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Sala de Aula

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Terça, 04 de Julho de 2023, 18h30 | Última atualização em Terça, 04 de Julho de 2023, 18h46

Ausência de aljubes nas capitanias

Provisão do príncipe regente e governador dos reinos de Portugal e Algarves refere a situação de ausência de aljubes nas capitanias, de acordo com o bispo do Estado do Brasil, e que por isso os presos de jurisdição eclesiástica serão recolhidos pelos carcereiros seculares às cadeias públicas.

Conjunto Documental: Registro e índice de ordens régias da Junta da Fazenda da Bahia
Notação: Códice 539, vol. 01
Datas limite: 1576 – 1773
Código do fundo: 83
Título do fundo: Relação da Bahia
Argumento de pesquisa: Inquisição
Data do documento: 23 de outubro de 1671
Local: Lisboa
Folha: 57 - 57v

Veja o documento na íntegra

Eu o Príncipe como Regente e Governador dos Reinos de Portugal e Algarves. Faço saber aos que esta minha provisão virem que tendo respeito a d. Estevão dos Santos[1] Bispo do Estado do Brasil[2] me representa, que ainda nele e suas capitanias havia aljubes[3], em que se possam recolher os presos da Jurisdição Eclesiástica[4], e por essa causa se havia concedido aos bispos seus antecessores que os carcereiros seculares recolhessem os ditos presos nas cadeias públicas[5] e hei por bem de que em quanto das despesas e condenações eclesiásticas senão fizer aljube dentro do tempo, que lhes mandarei limitar ou ordenar o contrário, os presos que o merecerem ser pelas culpas da Jurisdição Eclesiástica sejam recolhidos nas cadeias públicas e os carcereiros obrigados a dar conta deles na forma enquanto o fazem dos que lhe são entregues pelas justiças seculares. Pela que mando... Francisco da Silva a fez em Lisboa a 23 de outubro de 1671. O secretário Manuel Barreto de Sampayo a fiz escrever Príncipe.

 

[1] SANTOS, D. ESTEVÃO DOS (1620-1672): nomeado bispo em 17 de junho de 1669, dom Estevão foi confirmado para a diocese de São Salvador da Bahia em 24 de maio de 1671 como o oitavo bispo do Brasil. Contudo sua atuação à frente da diocese foi muito breve. Ao se instalar em 15 de abril de 1672, faleceu logo após, em junho desse mesmo ano.

[2] ESTADO DO BRASIL: Uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da Colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semiburocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

[3] ALJUBE: Tipo de cadeia ou cárcere para eclesiásticos sujeitos à jurisdição eclesiástica. Em geral eram recintos sem luz nem ar, desprovido de boas condições higiene. A falta de limpeza; a ausência de vestuário aos detentos; bem como o mau cheiro que pairava no ar, dada a má construção dos canos de esgoto, eram apenas parte do suplício enfrentado pelos presos que ali se encontravam alojados a toda sorte.

[4] JURISDIÇÃO ECLESIÁSTICA: Poder autônomo que a Igreja Católica Apostólica Romana tinha em julgar as questões que dizem respeito ao culto e à sua organização interna. As terras da América portuguesa estavam sob a jurisdição eclesiástica da Ordem de Cristo e lhe eram tributárias. A intervenção da Igreja, na área temporal, resulta sobretudo do fato de possuir um direito próprio, o direito canônico, e das Ordenações legitimarem a sua ação em matéria de pecado, quando a causa em questão não estivesse determinada por lei, estilo ou costume. Em certas matérias penas e civis, como heresia, apostasia, feitiçaria, adultério, os tribunais eclesiásticos julgavam todas as pessoas, leigos e clérigos. A partir do século XVI, a competência dos tribunais eclesiásticos tornou-se cada vez mais restrita, perdendo toda a competência exclusiva, salvo nas matérias disciplinares da Igreja, ao longo dos séculos XIX e XX.

