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Sala de Aula

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Quinta, 05 de Janeiro de 2023, 14h36 | Última atualização em Quinta, 05 de Janeiro de 2023, 14h42

Classes censitárias da capitania da Bahia

Cópia da correspondência de Martinho de Mello e Castro, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, a Manoel da Cunha e Menezes, governador da Bahia, sobre a solicitação da Coroa de que fosse encaminhada anualmente à Secretaria de Estado uma relação do número de habitantes daquela capitania, dividida em dez classes que haviam sido especificadas anteriormente. 

Conjunto documental: Mapas de população de províncias
Notação: Caixa 761
Datas-limite: 1776 – 1864
Título do fundo: Vice-reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: População, censos
Data do documento: 21 de maio de 1776
Local: Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, Lisboa
Folha (s): fl.1-2

Leia o documento na íntegra

Sua Majestade tem incumbido aos governadores e capitães generais dos seus domínios ultramarinos[1] de lhe mandarem todos os anos uma relação do número de habitantes compreendidos nos distritos dos seus diferentes governos, servindo-se para este efeito do benefício dos párocos[2] e mandando-os auxiliar pelos seus ministros de Justiça que é o meio de se poderem conseguir estas relações com maior prontidão e facilidade. E como a cooperação de V.Excia. também a de contribuir muito ao dito fim. É o mesmo senhor servido que vendo V.Excia. a cópia inclusa que se remete a cada um dos sobreditos governadores do método com que se devem formar as referidas relações até todas as providências e aplique todos os meios que lhe parecerem mais próprios de acordo com o governador e capitão general[3] dessa capitania[4], para que elas se façam com a devida clareza e exatidão com que devem chegar à real presença de El Rei N. Sr.

Deus guarde a V.Excia. Palácio de N. Sra. Da Ajuda em 21 de maio de 1776. Martinho de Mello e Castro. Sr. Arcebispo da Bahia

 

A relação que Sua Majestade manda formar do número dos habitantes dessa capitania se deve dividir nas classes seguintes:

Primeira classe: todas as crianças do sexo masculino até a idade de sete anos

Segunda classe: todos os rapazes desde a idade de sete anos até a idade de quinze anos

Terceira classe: todos os homens desde a idade de quinze anos até a idade de sessenta

Quarta classe: todos os velhos desde a idade de sessenta anos para cima com especificação particular de todos os que passarem de noventa anos

Quinta classe: todas as crianças do sexo feminino até a idade de sete anos completos

Sexta classe: todas as raparigas desde a idade de sete anos até a idade de quatorze

Sétima classe: todas as mulheres desde a idade de quatorze anos até a idade de quarenta

Oitava classe: todas as adultas e as velhas desde a idade de quarenta anos para cima, com especificação particular de todas as que passarem de noventa

Nona classe: todos os nascimentos acontecidos no ano em que se tirar esta relação

Décima classe: todas as mortes acontecidas no mesmo ano.

Acrescentando ao que participei a V.Sª. de ordem de Sua Majestade, para que anualmente remetesse a esta Secretaria de Estado[5] uma relação do número dos habitantes dessa capitania, dividida nas dez classes insinuadas na mesma ordem, devo novamente dizer-lhe que para que a mesma relação se faça com a possível exatidão foi o mesmo Sr. servido incumbir também essa diligência ao bispo dessa capitania, para que de acordo com a V. Sª. Igualmente incumbirá também a mesma diligência aos ministros de Justiça, para que todos concorram para mais exatamente se observarem as reais ordens, sobre um ponto de tanta importância como é o de saber Sua Majestade o número de vassalos[6] que habitam nos seus domínios.

Deus guarde a V. Sª. Palácio de N. Srª da Ajuda em 21 de maio de 1776. Martinho de Mello e Castro. Senhor Manoel da Cunha e Menezes

 

[1] ULTRAMAR: termo também utilizado para se referir aos domínios ultramarinos, designava as possessões de além-mar, as terras conquistadas e colonizadas no período da expansão marítima e comercial europeia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América.

[2] PÁROCO: Membro do clero secular responsável por uma paróquia ou freguesia. O pároco, ou cura de almas, estabelecia contato mais direto com a população atuando como agente da Igreja no controle social, moral e religioso de seus fiéis, uma vez que, sob sua jurisdição, estavam as menores unidades espaciais eclesiásticas, as freguesias. Desempenhavam, além das funções religiosas como promover os cultos, pregações e sacramentos, outras relacionadas à regulação da convivência comunitária. Entre suas atribuições constava a elaboração de “róis de confessados”, chamados Liber Status animarum, lista dos fregueses maiores de sete anos que havia ou não cumprido o sacramento da confissão, obrigatório no período da quaresma. A partir destes róis, os párocos preenchiam censos anuais com informações acerca dos habitantes da freguesia.

