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Pedido de suspensão de degredo

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Quinta, 28 de Outubro de 2021, 21h17 | Última atualização em Quinta, 28 de Outubro de 2021, 21h17

Requerimento de d. Maria Vitória de Magalhães, por meio de procurador, pedindo à rainha a mercê de suspender o degredo que foi imposto a ela e sua família, de deixar Belém do Pará para viver na Vila de São José do Macapá, por “tirania, e despotismo” do governador do Estado do Grão-Pará, José de Nápoles Telo de Menezes e de seu sobrinho e segundo ajudante de ordens, Manuel Cabral Coutinho de Nápoles. A senhora afirma que havia recebido a menina Rosalina (“maior de doze anos”), que lhe foi entregue pelo pai, tenente de infantaria do Estado, ora falecido, para ser criada como sua própria filha, cuidando de sua educação, de suas virtudes e honra, como vinha fazendo até então. O sobrinho do governador desejava “corromper o honrado coração” da moça, seduzindo-a com passeios e promessas. Não conseguindo o que queria, resolveu, com outros dois cúmplices invadir a casa da suplicante em dia santo com o fim de “deflorar e corromper por força a donzela”. Ao acudirem aos gritos de socorro, salvou-se a “honra” da moça, mas em represália, sobrinho e tio haviam determinado o degredo de toda a família para Macapá, onde passavam apuros e prejuízos.

 

Conjunto documental: Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte, cartas e anexos.
Notação: códice 99, vol. 4
Datas-limite: 1783-1783
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: criminalidade
Local: Pará
Data do documento: [1783]
Folha(s): -

 

Ao pé do Real Trono da Vossa Majestade[1] prostra-se D. Maria Vitória de Magalhães degredada[2] com toda sua família da cidade de Belém do Pará[3] onde era moradora, para a Vila de São José do Macapá[4] na borda setentrional do Rio das Amazonas[5], pela tirania[6], e despotismo[7] de José de Nápoles Telo de Menezes[8], e de Manoel Cabral Coutinho de Nápoles, o primeiro governador daquele Estado, e o segundo ajudante de ordens, e seu sobrinho, implorando a oprimida suplicante em seu favor a Augusta piedade de Vossa Majestade no que passa a expor: havendo a suplicante criado na sua casa, e companhia desde a inocência uma menina por nome de D. Rosalina hoje maior de doze anos, entregue aos cuidados da suplicante por Lucas José Espinosa Falqman, que passou a servir a Vossa majestade no posto de tenente de Infantaria naquele Estado, onde faleceu reconhecido geralmente pai da dita menina, concebeu por ela a suplicante o amor que lhe devia inspirar além da educação, a boa índole, prendas, virtudes, e dotes naturais em que com a idade cresceu a dita menina, a quem como se fosse sua própria filha a suplicante tratou sempre com o recolhimento honestidade, e asseio que compele a uma donzela, e filha de um homem de qualidade, [...] o referido Manoel Cabral corromper o honrado coração da dita donzela, enamorando-a, e fazendo sucessivos passeios de dia e de noite, pela porta da suplicante com todas as estratagemas [sic], e [ilegível] que eram fáceis ao grande poder do sobrinho do respectivo governador, e ao jogo de suas notórias paixões; como porém as suas libidinosas tentativas achassem sempre resistência no constante espírito, e nobre peito da dita donzela; se resolveu o mesmo libidinoso pretendente na noite de quinta-feira de endoenças do ano passado, sem que ao menos o sagrado do dia fizesse respeito ao seu malvado coração a invadir violentamente escoltado de dois sócios familiares do governador seu tio, a casa da suplicante para deflorar e corromper[9] por força a referida donzela clamaram todos vozes de Vossas Majestade neste furioso assalto, queixando-se em natural defesa, e pedindo socorro a quem lhes acudisse, com o que ficou salva a honra da dita donzela, e fugiu o agressor; o tio dele, capitão general cúmplice, e protetor das suas desordens, para o desagravar desta, logo no sagrado dia seguinte, com notório escândalo do céu, e da sua Terra, degradou a dita donzela, e a suplicante com toda a sua família para a referida Vila de São José do Macapá, fazendo-os embarcar sem perda de um momento, para o dito exílio, onde proscritos da cidade, existem sofrendo os maiores incômodos, e prejuízos.

Para Vossa Majestade senhora, e mãe de seus vassalos a Graça de restituir a suplicante, e toda sua família à cidade desoprimindo-a de tão grande vexame; e castigando exemplarmente na pessoa do governador; e seu sobrinho atrocidades, e tiranias escandalosas a DEUS, ao mundo, e todas as leis.