[5] CADEIAS PÚBLICAS: Abrigavam os acusados de crimes de uma forma geral, inclusive antes do seu julgamento, e normalmente localizavam-se no rés do chão do edifício da câmara local. No Rio de Janeiro, a cadeia pública localizava-se no mesmo edifício do Senado da Câmara, bem como o cárcere específico dos transgressores já sentenciados pelo Tribunal da Relação. Das cadeias civis e do Calabouço (destinada a escravos) saía a maior parte da mão de obra utilizada nas obras da cidade. As condições nas cadeias públicas variavam, mas os relatos, em geral, descrevem verdadeiras masmorras imundas, muitas vezes abaixo do nível do solo, em que o fornecimento de comida se dava de forma irregular, dependendo da boa vontade da família, da caridade de desconhecidos ou da Igreja.

Familiar do Santo Ofício

Carta de notificação endereçada aos inquisidores Luiz Antônio Fragoso de Barros, José Pereira de Castro e Frei Antônio da Silveira para que admitam José Ferreira de Melo, natural da Sé de Olinda, morador da vila de Recife, como familiar do Santo Ofício da Inquisição da cidade de Lisboa, e que doravante sirva o cargo de inquisidor.

Conjunto Documental: Carta de Nomeação de José Ferreira como familiar do Santo Ofício
Notação: BR RJANRIO QN.0.TXT.184
Datas Limite: 1785-1785
Código do Fundo: QN
Título do Fundo: Itens Documentais
Argumento de pesquisa: Inquisição
Data do documento: 09 de agosto de 1785
Local: Lisboa

Veja o documento na íntegra
 

Os do Conselho de Sua Majestade e do Geral do Santo Ofício contra a herética pravidade, e apostasia[1] nestes Reinos, e Senhorios de Portugal etc. Fazemos saber a quantos a presente virem que pela boa informação que temos da geração, vida e costumes de Jose Ferreira de Mello, filho de [Manoel] Ferreira de Mello, natural da Sé de Olinda[2] e morador na Vila de Recife de Pernambuco. E confiando dele que fará com toda a diligência, consideração, verdade e segredo tudo a que por nós lhe for mandado e pelos inquisidores cometido. Haverá por bem de o criar e fazer familiar do Santo Ofício[3] da Inquisição da cidade de Lisboa, para que daqui em diante sirva o tal cargo assim como o servem os mais familiares da dita Inquisição[4] e com ele goze de todos os privilégios, isenções e liberdades por direito, provisões e alvarás dos senhores reis destes reinos são concedidos aos familiares do Santo Ofício. Notificamo-lo assim aos inquisidores para que o admitam ao dito cargo e lho deixem servir conforme seu regimento e [dando] lhe primeiro juramento de que se fará assento por ele assinado no Livro da Criação dos Familiares[5] da mesma Inquisição na forma do estilo dele. E mandamos [ilegível] justiça assim eclesiástica, como seculares destes reinos, e senhorios, e mais pessoas a que o conhecimento disso pertencer, hajam e tenham ao [dito] José Ferreira de Mello por familiar do Santo Ofício, e lhe guardem, cumpram e façam guardar e cumprir inteiramente esta nossa carta e todos os ditos privilégios declaradas como neles se contém  as penas e censuras em direito e nos mesmos privilégios declaradas e de se proceder contra os culpados como pessoas que [ofendem aos] ministros do Santo Ofício da Inquisição. Dada em Lisboa sob nossos sinais e selo do Conselho Geral do Santo Ofício [6]aos nove dias do mês de agosto de mil setecentos e oitenta e cinco anos. Manoel Ferreira de Mesquita escrivão da Câmera de Sua Majestade e secretário do mesmo Conselho Geral a fiz escrever e sobrescrevi.