[3] CAPITÃO GENERAL: era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.

[4] CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

[5] SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: Em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[6] VASSALO: Súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

 

Mapas estatísticos das vilas de São Salvador e São João da Barra

Relação das vilas e aldeias que há nos distritos de Vila de São Salvador e Vila de São João da Barra.

Conjunto documental: Mapas estatísticos de autoria de Inácio de Andrada Souto Maior Rendon, Manuel Antunes Ferreira, Alexandre Duarte Azevedo, Fernando Dias Paes Leme, dos engenhos de açúcar, engenhos de aguardente, igrejas, escravos, freguesias, portos, dos distritos da capitania do Rio de Janeiro, entre eles Cabo Frio e Campos dos Goytacazes, enviados ao Marquês de Lavradio pelos mestres de campos responsáveis pelos distritos
Notação: BR_RJANRIO RD 0 RSN 0058
Datas-limite: 1769 [1758-1791]
Título do fundo: Marquês do Lavradio
Código do fundo: RD
Argumento de pesquisa: população, censos
Data:8 de dezembro de 1816
Local: [Rio de Janeiro]
Folha(s): 8 e 8v

 

Veja este documento na íntegra

 

Relação das Vilas e Aldeias que há no distrito

A vila de S. Salvador que fica à margem do rio Paraíba da parte do sul.

A vila de S. João da Barra à margem do mesmo rio pela mesma parte.

A aldeia de Santo Antonio de Guarulhos, que é freguesia e dista meia légua da vila de S. Salvador, à margem do mesmo rio da parte do norte, a qual suposto seja de índios[1], com tudo só tem oriundo dela três e seis entre machos e fêmeas adventícios[2] agregados à mesma, como consta da informação do vigário[3] e toda a mais gente da dita freguesia[4] é de brancos e libertos porque os maios índios todos têm morrido.

A aldeia do capitão Felipe, que se acha no Rio de Janeiro, chamada da Gamboa, de nação Coroado[5], situada à margem do rio Paraíba da parte do sul, em terras que se supõem serem das que Sua Majestade tem na mesma paragem, que se acham por medir e de marcar em distância de sete ou oito léguas da vila, em que se diz tem sete ou oito casais, e mais alguns solteiros de menor, e velhos que são batizados, domésticos e dados com os brancos, além de outros muitos que andam dispersos pelo mesmo sertão[6], divididos em famílias particulares.

Para cima da dita aldeia pela margem do dito rio até Minas dizem que há mais de 60 aldeias do mesmo Coroado, que se compõem cada uma de uma casa grande com poucos casais as mais delas e que algumas têm até meia dúzia de casas, e que todos se comunicam uns com os outros.

Para cima das cachoeiras do rio Muri se há outra qualidade de gentio[7] bravo, a que chamam Puris[8], que dizem anda sempre dispersa pelos matos em guerra com o Coroado que fica entre um e outro rio, de que tem morto muitos, e que não tem aldeia certa.

A aldeia do sertão do rio Macaé da parte do norte, que é freguesia do gentio chamados Guarulhos, um dia de viagem da povoação de Macaé, e tem aldeados entre solteiros e casados 20 ou 25, além de muitos que andam dispersos pelo sertão.

Na foz do rio Macaé acha-se um princípio de povoação[9] com esperança de se fazer

 

[1] ÍNDIOS: europeus, ao chegarem à América, deram a seus habitantes a denominação de índios por pensarem estar pisando terras das Índias. Mesmo depois que suas explorações os levaram a perceber seu engano, os habitantes do Novo Mundo continuaram a ser chamados de índios, imputando o termo às mais diversas populações que habitavam o território, numa clara perspectiva etnocêntrica. Índios eram os não-europeus. A categoria índio abrange populações muito diferentes entre si, quer seja do ponto de vista físico, linguístico ou dos costumes. Contudo, esse termo genérico é amplamente encontrado na legislação e em documentos da coroa portuguesa. Em algumas situações, o termo pode vir associado a qualificações como índios bravos/hostis ou índios mansos. Em outras ocasiões, faz-se uma diferenciação entre os índios tupi, que majoritariamente habitavam a costa brasileira, e tapuias, aqueles não tupi. Todavia, o termo encerra uma natureza homogeneizadora, não raro eivado de preconceitos, que visa omitir o caráter pluriétnico de uma população que girava em torno de cinco milhões em 1500 e que, um século depois se reduziria a quatro milhões pelas epidemias das populações do litoral atlântico, que sofreram o primeiro impacto da civilização. A depopulação prossegue, entre 1600 e 1700, não só pelas doenças, mas pelo trabalho escravo e pelas guerras, reduzindo a população indígena para cerca de dois milhões. Ao final de período colonial, estima-se que essa população estivesse reduzida a um milhão.