E.R.M

Como procurador, Baltazar Gonçalves [Álvares]

 

[1] Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[2] Punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[3] A cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará foi fundada em 1616, a partir do Forte do Presépio – também chamado Forte do Santo Cristo – mandado construir por Francisco Caldeira de Castelo Branco, capitão-mor do Rio Grande do Norte. Após participar da reconquista do Maranhão aos franceses, este recebeu a incumbência de partir com uma pequena expedição para tomar a foz do rio Amazonas e aí estabelecer uma cidade, com a finalidade de ser, ao mesmo tempo, um posto militar para conter a entrada e avanço de estrangeiros (sobretudo holandeses, ingleses e franceses) nas possessões do norte, e cabeça dessa região. Belém foi criada para ser o ponto de partida para a ocupação e controle de fronteiras do território, para expedições militares e missões religiosas, viagens de conhecimento e exploração dos recursos naturais, além de servir de entreposto comercial para a saída das valiosas drogas do sertão. Até o século XVIII, era uma cidade acanhada em termos populacionais, de extensão e urbanização, embora, desde o XVII, ocupasse uma posição de centralidade na região Amazônica e disputasse com São Luís o título de capital do Estado do Maranhão e Grão-Pará, querela que persistiu até 1751 quando, depois de idas e vindas, separações e restaurações, o Estado passou a se chamar do Grão-Pará e Maranhão, com capital em Belém. A partir da governação pombalina, foram promovidas políticas de urbanização, saneamento e higiene, com obras e ações para melhorar as feições e a salubridade da capital, frequentemente assolada por epidemias, tais como: abertura de ruas, aterramento de pântanos, construção de pontes, praças, palácios, jardins, e canalização de rios, processos que se arrastaram de fins do setecentos por todo o século XIX. O governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do marquês de Pombal, à frente do Estado entre 1751 e 1777, não foi o mais prolífero no setor de melhorias urbanas, pois estava orientado a cumprir as diretrizes estratégicas e econômicas impostas pela metrópole. Após a assinatura do Tratado de Madri em 1750, tornava-se premente a demarcação imediata das fronteiras com a América espanhola. A Comissão demarcadora, chefiada por Furtado, partiu de Belém em 1755 com o objetivo de estabelecer definitivamente as fronteiras, mas também de conquistar o interior, auxiliando na defesa da capitania do Rio Negro, ocupando os territórios, pacificando índios, fundando vilas às margens dos rios, substituindo, enfim, o papel a influência dos religiosos, além procurar melhorar a administração do Estado e estreitar as trocas comerciais entre as capitanias subalternas. Belém afirmou-se como a cidade mais próspera e "civilizada" das colônias do norte e teve papel destacado como elo entre a natureza e a civilização, tendo sido onde primeiro se instalou um jardim botânico no Brasil (1796). Promoveu a conquista do interior, do sertão amazônico e seus habitantes, e a saída de seus preciosos e raros produtos, rumo ao restante da América portuguesa e à Europa.

[4] A ocupação da região mais ao Norte da colônia, que fica entre os rios Oiapoque e Amazonas, conhecida então como capitania do Cabo Norte iniciou-se na primeira metade do século XVII, mas ainda de forma escassa. A criação da capitania em 1637 visava a criar um povoamento na região que auxiliasse a Coroa a manter os estrangeiros, sobretudo ingleses, franceses e holandeses afastados do território. O povoamento mais efetivo só se deu a partir da anexação da região ao Estado do Grão-Pará, sob a administração de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que ordenou a criação da vila de Macapá em 1751. Em 1761 o núcleo principal da vila já existia, como a Igreja, as praças e alguns terrenos já demarcados, além do início das obras da Fortaleza de São José de Macapá. Diferentemente de outras cidades da região amazônica, Macapá não surgiu às margens de um forte já existente, que começou a ser construído em 1764 e só foi concluído em 1782. A vila foi projetada de forma a ser um modelo para o planejamento da ocupação portuguesa, inclusive com a vinda prevista de colonos das ilhas dos Açores para povoá-la, trabalhar na agricultura e na pecuária, visando trazer a “civilização branca” para o interior da região Norte. Curiosamente foi para a construção da vila que houve a introdução dos primeiros escravos africanos negros na região. A vila de Macapá só foi elevada à categoria de cidade em 1856.