Luis Antonio Fragozo de Barros                
José Ricalde Pereira de Castro[7]                               
Frei Antonio da Sylveira

Registrada a [nº] 1671º do Livro 20 das Criações dos Ministros e Oficiais desta Inquisição. Lisboa no Santo Ofício 12 de agosto de 1785
Cypriano José

 

[1] SANTO OFÍCIO CONTRA A HERÉTICA PRAVIDADE E APOSTASIA: O Santo Ofício da Inquisição contra a herética pravidade e apostasia inseriu-se em Portugal exatamente no momento da passagem do Renascimento para o Barroco. Preocupado em fortalecer o Estado, cristão em essência, Portugal desenvolveu uma política castradora do pensamento de qualquer natureza, mesmo que o preço fosse de involuir culturalmente. Ao exorcizar a herética pravidade e apostasia, exorcizou também a possibilidade de se inserir no contexto cultural de nações europeias, que não detinham o lastro econômico que Portugal chegou a possuir. A proposição herética era considerada um desvio e a Igreja e o Estado se viam obrigados a proteger a sociedade contra a possível ira de Deus. Para o exercício dessa missão, os inquisidores apostólicos incentivavam a denúncia e todo o tipo de imputação. Criar ou conservar obras contagiadas pela herética pravidade e apostasia era reprimido com castigos e punições severas. (Silva, Silvia Cortez. “O rol dos livros defesos: a censura a serviço da Igreja e do Estado”. Clio – Série Nordeste, n.16, 1996. 20158 (ufpe.br)).

[2] OLINDA: Criada em 1537 pela Carta de Foral concedida a Duarte Coelho Pereira, donatário da capitania de Pernambuco, a vila de Olinda foi erigida em posição privilegiada, sobre colinas, e a primeira construção foi o Castelo de Duarte Coelho, que servia como fortaleza para a defesa do povoado e do porto do Recife de possíveis ataques de estrangeiros pelo mar. Em torno da fortaleza, foram sendo erigidas as principais construções públicas: a Igreja da Sé, a Câmara Municipal, a cadeia, conventos de diversas ordens religiosas, como carmelitas, franciscanos, beneditinos, o Colégio dos Jesuítas e as casas dos moradores que desciam as encostas e vales da região. As primeiras atividades econômicas da região foram a extração do pau-brasil e, depois, o plantio da cana e sua transformação em açúcar nos engenhos que até hoje marcam a paisagem da região. Olinda foi capital e sede do governo da capitania de Pernambuco até 1827, com exceção do período da ocupação holandesa, entre 1630 e 1654, quando a cidade foi incendiada, ficando quase em ruínas, enquanto o governo passava para o Recife. A reconstrução da vila só começou em 1664 e arrastou-se ao longo dos séculos XVII e XVIII. Entre 1710 e 1711, eclodiu uma revolta provocada pela ascensão do Recife à condição de vila, que significava a perda de poder da elite senhorial olindense para os chamados "mascates", comerciantes do porto do Recife que desejavam maior autonomia e incentivos para o comércio. Apesar da ofensiva de Olinda, os mascates do Recife tiveram mais sucesso: a elevação à vila prevaleceu e esta prosperou, enquanto a vila de Olinda perdia importância e sua economia entrava em declínio. No início do oitocentos, Olinda ainda era cercada por engenhos, sítios e propriedades rurais. Em 1800, a fundação do Seminário de Olinda recuperou um pouco da importância perdida para o Recife que, apesar de não ser capital oficial da província, posição alcançada somente em 1837, era na prática a sede administrativa. Em 1827, a cidade recebe uma das duas primeiras faculdades de Direito do país independente (a outra em São Paulo), que foi transferida para a nova capital em 1854. Olinda passava então a ser uma cidade de veraneio para os habitantes do Recife e, durante a segunda metade do século XIX e ao longo do XX, recebeu melhorias como a chegada das ferrovias, dos bondes, da água potável e da eletricidade. Em 1982, foi declarada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela UNESCO, sendo uma das mais bem preservadas cidades coloniais do país.