[2] ADVENTÍCIO: termo adventício refere-se a algo ou alguém que veio “de fora”, estrangeiro, forasteiro. Os povos de origem latina são adventícios na América, porque não era a raça latina que ocupava o continente quando da sua conquista. Assim, adventício diz respeito a indivíduo ou etnia vinda de outro local, de outra região, e que se fixa no lugar onde se encontra. Os machos e fêmeas adventícios são homens e mulheres que vieram de outra localidade para se instalarem em um novo território ou aldeia.

[3] VIGÁRIO: na hierarquia da Igreja Católica, compete ao bispo diocesano governar a Igreja que lhe foi confiada, com poder legislativo, executivo e judicial. O próprio bispo exerce o poder legislativo e o poder executivo, mas pode dividi-los com os vigários gerais ou episcopais, da mesma forma que o poder judicial pode ser compartilhado com um vigário judicial e juízes. Nas paróquias, os vigários – que também são nomeados pelo bispo – atuam junto aos párocos e ambos precisam estar em comunhão com toda Igreja. O vigário paroquial não trabalha como um subalterno, mas possui todas as responsabilidades para com a evangelização, zelando pela vida pastoral. A área da sua competência pode ser restringida ou ampliada a várias paróquias.

[4] FREGUESIA: em Portugal, as divisões administrativas das províncias estavam organizadas de acordo com a seguinte escala: cidades, vilas, freguesias e aldeias. Cada freguesia possuía uma situação jurídica própria, podendo ser de primeira, segunda ou terceira ordem. A freguesia de primeira ordem agrupava mais de 5.000 pessoas. As de segunda ordem, entre 800 e 5.000, e as de terceira ordem, menos de 800 pessoas. Em cada freguesia havia um regedor que era o representante da autoridade municipal e diretamente dependente do presidente da câmara municipal. O termo paróquia era utilizado como sinônimo de freguesia, na esfera eclesiástica, portanto fregueses, neste caso, são os membros de uma paróquia.

[5] COROADO: designação genérica, atribuída aos povos indígenas não Tupi, da família linguística macro-jê, que habitavam desde o Mato Grosso até o oeste de Santa Catarina, passando por São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Esse nome lhes foi conferido por cortarem os cabelos no meio da cabeça, à maneira dos frades capuchinhos, conservando não mais do que uma calota de cabelos. Tidos pelos agentes do governo colonial como desumanos e intratáveis, os Coroados são descritos pelo botânico francês Auguste Saint-Hilaire (Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: EDUSP, 1975. p. 30), que percorreu a região leste do Brasil na primeira metade do século XIX, como pertencendo “à tribo mais disforme da natureza encontrada durante a minha permanência no Brasil. Aos traços da raça americana, tão diferente da nossa, acresciam uma fealdade peculiar a sua nação: eram de estatura pequena; na sua cabeça, achatada em cima e de um tamanho enorme, mergulhava em largas espáduas; uma nudez quase completa deixava a descoberto sua repelente sujeira; longos cabelos negros caiam em desordem sobre os ombros; a pele de um escuro baço estava salpicada aqui e ali pelo urucu; percebia-se através de sua fisionomia algo de ignóbil, que não observei entre outros índios, e enfim, uma espécie de embaraço estúpido traía a ideia que eles próprios tinham de sua inferioridade. Esse conjunto verdadeiramente horrendo me impressionou muito mais do que esperava, e fez nascer em mim um sentimento de piedade e humilhação”.

