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Calúnias contra o Estado e o Rei

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Quinta, 28 de Outubro de 2021, 20h39 | Última atualização em Quinta, 28 de Outubro de 2021, 20h39

Ofício enviado por Manuel Ribeiro da Silva informando que recebeu uma queixa do capitão da Fortaleza de Santa Cruz, José Ribeiro da Silva, que era dono de uma estalagem onde residiam o tenente-coronel da brigada Real da Marinha José Bernardes Lacerda, o praça José Antônio Galvão, o cadete do 1º regimento do Exército Carlos Figueira e o cirurgião José Rodrigues da Conceição, envolvidos em desordens e “murmurações” (calúnias) contra o Estado, o Rei, o marquês de Aguiar (ministro dos Negócios do Reino), e até o intendente geral de Polícia, chamado de “asno”. Quando José Ribeiro pediu que os homens deixassem os cômodos, quase foi agredido, além de ter sido ofendido, bem como a própria Polícia, que os quatro achavam que os deixaria impune. Manuel Ribeiro dá ciência de que prendeu o desbocado cirurgião e conseguiu, com dificuldade, despejar os outros três.

 

Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil, Ministério dos Negócios do Reino, Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiros, Ministério dos Negócios do Império e Estrangeiros. Instituições policiais
Notação: 6J-83
Datas-limite: 1816-1817
Título do fundo: Diversos GIFI
Código do fundo: OI
Argumento de pesquisa: criminalidade
Data do documento: 23 de agosto de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -


Ontem pelas 10 horas da manhã, veio ao meu [...] o capitão da Fortaleza de Santa Cruz[1], e [...] José Ribeiro da Silva dar me frente que o tenente coronel da Brigada Real da Marinha, José Bernardes de Lacerda, que morava em um quarto da sua estalagem, assim como o [...] das [Praças] [...], José Antônio Galvão, e o cadete do 1º Regimento de [...] do exército Carlos Figueira [...], estes José [Roiz/Rodrigues] da Conceição cirurgião[2] vindo de [Lisboa][3], constantemente murmuravam[4] do [Estado], dizendo publicamente na sua estalagem, o tenente coronel, que isto tudo estava perdido desta Corte, que Sua Majestade Elrey[5] Nosso Senhor era um tolo, que em Portugal queriam um rei ainda que fosse de paus, e que se caso Senhora Majestade não fosse queriam fazer uma República[6], e que faziam muito bem, e tinham razão, e o Marques de Aguiar[7], que ele andava muito tempo atrás dele para o seu despacho, e que muitas vezes se lembrou de o [...] a pontapé, que a ele, quem lhe tinha [escolhido], era a Rainha Nossa Senhora[8], que essa sim, que era a nossa fortuna, e que a não ser ela então de todo estava acabado, que Elrey nele tinha perdido um amigo, o cirurgião, [...] mais além disto, que aqui senão pode [servir] para que não há providências, que a ele não esta [...] em Portugal[9], se tinha ido e media [...] embora, a não querer o seu despacho; porém que ele não dizem sim, ou não, e que lhe não dão desengano; que o intendente geral da polícia[10], é um asno, toleirão, e que em lugar de dar providências, está metido na sua chácara esgotando [botelhas] de vinho, e que entregava o governo da polícia, a um [moço de feitos], o [...]. e sejam como isto assim, com o [pode] andar governado, que o intendente em vez de cuidar na água, estava tomando o verde[11], porém, que o cirurgião, era o que principiava sempre a murmuração, e o tenente coronel [analisava] os diferentes fatos com a sua opinião; que o cadete também entrava com a sua opinião; o [...] esse só ouvia; que ele declarante, advertiu ao tenente coronel, que houvesse de se abster, pois, que aquilo era uma casa de pouso[12], e não queria trabalhos, e não gostava de ouvir falar mal do Estado, ao que lhe respondeu, que fosse guardar [cabras], que era um tolo, e se lhe mandavam alguma coisa para a sua família, que é do que ele precisava; a que lhe ele respondera, que não era por isso, era porque ele não queria ouvir falar mal do Estado e que vendo-se neste aperto, ontem a noite, pusera escritos em sua estalagem em que dizia a todos, os ali alojados, que ele no 1° de abril fechava a estalagem por não querer aquele modo de vida; que esta manhã, apareceram os escritos, todos [barreados] com [...], e que o alferes o fora atacar ao seu quarto, querer lhe puxar as orelhas, e querê-lo levar para que ele limpasse aquilo mesmo, que ele a este procedimento [...] que se vinham queixar a Guarda da Polícia, ao que o [...] respondeu, que cagava para a polícia, e fosse a quantas polícias quisesse: dei imediatamente a providência, de mandar o oficial de Estado-Mor, o alferes[13] João Pereira Cabral, que dissesse a todos, [...] [secretária], que vindo a mesma, os [...], que houvessem de se mudar para quantas de outra estalagem, a fim de se evitar desordens, pois que o dono me requeria a sua segurança: o tenente coronel responder-me que não queria atacando-me, dei-lhe a voz Almirante [..], não quis ser conduzido por um capitão deste corpo, prendi o cirurgião, e fiz-lhe a presença aos seus papéis, por o mesmo queixoso me dizer, que eles estavam continuamente a escreverem [ao] Tenente Coronel não quis facilitas a chave do baú, mandei para aquele lugar o Tenente deste corpo Joaquim [...] da Silva, para embaraçar não mandasse ele tirar os papéis do seu quarto, e os outros lhes mandei dar lugar nas outras estalagens. [...] do Campo de Santana[14] 23 de agosto de 1816.