[3] SANTO OFÍCIO: Órgão de investigação e repressão da Igreja Católica, o Santo Ofício foi fundado pelo Papa Paulo III em 21 de julho de 1542 com a justificativa de "combater a heresia". Além de Portugal, o Santo Ofício estendeu sua ação a várias regiões no Ultramar, quer no Atlântico, quer no Índico, pois esteve também presente em algumas possessões lusitanas no Oriente. A extensão geográfica da ação inquisitorial ensejou grande circulação de pessoas pelo Império português, fossem réus, fossem seus próprios agentes que, investidos pelo poder do Santo Ofício, vasculharam regiões na busca de hereges e no cumprimento de ordens dos inquisidores. (Ver TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO e CONSELHO GERAL DO SANTO OFÍCIO)

[4] INQUISIÇÃO: A Inquisição ibérica surgiu no século XV, primeiramente na Espanha dos Reis Católicos e funcionou como poderoso instrumento de centralização política, sendo tribunal subordinado à realeza e não ao papado. Inquisição portuguesa como uma instituição religiosa que, além de Portugal, estendeu sua ação a várias regiões no Ultramar, quer no Atlântico, quer no Índico, pois o Santo Ofício esteve presente ainda em algumas possessões lusitanas no Oriente. A extensão geográfica da ação inquisitorial ensejou grande circulação de pessoas pelo Império português, fossem réus, fossem seus próprios agentes que, investidos pelo poder do Santo Ofício, vasculharam regiões na busca de hereges e no cumprimento de ordens dos inquisidores. (Ver TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO e INQUISIDOR GERAL)

[5] FAMILIARES: cooperantes leigos que exerceriam um papel auxiliar nas atividades da Inquisição, atuando principalmente nos confiscos de bens, notificações, prisões e condução dos réus. Pelo regimento, ficavam a cargo do Familiar todas as ordens dos inquisidores ou dos comissários e visitadores, nas respectivas localidades, em especial, execução de prisões e acompanhamento dos presos, participação nos ritos de autos de fé, quando acompanhavam os réus organizados em procissão, para ouvirem suas sentenças. A nomeação para Familiar era consagrada com uma provisão especial, a Carta de Familiar, documento solene, em letra de estilo, com selo do inquisidor geral, que atestava, sob autoridade apostólica, que o seu portador fora criado familiar para servir à Inquisição. Não era qualquer um que poderia ser Familiar. Este título era reservado àqueles que pudessem arcar com os custos da burocracia do processo de habilitação e que atendessem aos requisitos exigidos pela Inquisição. O título de Familiar era acessível sobretudo àqueles que fossem cristãos-velhos, ou seja, “limpos de sangue”. Quem conduzia as diligências do processo de habilitação no Santo Ofício dava atenção especial à limpeza de sangue do candidato. Ser Familiar significava, assim, ser limpo de sangue; ter acesso a privilégios fiscais ou de foro privativo; representar a Inquisição; servir como elo entre os colonos e a poderosa instituição. (Ver PUREZA DE SANGUE)

[6] CONSELHO GERAL DO SANTO OFÍCIO: era o órgão principal da hierarquia da Inquisição e dele faziam parte o inquisidor-geral, os deputados, um secretário, e quatro oficiais. Centralizava decisões importantes e deliberava sobre consultas não somente sobre os processos, sentenças, mas também instruções sobre preparação dos autos de fé, conflitos de jurisdição, situação financeira dos tribunais, visitações locais e a própria vida cotidiana dos tribunais, seus membros e a relação com outras potências europeias e o Papado. (Ver TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO e INQUISIDOR GERAL)