[6] SERTÃO: categoria que povoa há muito a historiografia brasileira, desde os primeiros cronistas e viajantes dos séculos XVI ao XIX, até historiadores dos séculos XIX e XX, que o elegeram como objeto de estudo, entre eles Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. É um conceito chave na construção do imaginário regional, na relação de alteridade com o litoral – na qual um define ao outro – e na construção do conceito de nação. Há uma extensa discussão filológica acerca da origem da palavra sertão, e de qual termo latino ela deriva. De deserto ou de certão, em ambas acepções, a ideia que encerra é sempre do interior, local vazio, despovoado, selvagem, distante do litoral, região de fronteira, mas não necessariamente seca, como atualmente se usa para referir à região do semiárido nordestino. No Brasil, é preciso reforçar, não houve um só sertão, mas vários. Desde o início da colonização, o termo aparece no vocabulário daqueles que descreviam as novas terras desbravadas. Ora usado para o interior da capitania de São Vicente, ora para referir às minas gerais, ou para o centro-oeste, em Mato Grosso ou Goiás, era também o interior do Nordeste e as regiões quase inatingíveis da Amazônia. Durante o povoamento, o sertão estava sempre nas franjas das frentes que avançavam em direção ao oeste, se opondo ao litoral. Se a faixa litorânea, mais povoada, representava o ideal de “civilização” – as cidades, o local da administração colonial e do exercício do poder –, por oposição o sertão se definiria como a terra sem lei, inculta, das guerras contra o gentio selvagem, do vazio populacional. No entanto, para aqueles que não encontravam um lugar no mundo da ordem, o sertão também representou a terra promissora, das riquezas ainda inexploradas, da liberdade para escravos e condenados que para lá fugiam, da mestiçagem entre as “raças”, do encontro entre as culturas e línguas. Apesar de em princípio se situar fora da ordem colonial, o sertão estava sempre sendo conquistado, ocupado, em vias de se civilizar, e avançava: a expansão para dentro da colônia era constante e estava diretamente atrelada às atividades econômicas. A produção açucareira interiorizou os engenhos no Nordeste, a mineração promoveu a penetração desde as Minas Gerais até Goiás, os bandeirantes [bandeiras] também foram responsáveis pelo avanço mais ao Sul, desbravando terras e capturando índios, e a pecuária foi um instrumento importante na conquista dos territórios do interior, o gado e as tropas avançando junto com o povoamento. Nas províncias do Norte, a coleta das drogas “do sertão” foi fundamental para a abertura de novos caminhos e a ocupação de regiões distantes e de difícil acesso na mata. Para além de meramente espacial, o sertão é uma categoria cultural que influi até hoje na construção das identidades regionais Brasil afora, na música, na literatura e nas demais manifestações artísticas, seja no interior como no litoral.

[7] GENTIO: a designação foi empregada, ao longo da história da conquista da colônia, para se referir ao índio não cristão, àquele que não havido sido integrado na órbita colonial luso-brasileira. Gentio é um termo usualmente relacionado a “bárbaros”, “selvagens”, “bravos”, “gentio”, ou ainda “tapuia” sem muita distinção, contribuindo para a construção de um recurso jurídico visando a decretação de guerra justa, escravização dos índios e liberação de terras para os colonos. Em carta a Mem de Sá, em 1558, o rei recomenda que os colonos apoiem os jesuítas na tarefa mais importante da política real do Brasil, quer dizer, na conversão dos pagãos “porque o principal e primeiro intento que tenho em todas as partes da minha conquista é o aumento e conservação da nossa santa fé e conversão dos gentios delas”. Em Apontamento de coisas do Brasil (1558), Nóbrega se refere ao gentio como “de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e reparti-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo.” (Ribeiro, D. e Moreira Neto, C.A. A fundação do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1992: 121)

[8] PURIS: grupo indígena do tronco linguístico Macro-Jê, viviam no sudeste da América portuguesa, nos atuais estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, no território banhado pelas bacias dos rios Paraíba do Sul, Grande e Doce. Com população estimada em oito mil pessoas nos anos iniciais de colonização, os relatos sobre os Puris são devidos aos cronistas europeus, que, com frequência, identificavam-nos como bravos, selvagens, guerreiros, indomáveis. É atribuído ao corsário inglês Anthony Knivet o primeiro registro sobre os Puris, quando em expedição pelo vale do rio Paraíba entre os anos de 1596 e 1597. Sucederam-se as notícias de Wilhelm Ludwig von Eschwege e Maximiliano Alexandre Philipp Wied-Neuwied, que os descrevem como de baixa estatura, “robustos, largos, achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito, rosto largo, testa estreita, nariz curto, olhos pequenos, boca pequena e dentes claros”, nas palavras dos naturalistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Martius. Além de embates com grupos que habitavam a região, como os Botocudos, os Puris foram alvo de um forte processo de catequização, notadamente em função da mineração, que provocou um extermínio efetuado por expedições desbravadoras. Tidos como extintos, foram identificados, pelo censo do IBGE de 2010, 675 Puris, com maior concentração em Minas Gerais, que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes.

