Fechar

Indulgências

O processo de superação do pecado implicava em duas etapas: a assunção da culpa e a observância da pena, ou seja, a confissão e o perdão dado por um sacerdote, e o cumprimento da penitência temporal, necessária para a execução da justiça divina, como orações, vigílias, peregrinações e jejuns, por exemplo. As indulgências funcionavam como o perdão total ou parcial dessas penas a serem obedecidas – as não cumpridas em vida seriam levadas para o pós-morte, a instância intermediária entre o inferno e o paraíso criada ao longo da baixa Idade Média, para onde seriam enviadas as almas de pecadores que necessitassem pagar suas penas e serem purificadas antes de entrar no reino dos céus. A ideia de purgatório veio suprir um questionamento sobre o que aconteceria com as almas impuras entre a morte e o juízo final. Nota-se que o purgatório era uma instância mais próxima do paraíso do que do inferno, para onde seguiriam diretamente aquelas almas carregadas de pecados graves, os pecados mortais. Aqueles que tivessem cometido pecados leves, ou veniais, passíveis de perdão, teriam oportunidade de serem perdoados e poderem purgar em vida suas penas. Caso não conseguissem, ou tivessem pecados não confessados e não perdoados, teriam que cumprir um tempo de purificação no purgatório antes de ascender ao paraíso. No caso de os vivos quererem ajudar os mortos penitentes, deveriam praticar os sufrágios, missas, orações, obras de caridade e donativos que serviriam para ajudar a diminuir o tempo de purgatório das almas dos entes queridos. Ao longo do século XIII a formulação do Purgatório caminhou junto com a formulação e regulação das indulgências. Os perdões já eram aplicados desde o século XI, para os cristãos que partiam nas cruzadas, mas só foram oficializados entre os séculos XIII e XIV, embora o Purgatório só fosse incorporado definitivamente na escatologia cristã no século XVI, no Concílio de Trento (1545-1563). As indulgências eram concedidas aos vivos depois de realizarem obras devocionais e caritativas, doações para construção de templos, ou participação em irmandades. As primeiras indulgências concedidas aos mortos aconteceram no século XV, por meio da aplicação dos sufrágios, afinal, a salvação das almas só poderia ser dada por Deus. As indulgências plenárias, ou totais, que poderiam absolver integralmente as penas temporais deveriam somente ser concedidas em situações especiais para o calendário da Igreja. Os únicos que poderiam atribuir as indulgências eram o Papa e os bispos, bem como conceder licenças para arrecadar com esmolas e obras caritativas. A concessão das cartas de indulgências, que garantiam a salvação imediata sem passagem pelo purgatório, logo tornou-se uma atividade corrente e muitas doações foram feitas a Igreja em troca desses perdões. A prática de concessão de indulgências em troca de bens temporais foi o principal questionamento apresentado pelas teses do monge Martinho Lutero, que deram início ao reformismo protestante. Para os reformadores, a Igreja não tinha poder ou direito de conceder perdões às almas em nome de Deus, muito menos em troca de obras de caridade. Durante o Concílio de Trento, que se encarregou de reformar a Igreja de forma a apresentar uma reação ao Protestantismo, as indulgências foram reafirmadas, mas foi proibida a troca de perdão por qualquer bem temporal, o único que poderia concedê-las seria o Papa e de forma gratuita, para eliminar o fardo dos fiéis pios e merecedores, e não em troca de doações. A concessão passou a ser mais rara e disciplinada para que não houvesse entre os fiéis a sensação de que poderiam pecar livremente pois bastaria trocar valores pelos perdões das penas. Essa reformulação do sistema de concessão de indulgências passou a funcionar de acordo com as novas disposições que a Igreja passou a adotar para combater a Reforma e recuperar sua autoridade no mundo cristão.