[7] CASTRO, RICALDE PEREIRA DE (1715-?): Frei Doutor José Ricalde Pereira de Castro nasceu em São Tiago de Carreiras, freguesia portuguesa do município de Vila Verde, foi clérigo e juiz português. Formou-se em Matemática e Direito e doutorou-se em Leis pela Universidade de Coimbra. Era moço fidalgo e freire da ordem de São Bento de Avis. Teólogo, chegou a ser um dos membros da Junta de Providência Literária, encarregada da reforma universitária em 1772, após a expulsão dos jesuítas de Portugal. Foi nomeado em 14 de agosto de 1748 deputado do Tribunal da Inquisição e a 19 de fevereiro de 1789 do Conselho Geral do Santo Ofício e do Conselho de El-Rei e comissário geral da Junta da Bula da Santa Cruzada. Desempenhou várias funções como desembargador do Paço, chanceler-mor do Reino (1783-1793), procurador das Ordens Militares e Casa do Infantado, prestamario de Gontinhães e cônego da Colegiada de Guimarães (1769), deputado da Junta das Confirmações Gerais. Foi o relator da junta revisionista do Processo dos Távora, constituída por vinte e cinco magistrados a 9 de outubro de 1780. Apesar de sua importante função durante o ministério do Marquês de Pombal, foi admitido no reinado de d. Maria I, participando ativamente da aclamação da nova rainha. Foi o responsável pelo discurso de aclamação, em 1777, no qual alude à legitimidade de sucessão por Maria I como um direito histórico, estabelecido pelas antigas Cortes de Lamego, revestido de um poder divino, cuja obediência a ele é absoluta.

Crime de bigamia

Carta de Matheus Bispo em favor do réu Manoel Joaquim da Conceição, acusado e preso pelo crime de bigamia perante o tesoureiro mor da catedral e comissário do Santo Ofício.

Conjunto Documental: Ministério da Justiça
Notação: Caixa 774, pct 03
Datas limite: 1808 - 1817
Código do fundo: 4T
Título do fundo: Ministério da Justiça
Argumento de pesquisa: Feitiçaria e Inquisição
Data do documento: 08 de março de 1811
Local: São Paulo

Veja o documento na íntegra

Logo que recebi a carta de Vossa Excelência desejando condescender com a sua vontade e a anuir ao injusto pedido a favor de Manoel Joaquim da Conceição preso na cadeia desta cidade à ordem do Santo Ofício[1] pelo crime de bigamia[2], atentar as circunstâncias ponderadas na referida carta que bem justificam do mencionado crime, fiz vir à minha presença o processo que se lhe fez sobre o mesmo crime e achei que sendo denunciado o réu Manoel Joaquim da Conceição por bígamo perante o tesoureiro mor da catedral desta cidade como comissário do Santo Ofício, e procedeu a sumário de testemunhas no arraial[3] de Jacuí deste bispado, aonde ele foi preso e donde veio a denúncia contra ele, se fez outro sumário acerca da sobrevivência da primeira mulher do bígamo, e da identidade deste no lugar da residência da mesma na forma das ordens gerais do Santo Ofício, existindo além destes dois sumários uma certidão do primeiro casamento, e uma atestação jurada do pároco da freguesia das Lavras do Funil, bispado de Mariana[4], em que certifica ter o réu contraído matrimônio naquela freguesia com Ana Joaquina de Siqueira, e que se não fizera assento no livro competente, por que antes de se fazer o dito assento lhe constara ser o réu casado em uma das freguesias deste bispado. Eis aqui o que por ora contém o dito processo, no qual suposto haja exuberante prova para a pronúncia do réu contudo a não houve nem podia haver no juízo comissário delegado, visto que na conformidade das ordens do Santo Ofício e do aviso do secretário de Estado que veio ao dito tesoureiro mor (que remeto a V. Excia. por cópia) devem semelhantes processos ser remetidos ao Tribunal de Lisboa[5] para serem sentenciados [a mesma] Mesa.

À vista disto, e ser este caso afeto ao Santo Ofício, eu não me posso intrometer nele sem especial ordem de S.A. Real, mandando-me que eu, ou o comissário tesoureiro mor julgue e dê a sentença ao réu, pondo-o fora da cadeia, como eu desejo pois está padecendo há tanto tempo com grandes necessidades já está bastante castigado, e digno de comiseração.

