidades, “cada vez mais mestiço e feminino, surgindo espaços dominados pelos forros e seus descendentes nascidos livres” (PAIVA, Eduardo França. Alforrias. In: SCHWARCZ, L. M., GOMES, Flávio dos Santos. Dicionário da Escravidão e Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 94).

[8] CIRURGIÃO: A cirurgia vem de uma longa tradição científica que nos séculos XVII e XVIII podia ser localizada no tratado árabe “O método da medicina”, de Albucasis, (936-1013) traduzido em latim e largamente disseminado na Idade Média. Na França a cirurgia teria sido o campo mais radicalmente transformado no século das Luzes, como escreve Alain Touwaide (Chirurgie. In: Delon, M. Dictionnaire européen des Lumières, 1997). É nesse período que os cirurgiões conquistam o respeito dos médicos e que a cirurgia se torna, nas universidades, um instrumento de investigação do corpo e da própria doença. Os cirurgiões distinguiam-se dos médicos, havendo diferenças entre eles, como em Portugal onde eram divididos em três tipos, os diplomados, aprovados e barbeiros, segundo a formação e local de aprendizagem, como hospitais militares, misericórdias ou outros hospitais, como explica Lycurgo Santos Filho (Cirurgiões. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil, 1994). Predominaram no Brasil e em Portugal os cirurgiões-barbeiros, acolhidos como aprendizes pelos mestres cirurgiões. Ainda de acordo com Santos Filho, nos séculos XVI e XVII os cirurgiões eram quase todos cristãos novos, quase sempre perseguidos pelo Santo Ofício por práticas judaizantes, mas que dada sua especialidade chegaram a postos de destaque na sociedade colonial, como assinala Ronaldo Vainfas (Cf. Cirurgiões. In: Dicionário do Brasil colonial, 1500-1808, 2001). Nos séculos seguintes os cirurgiões na América portuguesa foram muitas vezes negros, escravizados ou não, além dos classificados como brancos ou mulatos. Cabia-lhes sangrar, aplicar bichas ou ventosas, escalda-pés, banhos, arrancar dentes, e, cortar cabelo e fazer a barba. Sem que tivessem autorização para tal, procediam a amputações e lancetavam abscessos diz Lycurgo S. Filho. A cirurgia seguiria dividida entre aqueles que adquiriam o conhecimento com mestres ou pela prática e outros que a exerceriam a partir das universidades. A partir de 1808 os hospitais militares de Salvador e do Rio de Janeiro passam a contar com cursos de cirurgia; Entre 1813 e 1816 são fundadas, nas mesmas cidades, academias médico-cirúrgicas que concedem diplomas de cirurgião e cirurgião formado. Em 1832 são criadas faculdades de medicina no Império. (PIMENTA, T. S. “Curandeiro, parteira e sangrador: ofícios de cura no início do oitocentos na corte imperial”. Khronos, nº6, pp. 59 - 64. 2018.)

[9] NEMINE DISCREPANTE: expressão latina para designar algo que foi aprovado por unanimidade, “sem discrepância”.

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