[5] Um dos rios mais longos e o mais volumoso do mundo, o Amazonas era conhecido no século XVI como Mar Doce e o Grande Rio. Centro da maior bacia hidrográfica do mundo com mais de 25 afluentes, o Amazonas nasce no Peru e deságua no Oceano Atlântico, na foz do Pará. O nome das Amazonas veio da expedição de Francisco de Orellana, que realizou a primeira viagem de navegação completa do rio entre os anos 1541 e 1542, e foi atacado por uma tribo de nativos. Segundo a narrativa de Orellana ao rei de Espanha Carlos I a tribo que o atacou era liderada por mulheres guerreiras, que o fez relacionar com a mitológica tribo das Amazonas. A notícia da descoberta de um rio daquela extensão navegável provocou repercussão na Europa e em pouco tempo holandeses e ingleses começavam a instalar suas primeiras feitorias e colônias nas margens para facilitar o escoamento de alguns produtos nativos, como peixe-boi salgado e as drogas do sertão. Portugal, que ainda não havia dado importância devida àquelas terras resolveu ocupá-las para evitar as invasões estrangeiras, construindo fortificações e instalando as primeiras vilas e cidades. O português Pedro Teixeira participou de uma primeira expedição pelo rio em 1615 que resultou na fundação da cidade de Belém por Francisco Caldeira de Castelo Branco em 1616, como uma das primeiras ações para o povoamento da região promovido pelo vice-rei Gaspar de Souza. Participou de outras incursões que combateram e expulsaram os holandeses da bacia amazônica e em 1636 (até 1638) realizou a primeira expedição portuguesa que subiu todo o rio Amazonas, partindo de Belém até Quito, no Equador. As tribos indígenas no Norte viviam em torno do rio e de seus afluentes e as cidades portuguesas começaram a ser fundadas também na bacia, aproveitando sua extensão e navegabilidade. O rio foi fundamental na expansão portuguesa no sentido oeste de Belém, ocupando suas margens com vilas, cidades e portos, e o utilizando como via para o escoamento da produção de drogas do sertão.

[6] O conceito de tirania nasceu na Grécia, designando, sobretudo, o poder exercido sem legitimidade. Para o filósofo Platão (427 A.E.C. - 347 A.E.C.), seria o governo de um só, o tirano, que reina ou governa não segundo a vontade dos cidadãos, mas apoiado apenas em seu próprio arbítrio. Já Aristóteles (384 A.E.C.-322 A.E.C.), definiu a tirania como uma forma impura e corrompida da monarquia, onde o tirano governa para os que estão no poder e não para o povo (Melillo Moreira de Melo. Tipologia clássica dos sistemas políticos. Revista de Ciência Política. FGV, 1979). No período moderno, o tirano é entendido como uma figura despótica, que usurpa o poder e o exerce de forma absoluta. Segundo Rafael Bluteau, em seu Diccionario da língua portuguesa, tirano seria o “príncipe que é único e despótico; o que usurpou o governo (...). O que governa mal, contra as leis, privando arbitrariamente os seus vassalos dos bens, da liberdade civil, das vidas e honras” (Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789).

[7] O filósofo iluminista francês Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu (1689-1755), definiu despotismo como um regime político onde o poder está concentrado nas mãos de um soberano, não havendo nem leis ou normas a serem seguidas, que governava de acordo com sua vontade e seus interesses. Com origem na expressão grega despote – chefe da casa – o despotismo transformaria o governo político num governo doméstico, onde tudo é arbitrário, todas as formas de liberdade são banidas e a autoridade do rei está fundamentada, sobretudo, na violência e dominação. Já o despotismo legal – conceito desenvolvido pelo fisiocrata Mercier de la Rivière – se opunha ao despotismo arbitrário. Defendia uma “monarquia funcional”, identificada com a proteção da propriedade e da liberdade econômica, sem, no entanto, grande liberdade política. O déspota legal teria no “bem governar” o seu maior interesse, com base nas evidências das leis e não em suas vontades. Associado ao conceito de déspota legal estaria o de despotismo esclarecido – expressão cunhada no século XIX para designar uma forma de governo característico da Europa da segunda metade do século XVIII, em que Estados absolutistas, seus monarcas e ministros tentaram pôr em prática alguns princípios dos ideais da Ilustração, sem, entretanto, abrirem mão da centralização do poder. Os casos paradigmáticos são os de Frederico II da Prússia, entre 1740 e 1786, apoiado por Voltaire; Catarina II, da Rússia, que se relacionou com Diderot; Carlos III da Espanha, com o conde de Aranda no governo, e de d. José I com o marquês de Pombal.