Estimo goze V. Excia saúde justíssima e que Deus guarde a V. Excia muitos anos. S. Paulo 8 de março de 1811

De Va. Exa.
Exmo. e Rmo. Sr.
Bispo Capelão mor
Amigo muito fiel e colega amantíssimo
Mattheus Bispo

 

 

[1] SANTO OFÍCIO: órgão de investigação e repressão da Igreja Católica, o Santo Ofício foi fundado pelo Papa Paulo III, em 21 de julho de 1542, com a justificativa de "combater a heresia". Além de Portugal, o Santo Ofício estendeu sua ação a várias regiões no Ultramar, quer no Atlântico, quer no Índico, pois esteve também presente em algumas possessões lusitanas no Oriente. A extensão geográfica da ação inquisitorial ensejou grande circulação de pessoas pelo Império português, fossem réus, fossem seus próprios agentes que, investidos pelo poder do Santo Ofício, vasculharam regiões na busca de hereges e no cumprimento de ordens dos inquisidores. (Ver também TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO, CONSELHO GERAL DO SANTO OFÍCIO)

[2] BIGAMIA: A partir do Concílio de Trento (1545-1563), em resposta às disposições reformistas, a Igreja Católica investiu na sacralização do casamento, definindo-o como um vínculo que deveria remediar a lascívia humana, um ato capaz de conferir a graça divina. O matrimônio passaria a seguir uma liturgia que incluía o consentimento mútuo, a celebração da união por meio de um clérigo, a presença de testemunhas, o anúncio da intenção de casamento dos noivos durante três domingos na paróquia local, a verificação quanto aos impeditivos referentes ao parentesco de até quarto grau e uma extensa e detalhada regulamentação sobre as relações sexuais que tinham como único e exclusivo fim a procriação. Decidir sobre a legitimidade de uma união, entre homens e mulheres, passou a ser do âmbito da Igreja, com o apoio dos soberanos que, interessados em concentrar o poder monárquico, percebiam na disciplina moral implícita ao casamento uma possibilidade de assegurar a disciplina política dos súditos. Qualquer união adversa à estabelecida pela instituição passou a ser condenada social e religiosamente. A admissão de um relacionamento concomitante a outro contrato matrimonial podia ser enquadrado como adultério, concubinato ou bigamia. O direito canônico classificava e distinguia o delito de bigamia a partir das seguintes categorias: bigamia simultânea, quando o segundo casamento era realizado por um leigo enquanto o primeiro cônjuge ainda era vivo; bigamia similitudinária, quando um clérigo contraía o sacramento do matrimônio após ter recebido o grau da ordem; e bigamia sucessiva, quando se contraía um segundo matrimônio após a morte do primeiro cônjuge. (ALVES, Mariana Rocha Ramos de Oliveira. Inquisição e bigamia: disciplinamento e transgressões de cristãos velhos portugueses julgados pelo Tribunal do Santo Ofício (Lisboa, século XVII). Dissertação em História, UFRRJ, 2017. p. 75). Considerada, assim, um delito grave, sua punição consistia em pena de morte aos bígamos, que podia, eventualmente e de acordo com a posição social dos infratores, em degredo de cinco a oito anos em alguma das possessões na África ou na América portuguesa, punição com açoites pelas ruas públicas, perda de cargos e ofícios. A jurisdição para julgamento dos casos de bigamia competia tanto à Coroa como à Igreja, o que colocava as relações entre crime e pecado em um terreno difuso. Em Portugal, a bigamia foi intensamente perseguida, seja pelos tribunais civis ou eclesiásticos – sendo punida com severidade principalmente a partir do século XVI, quando passou a ser julgado pelo Santo Ofício. De acordo com Johnatas dos Santos Costa, os bígamos, além de burlar as determinações régias e canônicas, ludibriavam padres e vizinhos e, muitas vezes, os conjugues e seus familiares, fraudando o próprio sacramento do matrimônio. Dessa maneira, esses indivíduos estariam revelando, segundo a percepção inquisitorial, um total desprezo pelo matrimônio, enquanto a Igreja se empenhava na sua propagação e na defesa da sua indissolubilidade diante das críticas realizadas pelos reformadores protestantes (Costa, Johnatas dos Santos. O matrimônio ameaçado: inquisição e bigamia no brasil colonial. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão, 2018. p. 66). Constata-se uma maior incidência de bigamia masculina que pode ser atribuída à alta mobilidade espacial desses homens, vindo, por exemplo, para o Brasil. Mayara Amanda Januario, com base em documentação analisada, registra que os indivíduos processados por bigamia na colônia entre os séculos XVI e XVIII contabilizam quase uma centena (Januario, Mayara Amanda. A bigamia em apropriações da normatividade: o caso da América portuguesa em fins do século XVIII. Temporalidades – Revista de História, Edição 35, v. 13, n. 1 (jan./jun. 2021.). A perseguição á bigamia permaneceu viva até o século XVIII como mecanismo importante de controle social. Ver também CASAMENTO, CONCÍLIO DE TRENTO e CERTIDÃO DE BANHOS.