[9] POVOAÇÃO: o início da colonização portuguesa nas Américas, o povoamento não foi visto como um problema, uma vez que o projeto colonizador se voltava para a exploração dos recursos naturais. No entanto, não tardaria que a política de povoamento adotada por Portugal fosse alterada. A preocupação constante com a defesa do território contra invasões estrangeiras e a crescente mestiçagem entre os colonizadores e as naturais da terra impuseram a necessidade da vinda de mulheres brancas, numa tentativa de ocupar demograficamente a colônia. Órfãs, prostitutas, não importava tanto a origem e classe social, a emigração feminina passa a ser estimulada. A opção pela vida religiosa, fosse na metrópole ou na própria colônia, representava uma ameaça às novas necessidades da coroa lusa. Já em 1603, o rei de Portugal manifesta-se em carta régia contra a fundação de um convento feminino no Brasil, alegando ser um obstáculo ao necessário povoamento da colônia. Além de portugueses que vieram para o Brasil colônia, deve-se mencionar a migração açoriana no século XVII em direção ao Pará e Maranhão e no século XVIII para o sul do Brasil, principalmente Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro, a vinda de franceses e holandeses, relacionada sobretudo às ocupações de ambos os países em território brasileiro, e a entrada de suíços, alemães e chineses durante o reinado de d. João VI. É importante destacar, também, o papel da migração forçada de africanos como escravos para a América portuguesa, durante os séculos de colonização, estimada em cerca de 5 milhões de africanos.

Freguesia de Inhomerim

Carta de Domingos Francisco Ramos Fialho ao desembargador ouvidor da comarca, Manoel Pedro Gomes, justificando a demora no envio da contagem de fogos e habitantes contidos no território da Serra de Boa Vista, freguesia de Inhomerim.

Conjunto documental: Estatística de cidades, vilas, escolas, boticas, eleitores, batismos, casamentos, óbitos, população, etc. de várias províncias
Notação: códice 808, vol. 02
Datas-limite: 1790 – 1849
Título do fundo: Diversos códices – SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: População, censos
Data do documento: 8 de dezembro de 1816
Local: Freguesia de Inhomerim, Rio de Janeiro
Folha (s): 54

Veja esse documento na íntegra

 

Ilmo. Sr.

Freguesia de Inhomerim em Serra acima

Não me foi possível satisfazer com mais brevidade a recomendação que V. Sa. designou fazer-me na sua carta de 26 de outubro precedente, relativa à averiguação do número de fogos[1], habitantes que contém o território da serra da Boa Vista, pelo que pertence a freguesia[2] de Inhomerim, por depender esta fastidiosíssima diligência dos oficiais das companhias que se acham ali estabelecidas, os quais na ocasião se empregavam no recrutamento e foi este também o motivo de retardar a remessa que me fizeram das competentes relações que se exigiu a execução que requeria o mapa junto que remeto. Queira V.Sa. por sua bondade disfarçar a demora que houve atendendo a larga extensão daquele território que indispensavelmente permitiria a dita diligência retardado tempo em concluir-se.

Persuado-me que com toda a execução foi executada, porque no ano de 1810 todo aquele território continha 2.412 pessoas, mostrando agora o aumento de 891 pelo povo que tem concorrido a estabelecer-se por aqueles lugares.

Lisonjeio-me muito de ter ocasião de prestar-me em tudo quanto V.Sa. for servido querer utilizar-se da minha obediência permitindo-me a honra dos seus mandados.

Deus guarde a V.Sa. Quartel de Inhomerim, 8 de dezembro de 1816

Ilmo. Sr. Desembargador Ouvidor da Comarca

Manoel Pedro Gomes

Domingos Francisco Ramos Fialho

 

 

[1] FOGOS: Termo normalmente utilizado em registros censitários para designar a unidade domiciliar. No período colonial, os censos realizavam-se com base em listas nominativas feitas vila a vila. As listagens organizavam os “fogos”, isto é, os domicílios. Cada registro de fogo incluía todas as pessoas que habitavam aquele domicílio, começando pelo chefe de família e seu cônjuge, seguido dos filhos homens, das filhas, dos expostos e dos enjeitados (em alguns casos, sobrinhos e netos), agregados (pessoas livres, parentes ou não) e escravos, se houvesse. Os escravos eram apenas contados, seus nomes não eram incluídos. O chefe da família era, geralmente, o homem mais velho. Em certas ocasiões, os fogos podiam ser chefiados por mulheres, no caso de maridos ausentes, falecidos ou inexistentes. A formação de novas famílias pelo casamento e a chegada de casais na capitania correspondiam à constituição de novos “fogos”. Em outras palavras, o número de “fogos” seguia de perto o crescimento por casamento e por imigração, das famílias “livres”.

[2] FREGUESIA: Em Portugal, as divisões administrativas das províncias estavam organizadas de acordo com a seguinte escala: cidades, vilas, freguesias e aldeias. Cada freguesia possuía uma situação jurídica própria, podendo ser de primeira, segunda ou terceira ordem. A freguesia de primeira ordem agrupava mais de 5.000 pessoas. As de segunda ordem, entre 800 e 5.000, e as de terceira ordem, menos de 800 pessoas. Em cada freguesia havia um regedor que era o representante da autoridade municipal e diretamente dependente do presidente da câmara municipal. O termo paróquia era utilizado como sinônimo de freguesia, na esfera eclesiástica, portanto fregueses, neste caso, são os membros de uma paróquia.