[8] Nasceu na cidade de Viseu, província da Beira, filho legítimo de Luís Xavier de Nápoles e Meneses e de D. Francisca Xavier de Nápoles e Lemos de Macedo. Por alvará de 15 de março de 1757 recebeu o foro de fidalgo da Casa Real. Ingressou na carreira militar em uma companhia do regimento de Cavalaria da praça de Almeida. Em 1761, ocupava o posto de cadete, assim como seu irmão, Bernardo de Nápoles Telo de Meneses. Quinze anos mais tarde, em remuneração a seus serviços, recebeu a mercê do hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo, tendo sido habilitado em 10 de julho de 1776, após as diligências dos comissários da Mesa da Consciência e Ordens confirmarem seus atributos de nobreza e os bons procedimentos, bem como os de seus pais e avós, reputados como pessoas da principal nobreza da Beira. Discípulo do marquês de Pombal (já desterrado), segundo João Pereira Caldas, seu antecessor, Telo de Meneses foi nomeado governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Rio Negro por carta patente de 19 de agosto de 1779. Era tenente de cavalaria em Almeida e em acréscimo de sua indicação foi elevado ao posto de capitão. Desembarcou em Belém em 26 de fevereiro do ano seguinte e tomou posse do governo do Estado do Grão-Pará no dia 4 de março. Sua administração foi marcada, entre outras realizações, pela promoção de atividades econômicas como a cultura do arroz e pelos esforços para secundar os trabalhos de demarcação das fronteiras amazônicas, estabelecidas pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777). Por outro lado, querelas com o ouvidor-geral e o juiz de fora do Grão-Pará levaram José de Nápoles Telo de Meneses a cair em desgraça e a se afastar do real serviço depois de 1783, quando encerrou seu governo. Faleceu em Lisboa, solteiro e sem filhos. A herança e a satisfação de seus serviços recaíram na pessoa de um de seus sobrinhos, Luís Augusto de Nápoles Bourbon e Meneses.

[9] Até ao menos a metade do século XX, a virgindade das mulheres tinha um valor especial na sociedade, sendo elemento indicativo de honra, da mulher e de sua família, sobretudo das ricas famílias patriarcais, e de certa forma, moeda de troca para a realização de bons casamentos entre iguais. Em uma sociedade na qual o poder pátrio determinava o destino das filhas que, depois de casadas, passavam para a “posse” do marido, as fronteiras entre o que era consentido e o excesso de violência também eram precárias. Havia uma diferenciação não explícita entre estupro e defloramento, no qual o primeiro envolvia formas de coação violenta e no segundo mais uma persuasão, fosse por sentimentos ou promessas. Na prática, os casos de defloramento muitas vezes envolviam agressão física contra a mulher e o seu não-consentimento no ato sexual. Os crimes de sedução e desonra já estavam previstos desde as Ordenações Afonsinas (1446-1448), mas foram consideravelmente aprimorados nas Ordenações Manuelinas (1512-1603) e Filipinas (1595), que estabeleciam punições mais duras e tratavam menos as mulheres como culpadas ou aliciadoras dos agressores. Não custa reforçar que as leis eram aplicadas entre iguais. Homens de posições sociais e cor diferentes não teriam as mesmas punições, os fidalgos, quase sempre, eram punidos com degredo, prisão e indenizações, já aos comuns, à plebe, ficavam reservadas as penas mais graves que incluíam a de morte. Uma questão frequentemente mencionada para os crimes de defloramento trata sobre o casamento do agressor com as ofendidas, “solução” para o crime que acabava com a ofensa e suspendia automaticamente as penas, o que não era sempre o caso, ao menos entre as famílias da boa sociedade colonial. Tanto os pais quanto as próprias mulheres deveriam concordar com o casamento, o que frequentemente ocorria, caso o candidato a noivo fosse homem de nascimento e posses inferiores às da possível noiva. Quando havia o casamento, era preciso que o pai concordasse com a suspensão da pena, o que poderia não acontecer. Nos casos de não haver casamento, ficava o agressor, além de sujeito às punições já mencionadas, obrigado a custear o casamento da mulher agredida e pagar uma espécie de indenização pela perda da virgindade, o que se chamava “demandar a virgindade”. A família agredida precisaria solicitar tal indenização, que teria o efeito de eliminar a mancha da honra da família e tornar a moça novamente “de qualidade” para um bom casamento. No Brasil, o crime de sedução e defloramento passou a ser tratado como estupro somente no Código Criminal de 1890 e no Civil de 1916, embora as punições continuassem a existir também no Código Criminal de 1830.

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