[3] ARRAIAL: o termo era empregado, em Portugal, para alojamentos ou acampamentos do exército, corporificando um sentido de transitoriedade, de algo temporário. Nos territórios coloniais, como o Brasil, arraial adquiriu um significado um pouco diverso referindo-se aos pousos e roças feitas pelos bandeirantes ao longo de suas trilhas e em função de certas atividades extrativas como a mineração. Alguns dos pousos existentes transformaram-se em pontos de encontro de agricultores e comerciantes, ensejando o surgimento de povoados, também chamados arraiais. Subordinados ao poder administrativo das vilas ou cidades, os arraiais, em muitos casos, nasciam a partir de uma capela em torno da qual as pessoas se reuniam para rezar e realizar festas em louvor aos santos e padroeiros.

[4] BISPADO DE MARIANA: nascida a partir do arraial Ribeirão do Carmo, instalado pelo coronel Salvador Furtado de Mendonça, a vila de Mariana foi elevada à categoria de cidade em 23 de abril de 1745. Mariana foi a primeira vila, a primeira cidade, a primeira capital e a primeira diocese de Minas Gerais. Em 1745, o Papa Bento XIV criou a diocese de Mariana, pela bula Candor lucis aeternae, desmembrada do Rio de Janeiro, juntamente com a diocese de São Paulo e as prelazias de Goiás e Cuiabá. A criação dessa diocese atendeu às necessidades dos moradores da cidade de Mariana e adjacências do pasto espiritual e marcou um momento na geopolítica de colonização do sertão mineiro. Com sua instalação, modificam-se as relações entre as diversas esferas do poder. Torna-se mais complexo o quadro de forças políticas configurado pela atuação das irmandades, câmaras locais, clero e autoridades. Sucedendo a criação das dioceses de Salvador, Rio de Janeiro, Olinda, São Luís do Maranhão e Belém do Pará, Mariana se insere no âmbito do expansionismo português apoiado por um projeto eclesiástico de constituir um clero nativo nas colônias ultramarinas. Em sua dissertação de mestrado Pacto Festivo em Minas Colonial, a historiadora Iris Kantor identifica os principais motivos para a escolha de Mariana como sede do novo bispado. Primeiramente Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo era a vila mais antiga da região mineradora, onde foi erguida a primeira capela, situada no coração do território da nova diocese. A segunda razão, de ordem política, refere-se à sedição de Vila Rica, em 1720, contra o Conde de Assumar, governador da capitania de Minas Gerais, quando os moradores de Ribeirão do Carmo ofereceram apoio ao governador, sendo essa fidelidade para com a Coroa portuguesa recompensada com o trono episcopal. A jurisdição do bispado de Mariana não correspondia exatamente à capitania de Minas Gerais. Seu território foi delimitado pelos rios: Jequitinhonha, ao norte; São Francisco, a oeste; Rio Doce, a leste; Rio Paraíba, ao sul. Assim, parte do território do norte de Minas pertencia ao arcebispado da Bahia; a parte que se encontrava além do Rio São Francisco era do bispado de Pernambuco; o Triângulo mineiro estava ligado à prelazia de Goiás, e parte do Sul de Minas ficava no bispado de São Paulo. O 1º bispo nomeado foi dom frei Manoel da Cruz, nascido no norte de Portugal, que exerceu suas atividades entre 1748 e 1764.