Manoel Ribeiro da Silva

 

[1] Principal estrutura defensiva da baía de Guanabara protegia a cidade do Rio de Janeiro e seu porto, a fortaleza teve sua origem na criação de uma bateria, na década de 1580, erguida sob a proteção da Nossa Senhora da Guia. No fim daquele mesmo século, essa bateria conseguiu repelir a aproximação de uma esquadra holandesa que se aproximava da cidade de São Sebastião com intenções dúbias (acometidos de escorbuto ou planejando uma invasão). Seu nome atual veio em 1612, e durante o governo de Martim Sá na década seguinte, a fortaleza ganhou reforços significativos, com novas peças de artilharia. No final do século XVII, contava com 38 peças e, em 1710, a bateria entraria em ação na defesa da baía contra o corsário francês Duclerc. Depois de seguidos reforços ao longo dos anos, a fortaleza mostrava-se imponente em 1730, apresentando 135 canhões em prontidão. Nesta época, adquire a sua forma atual, delineada em pedras já cortadas, e enviadas de Portugal. Durante o século XIX, funcionou como prisão, recebendo até mesmo figuras ilustres caídas em desgraça, como José Bonifácio e Bento Gonçalves. Apresentava celas, paredão de fuzilamento e forca no pátio. (Adler Homero Fonseca de Castro. Muralhas de pedra, canhões de bronze, homens de ferro: fortificações do Brasil de 1504 a 2006. Rio de Janeiro: FUNCEB, 2009 http://www.funceb.org.br/images/revista/7_0v7y.pdf)

[2] A cirurgia vem de uma longa tradição científica que nos séculos XVII e XVIII podia ser localizada no tratado árabe “O método da medicina”, de Albucasis, (936-1013) traduzido em latim e largamente disseminado na Idade Média. Na França a cirurgia teria sido o campo mais radicalmente transformado no século das Luzes, como escreve Alain Touwaide (Chirurgie. In: Delon, M. Dictionnaire européen des Lumières, 1997). É nesse período que os cirurgiões conquistam o respeito dos médicos e que a cirurgia se torna, nas universidades, um instrumento de investigação do corpo e da própria doença. Os cirurgiões distinguiam-se dos médicos, havendo diferenças entre eles, como em Portugal onde eram divididos em três tipos, os diplomados, aprovados e barbeiros, segundo a formação e local de aprendizagem, como hospitais militares, misericórdias ou outros hospitais, como explica Lycurgo Santos Filho (Cirurgiões. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil, 1994). Predominaram no Brasil e em Portugal os cirurgiões-barbeiros, acolhidos como aprendizes pelos mestres cirurgiões. Ainda de acordo com Santos Filho, nos séculos XVI e XVII os cirurgiões eram quase todos cristãos novos, quase sempre perseguidos pelo Santo Ofício por práticas judaizantes, mas que dada sua especialidade chegaram a postos de destaque na sociedade colonial, como assinala Ronaldo Vainfas (Cf. Cirurgiões. In: Dicionário do Brasil colonial, 1500-1808, 2001). Nos séculos seguintes os cirurgiões na América portuguesa foram muitas vezes negros, escravizados ou não, além dos classificados como brancos ou mulatos. Cabia-lhes sangrar, aplicar bichas ou ventosas, escalda-pés, banhos, arrancar dentes, e, cortar cabelo e fazer a barba. Sem que tivessem autorização para tal, procediam a amputações e lancetavam abscessos diz Lycurgo S. Filho. A cirurgia seguiria dividida entre aqueles que adquiriam o conhecimento com mestres ou pela prática e outros que a exerceriam a partir das universidades. A partir de 1808 os hospitais militares de Salvador e do Rio de Janeiro passam a contar com cursos de cirurgia; Entre 1813 e 1816 são fundadas, nas mesmas cidades, academias médico-cirúrgicas que concedem diplomas de cirurgião e cirurgião formado. Em 1832 são criadas faculdades de medicina no Império. (PIMENTA, T. S. “Curandeiro, parteira e sangrador: ofícios de cura no início do oitocentos na corte imperial”. Khronos, nº6, pp. 59 - 64. 2018.)