Vila de Guaratinguetá

Correspondência do vigário Lourenço da Costa Moreira, em que solicita que seja erguida uma nova matriz da paróquia de Nossa Senhora da Soledade, pois, segundo o religioso, a maior parte da população se encontrava distante e sem auxílio espiritual dada a distância de onde se localizava a atual matriz. 

Conjunto documental: Mesa da Consciência e Ordens
Notação: caixa 286, pct. 03
Datas-limite: 1803 – 1828
Título do fundo: Mesa da Consciência e Ordens
Código do fundo: 4J
Argumento de pesquisa: População, censos
Data do documento: 28 de setembro de 1822 Local: Vila de Guaratinguetá, SP
Folha:-
 
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Em observância do que me foi determinado pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, e me foi intimado pelo juiz de fora da vila da Campanha da Princesa[1], sobre um requerimento, que dirigiu a SAR o capitão Custodio Manuel Rodrigues, e outros moradores desta freguesia de Itajubá, passo a responder imparcial sobre o objeto de que tratam em a sua representação.

Na era de setecentos e sessenta e dois em que foi ereta essa freguesia pelo Exmo. Bispo que então existia d. Frei Antonio da Madre de Deus, e o lugar da mesma foi em distância hoje da matriz légua e meia para a parte da serra denominada o Arraial Velho, e passados alguns anos os fregueses[2] vieram povoar este lugar porque nele achavam melhor conveniência em lavras[3] de ouro, aqui se estabeleceram dita freguesia de Itajubá, em tempo, que os habitantes não se ocupavam senão em procurar ouro pelos córregos. Os sertões[4] circunvizinhos se achavam despovoados, e sem cultura alguma, e pelo decurso dos anos entravam os moradores a estenderem-se, estabelecendo-se com lavouras e criações deixando-se inteiramente do uso mineral e de tal sorte se tem povoado, que existindo esta freguesia há 30 anos com 700 pessoas, hoje se acha com mais de 3 mil. A parte mais povoada é aquela que compreende o Sapucaí, de sorte que os casais mais bem estabelecidos e de maior aplicação à agricultura[5] se acham naquele terreno, existindo da parte da freguesia muito poucos moradores a proporção do povo que se acha no dito sertão, e porque estes pela distância da sua matriz se achavam privados do pasto espiritual[6] sendo a maior porção dos fregueses desta paróquia e de distância de sete a nove léguas e já no tempo de meu antecessor recorreram a S. Excia. Reverendíssima de quem obtiveram despacho para mudança da sua igreja e o reverendo visitador nesse tempo com o reverendo pároco e mais povo foram ao lugar que designaram mais próprio no centro dos fregueses para aí levantarem a nova matriz, e isto a requerimento da maior parte dos fregueses que constituem a paróquia de Itajubá. Entrando eu no ministério paroquial, e conhecendo a justiça daqueles fregueses tão distantes, não fiz mais do que convir com os seus votos aprovando o recorrerem a S. Excia. Reverendíssima e concordando com os seus desejos, em no lugar já designado deram princípio à nova matriz, e continuam a conclui-la com grande fervor.

É verdade que estabelecida a freguesia no mencionado lugar designado, fica ela no centro dos fregueses, e com facilidade para poder-se-lhe administrar o pasto espiritual, por quanto para todos os bairros povoados se pode passar sem trânsito de serra, o que é impraticável neste lugar donde existe presentemente a freguesia, porque para qualquer parte se encontram serras, e caminhos muito agrestes. Parece racionável que existindo a maior parte dos fregueses por não dizer quase [...].

Os fregueses todos na circunvizinhança da nova igreja que pretendem, fiquem estes privados do seu cômodo por condescender com a insignificante porção de fregueses que moram perto desta matriz antiga ainda quando o mesmo capitão Custódio e outro capitão desta freguesia tem as companhias de seu comando juntas a nova igreja, donde necessariamente devem frequentar para satisfação dos deveres da sua comandança. O exposto é verdade e eu não propendo por interesse algum mais que pelo bem público, que resulta desta nova igreja sujeitando-me submissamente ao que me foi determinado em nome de SAR.

Vila de Guaratinguetá, 28 de setembro de 1822.