[5] Ver TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO: órgão de investigação e repressão, criado pela Igreja Católica no período medieval, que encontrou êxito depois da Contra Reforma ou reforma católica. Foi instituído, em 1231, pelo Papa Gregório IX, através da bula Excommunicamus e confirmado por um decreto dois anos depois. O Santo Ofício sistematizou as leis e jurisprudências acerca dos crimes relativos à feitiçaria, blasfêmia, usura e heresias. Os processos eram constituídos a partir de denúncias e confissões feitas, muitas vezes, por aqueles temerosos de serem acusados de acobertar ou fomentar as heresias. Se, na Idade Média, esteve ligado diretamente ao Vaticano e direcionado para investigação de práticas contrárias aos dogmas da Igreja, no período moderno se submeteu mais à monarquia, servindo de apoio para o estabelecimento e o fortalecimento dos Estados Nacionais na península Ibérica. As monarquias católicas promoveram a instalação do Santo Ofício buscando afastar possíveis percalços sociais que acarretassem conflitos, frustrando assim a estabilidade política e social de seus reinos (Juarlyson Jhones S. de Souza e Jeannie da Silva Menezes. O poder na inquisição: as redes de cooperação política com o Santo Ofício no império português. II Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais. Salvador, 2013).  De acordo com os seus estatutos, as penas mais leves poderiam ser do jejum, multas, pequenas penitências e até a prisão. Quando os acusados se negavam a pedir perdão ou a retratar-se, eram entregues ao braço secular (autoridade civil), o qual geralmente aplicava a pena máxima da morte na fogueira, em um ato público chamado “auto de fé”, onde todo poder da Inquisição era exposto em toda sua amplitude. Instalado em Portugal entre 1536 e 1821, durante seu funcionamento atuou também nas colônias lusitanas. A Inquisição portuguesa demonstrou, desde cedo, o compromisso principal de perseguir a heresia judaizante, associada aos cristãos-novos. Aspecto preservado nos braços inquisitoriais do ultramar. O caráter antissemita do Santo Ofício pode ser evidenciado nas sentenças proferidas pelo tribunal, as penas mais graves eram aplicadas aos acusados de judaísmo. “A sistemática perseguição dos chamados cristãos-novos - judeus convertidos ao cristianismo e suspeitos de ‘judaizar’ em segredo - foi, sem dúvida, o traço distintivo e peculiar das inquisições ibéricas, respondendo pela grande maioria dos réus processados e executados” (Ronaldo Vainfas. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997). No Brasil, o bispo da Bahia preenchia a função inquisitorial, por delegação do Santo Ofício de Lisboa, com todo o aparato burocrático da Inquisição, tendo havido quatro visitações do tribunal português na Bahia (1591/1593 e 1618), em Pernambuco (1594-1595) e no Pará (1763-1769). Após quase 300 anos de atividade, o Tribunal do Santo Ofício foi extinto em 1821, por decisão da assembleia constituinte portuguesa – criada após revolução liberal do Porto. A extinção do tribunal foi uma adequação inevitável da sociedade portuguesa às “luzes do século” [Ver ILUMINISMO].

 

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