[3] Capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[4] Neste contexto, murmuração era como uma boataria sem comprovação, comentários entre a população, um disse me disse, falatório, intrigas sem confirmação.

[5] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[6] O termo “república” vem do latim res publica, que significa literalmente “coisa pública”, ou seja, o bem público, o que era comum a todos os cidadãos. Considerando-se a tipologia de Estado moderno, o termo República representa o oposto das concepções monárquicas de soberania: a primeira, embora compreenda uma grande variedade de formas de governo e organização de Estado, pauta-se pelo exercício do poder político baseado na escolha do povo e em especial, na não hereditariedade do exercício deste poder. Na monarquia, ao contrário, o soberano herda o direito de ocupar o mais alto cargo político em função da sua linhagem. No entanto, o termo República é bastante anterior às teorias de Estado modernas, sua origem reside na necessidade de os romanos definirem em termos apropriados uma nova realidade de organização do poder depois que a forma de exercício dos antigos reis encontrou seu fim. Expressava uma ideia semelhante à politeia grega, qual seja, o bem comum. Cícero e Políbio estão entre os primeiros a estruturar as discussões em torno da coisa pública em um conceito coerente, ressaltando a importância de leis comuns para que o bem comum fosse alcançado, contrapondo assim, a República aos estados (ou antes, as formas de associação política) “injustos” (ilegais, ilegítimos). Na Idade Moderna, o termo se tornou caro àqueles que buscavam derrubar as formas de organização política típicas do Antigo Regime. Enfatizando o caráter de legitimidade do governo (fosse ele monárquico, democrático, aristocrático), havia uma tendência à defesa de um estado de direito que preservasse o bem dos seus cidadãos, em contraposição ao despotismo de reis que só respeitava a sua própria vontade, por terem, recebido seu poder “diretamente de Deus”. Após as revoluções francesa e americana, no século XVIII, a definição de república passa por um sem número de discussões e reelaborações, em grande medida consequência das experiências práticas que se desenvolvem com o passar dos anos. Indissociável da ideia de república é a da constituição, na qual o direito deixa de ser expressão do poder real e se torna o espelho da nação organizada. Nesse sentido, e após a Revolução Francesa, o termo soberania deixará de designar a legitimidade dinástica, transferindo-se para a vontade popular (Cf. LAFER, C. O significado de República. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2. n. 4, 1989. http://bibliotecadigital. fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/2286/1425) A adoção de um governo republicano e a difusão dos princípios de liberdade, em um mundo no qual preponderavam governos absolutistas, passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os “abomináveis princípios franceses”. Ao lado da independência das treze colônias inglesas na América do Norte, que se libertaram do domínio metropolitano, tornando-se uma República,  inspirariam, sobremaneira, movimentos anticoloniais. De todo modo, a noção mais antiga e abrangente de República, segundo a qual o Estado deveria expressar a vontade do povo, associada à construção de um novo pacto social, continuou a influenciar alguns movimentos políticos. No contexto do Brasil colonial, o conceito de República explicitava uma defesa não de um sistema de governo com maior participação popular, nem sequer, necessariamente, de um governo independente da metrópole, mas sim, de um governo mais justo entre os súditos do Reino e Ultramar. Ainda assim, considera-se que a seu modo, movimentos como a conjuração mineira de 1789 e a Revolução de 1817 guardaram a inspiração republicana, norte-americana, sem dúvida, e no último caso, francesa.