O vigário Lourenço da Costa Moreira

 

[1] CAMPANHA DA PRINCESA: no processo de diversificação produtiva ocorrido em Minas Gerais a partir da década de 1750, nota-se um movimento demográfico e financeiro, e um deslocamento do eixo econômico da comarca de Vila Rica para a comarca do Rio das Mortes, onde se localizavam boas terras para a agricultura e a pecuária. Em 1798, durante o governo do visconde de Barbacena, duas vilas foram criadas por mercê da rainha d. Maria I: Campanha da Princesa e Paracatu do Príncipe. Campanha do Rio Verde, Campanha da Princesa ou simplesmente Campanha foi a primeira vila e cidade, assim como a paróquia e povoação mais antiga, fundada no sul de Minas. A corrida pelo ouro gerou disputas acirradas entre paulistas e mineiros, ao longo do século XVIII, nessa região sul da capitania de Minas Gerais, também conhecida como Minas do Rio Verde. Em 1737, o então ouvidor da vila de São João del Rei, Cipriano José da Rocha, comandou uma expedição militar que deveria reconhecer a região, desbravar os sítios desconhecidos ao longo da bacia dos rios Verde, Sapucaí e Palmela, e tomar posse do território de mais de vinte léguas em nome do rei. O arraial, onde já existia uma estrutura de povoado com praça, ruas e casas, chamado a princípio pelo nome do ouvidor, foi denominado, pouco depois, Campanha do Rio Verde de Santo Antônio do Vale da Piedade, jurisdicionado à comarca do Rio das Mortes. As disputas pelo domínio dessa área residiam, em grande medida, na sua localização estratégica, de fácil acesso ao Rio de Janeiro e São Paulo, que facilitava o extravio do ouro extraído, fazendo com que o Senado da Câmara da Vila de São João del Rei necessitasse, em 1743, reafirmar o auto de ocupação de posse do território, devido à presença de um representante do governo paulista no local reivindicando igualmente o direito de posse sobre o arraial. Por alvará de 20 de outubro de 1798, d. Maria I concedeu o título de vila da Campanha da Princesa ao arraial e o auto de declaração da criação da vila aconteceu em 26 de dezembro de 1799. Segundo Marcos Ferreira de Andrade, autor de Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro (Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa de 2005), a elevação a vila do antigo arraial de Campanha do Rio Verde deve ser entendida como parte de um movimento mais amplo que se inseria no contexto das transformações ocorridas em Minas Gerais na segunda metade do século XVIII, tanto em termos econômicos quanto políticos. Na passagem do século XVIII para o XIX, a vila de Campanha da Princesa assumiria um lugar de destaque, tornando-se um dos mais expressivos núcleos urbanos da região da Comarca do Rio das Mortes, representando, em 1821, cerca de quarenta por cento da população total da capitania, e com vigorosa participação na política imperial. Existiam um variado comércio e uma produção agropecuária voltada para o mercado interno, com destaque para as lavouras de milho, feijão, arroz e mandioca. Até 1833, a vila de Campanha da Princesa pertenceu à comarca de Rio das Mortes, quando se tornou cabeça da comarca do Sapucaí.

[2] FREGUESES: Os habitantes de uma freguesia. Em Portugal, as divisões administrativas das províncias estavam organizadas de acordo com a seguinte escala: cidades, vilas, freguesias e aldeias. Cada freguesia possuía uma situação jurídica própria, podendo ser de primeira, segunda ou terceira ordem. A freguesia de primeira ordem agrupava mais de 5.000 pessoas. As de segunda ordem, entre 800 e 5.000, e as de terceira ordem, menos de 800 pessoas. Em cada freguesia havia um regedor que era o representante da autoridade municipal e diretamente dependente do presidente da câmara municipal. O termo paróquia era utilizado como sinônimo de freguesia, na esfera eclesiástica, portanto fregueses, neste caso, são os membros de uma paróquia.

[3] LAVRAS: terrenos em que se realiza a extração de minerais ou de pedras preciosas, as lavras eram concedidas a poucos privilegiados, que conseguiam provar sua capacidade de financiar a exploração das minas e que pagavam pelo direito de explorá-las. Há várias formas de extração de minerais de seus veios originais e, no Brasil colônia, consistia basicamente na utilização de bateias para separar os cascalhos do ouro e diamantes. O método exigia concentração acentuada de quem faz o garimpo, pois pedras menores poderiam, facilmente, passar despercebidas. O uso das bateias de madeira foi uma inovação atribuída aos escravos; antes disso eram usados pratos de estanho, de manuseio mais difícil. O uso das “canoas”, onde se estende um couro de boi ou uma flanela para reter o ouro apurado com a bateia, também é atribuído aos escravos. A princípio, o cascalho é levado a um local onde não possa ser carregado pela água, processo inicialmente feito com auxílio da bateia em crivos. Mas, por se perderem muitas pedras nesses crivos, passaram a utilizar mesas contendo bicas, onde se lançavam os cascalhos. Grades de ferro foram inseridas, após algum tempo, nesse processo, para conter pedras e areias grossas. O que passava por essas grades ficava em tabuleiros de madeira que serviam de canais para tanques e, em seguida, eram apurados nas canoas. Quando o cascalho era pobre, passava-se antes no bolinete (tabuleiro grande com vinte e cinco palmos de comprimento). Aos cativos que encontrassem boa quantidade dessas riquezas abria-se a possibilidade de ascensão e alforria.

