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Curador

As artes de curar no Brasil colonial estão relacionadas a uma complexa interação entre os diferentes saberes preocupados em preservar a saúde, diagnosticar e curar o corpo doente. Múltiplos foram as práticas terapêuticas e os agentes envolvidos na arte de curar e estiveram, quase sempre, a cargo de parteiras, curandeiros, feiticeiros, raizeiros, benzedores, padres, barbeiros e sangradores, licenciados ou não. A medicina na América portuguesa foi resultado do arranjo entre as tradições culturais populares e os conhecimentos teóricos dos poucos profissionais instalados na colônia. A Coroa portuguesa procurava, através de regimentos e órgãos de fiscalização, coibir o exercício ilegal das artes de curar, ou seja, aquela praticada sem a autorização e sem a licença exigida. Delegados e juízes comissionados do cirurgião-mor e físico-mor do Reino foram os responsáveis pela fiscalização das artes de curar nos domínios ultramarinos até a criação da Fisicatura no Rio de Janeiro em 1808, órgão responsável, entre outras coisas, por conceder autorizações e licenças para a atuação dos terapeutas.  No entanto, a dispersão das povoações pelo vasto território brasileiro dificultava a aplicação e fiscalização das leis editadas em Portugal sobre as práticas médicas; além da quantidade de profissionais oficializados não ser suficiente para atender as demandas de toda população (COELHO, Ricardo Ribeiro. O universo social das artes de curar no Brasil. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011). Assim, a medicina popular, aquela praticada sem licença e estruturada no conjunto de práticas, hábitos e conhecimentos nascidos a partir do convívio assíduo entre as três culturas formadoras da sociedade brasileira – indígenas, africanos e europeus – representaria grande parte dos esforços empreendidos na cura dos corpos doentes. Ervas medicinais, amuletos e rituais religiosos faziam parte do repertório do curador, pois a crença comum era de explicações sobrenaturais para os males do corpo e da alma, provocados por agentes externos, incorporado ou provocado através de magia ou feitiçaria. Segundo Coelho, a fiscalização costumava agir sobre os curadores populares somente quando o interesse de algum licenciado estivesse ameaçado. A atuação de curadores informais, geralmente pessoas pobres de origem escrava ou indígena, foi amplamente aceita em todas as classes sociais. A participação de escravos e negros libertos entre os praticantes dos ofícios mecânicos das artes de curar, sobretudo barbeiros, sangradores e curadores, era comum e uma forma de obter vantagens e oportunidades. Alguns negros curadores ganharam popularidade em função dos serviços prestados, garantindo maior status social e tecendo, através da arte de curar, uma forma de resistência contra a opressão do sistema escravista.