[7] 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

[8] Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[9] País situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[10] A Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime,  se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[11] Provavelmente refere-se ao vinho que o intendente estaria supostamente tomando, podendo referir-se a um tipo de vinho bastante popular em Portugal, o vinho verde, ou seja, um vinho que não passa por processo de envelhecimento, ou pode estar se referindo ao vinho como produto “molhado” ou verde, portanto, perecível. Os produtos molhados por excelência eram o vinho, o azeite, a carne verde (ou seja, fresca e não salgada) e derivados do leite.

[12] Neste contexto é o mesmo que estalagem, uma pousada. Nota-se apenas que a casa de pouso poderia se referir a uma casa de moradia de particular que servia de pouso (repouso) a viajantes, ou a que estes recorressem caso não tivessem um lugar para pousar por uma noite, não sendo necessariamente um negócio.

[13] Presente em quase todos os exércitos do mundo, o posto de alferes designou originalmente aquele que levava o estandarte militar. Existiu no Brasil até 1905 e corresponde, atualmente, a patente de segundo-tenente ou subtenente. Na estrutura militar portuguesa transposta para a América e dividida em três forças, encontra-se sempre o alferes, oficial de baixa patente acima dos sargentos, ao qual pardos e mulatos aspiraram ser aceitos no período colonial. O posto se notabilizou na história brasileira graças à participação na Conjuração Mineira de Joaquim José da Silva Xavier conhecido como Tiradentes.

[14] Campo de Santana, Campo da Cidade, Jardim da Aclamação, Praça da República, foram diversos os nomes recebidos por essa região do Rio de Janeiro, próxima à atual estação Estrada de Ferro Central do Brasil, que delimita o centro da cidade a Oeste. Bem como foram diversos também os usos dados à região: no século XVII, parte do grande Mangal de São Diogo, como era conhecido o terreno alagado, fora dos limites da cidade, que iam até a antiga rua da Vala (atual Uruguaiana), era usado para despejo de lixo e dejetos dos habitantes; ao longo do XVIII conheceu os primeiros aterramentos, à medida que a cidade crescia naquela direção e ainda era um descampado, frequentado por livres e pobres, por escravos, e por irmandades religiosas. Foi usado como jardim de aclimatação de plantas exóticas à flora brasileira e como pasto de bois – as primeiras amoreiras introduzidas no Rio para a criação do bicho da seda foram plantadas no campo de Santana, e comidas pelos bois que lá pastavam. Foi no início do século XIX que o Campo ganhou ares de parque, principalmente depois da Aclamação de d. Pedro I, que lá aconteceu com mobiliário e arquitetura provisórios, desenhados por Jean-Baptiste Debret e construídos para a ocasião. Já com algumas igrejas no entorno, a região era palco da festa de Santana, da grande festa do Divino Espírito Santo, e dos santos, atraindo multidões até hoje no dia de São Jorge (23 de abril). Na década de 1870, d. Pedro II contratou o renomado paisagista francês Auguste Glaziou para reformular o Campo nos moldes de um jardim inglês – desenho que até hoje conserva – com a construção de cascatas, lagos, grutas e até pedras artificiais, inaugurado pelo imperador em 1880. Foi testemunha anos depois da Proclamação da República, já que o marechal Deodoro da Fonseca, aclamado primeiro presidente, residia no entorno e a parada militar que marcou o advento da República deu-se no Campo. Teve seu tamanho bastante reduzido com a construção da avenida Presidente Vargas nos anos 1940, quando passou por um curioso caso de destombamento, para poder ser diminuído e substituído pela grande nova via. Reinaugurado, em 1945 recebeu a estátua em homenagem a Benjamim Constant, celebrando a República, que até hoje se encontra no centro do parque, que é uma ilha de verde no centro da grande metrópole.

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