[4] SERTÃO: categoria que povoa há muito a historiografia brasileira, desde os primeiros cronistas e viajantes dos séculos XVI ao XIX, até historiadores dos séculos XIX e XX, que o elegeram como objeto de estudo, entre eles Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. É um conceito chave na construção do imaginário regional, na relação de alteridade com o litoral – na qual um define ao outro – e na construção do conceito de nação. Há uma extensa discussão filológica acerca da origem da palavra sertão, e de qual termo latino ela deriva. De deserto ou de certão, em ambas as acepções, a ideia que encerra é sempre do interior, local vazio, despovoado, selvagem, distante do litoral, região de fronteira, mas não necessariamente seca, como atualmente se usa para referir à região do semiárido nordestino. No Brasil, é preciso reforçar, não houve um só sertão, mas vários. Desde o início da colonização, o termo aparece no vocabulário daqueles que descreviam as novas terras desbravadas. Ora usado para o interior da capitania de São Vicente, ora para referir às minas gerais, ou para o centro-oeste, em Mato Grosso ou Goiás, era também o interior do Nordeste e as regiões quase inatingíveis da Amazônia. Durante o povoamento, o sertão estava sempre nas franjas das frentes que avançavam em direção ao oeste, se opondo ao litoral. Se a faixa litorânea, mais povoada, representava o ideal de “civilização” – as cidades, o local da administração colonial e do exercício do poder –, por oposição o sertão se definiria como a terra sem lei, inculta, das guerras contra o gentio selvagem, do vazio populacional. No entanto, para aqueles que não encontravam um lugar no mundo da ordem, o sertão também representou a terra promissora, das riquezas ainda inexploradas, da liberdade para escravos e condenados que para lá fugiam, da mestiçagem entre as “raças”, do encontro entre as culturas e línguas. Apesar de em princípio se situar fora da ordem colonial, o sertão estava sempre sendo conquistado, ocupado, em vias de se civilizar, e avançava: a expansão para dentro da colônia era constante e estava diretamente atrelada às atividades econômicas. A produção açucareira interiorizou os engenhos no Nordeste, a mineração promoveu a penetração desde as Minas Gerais até Goiás, os bandeirantes [bandeiras] também foram responsáveis pelo avanço mais ao Sul, desbravando terras e capturando índios, e a pecuária foi um instrumento importante na conquista dos territórios do interior, o gado e as tropas avançando junto com o povoamento. Nas províncias do Norte, a coleta das drogas “do sertão” foi fundamental para a abertura de novos caminhos e a ocupação de regiões distantes e de difícil acesso na mata. Para além de meramente espacial, o sertão é uma categoria cultural que influi até hoje na construção das identidades regionais Brasil afora, na música, na literatura e nas demais manifestações artísticas, seja no interior como no litoral.

[5] AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[6] PASTO ESPIRITUAL: de acordo com o Vocabulário português e latino, do padre Rafael Bluteau (1712-1728), trata-se da celebração dos sacramentos da doutrina da Igreja católica para seus fiéis. O pasto espiritual consiste nos “ensinamentos” que exortam, corrigem, aconselham os cristãos a viver de acordo com a palavra de Deus. Encontram-se registros como uma carta de 1787 endereçada a d. Maria I, rainha de Portugal, solicitando autorização para constituir uma capela em homenagem a Santo Antônio de Lisboa, pois os fiéis dali careciam de pasto espiritual. Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, o governador da capitania do Mato Grosso e Cuiabá erigiu uma freguesia e proveu capelão secular para dar assistência do pasto espiritual aos moradores da vila da Chapada dos Guimarães. Na região das jazidas auríferas das primeiras décadas do século XVIII, a proibição da Coroa à instalação de hospícios, localidades como casas de repouso e acolhimento de peregrinos e religiosos de passagem sem pouso certo, era driblada pelos moradores de Sabará, São João del Rei e Vila Rica que demandavam o pasto espiritual para eles e seus escravos. Em sua maioria eram os párocos franciscanos e carmelitas, particularmente, que ocupavam esses hospícios, enviados pelas ordens regulares para assistir a população administrando o pasto espiritual com os serviços de sacramentos cristãos ali aguardados.

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