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Pureza de sangue

Desde o século XVI, o critério de “pureza de sangue” era utilizado na admissão de indivíduos em ordens religiosas e militares, bem como nas eleições para ocupação de cargos públicos e eclesiásticos, na península Ibérica. Adotada, primeiramente, pela Espanha com o Estatuto de Exclusão, publicado em 1449 na cidade de Toledo, tal critério impedia os recém-convertidos à fé católica e os considerados de “sangue infecto” (judeus, mouros e negros) de ocuparem cargos municipais. Apesar do seu limitado alcance, é considerado o percussor dos estatutos de limpeza de sangue na região ibérica. Buscava-se, com isso, o isolamento dos cristãos-novos na vida social daquela comunidade, alijando-os de cargos públicos em benefício dos católicos. Colocar em prática tais princípios significava, além de excluir esses grupos dos postos oficiais do estado e das ordens religiosas, suprir a deficiência dos cofres públicos, haja vista que Igreja e Estado se beneficiavam com cobranças de taxas e confiscos de bens dos cristãos-novos. Em Portugal, a criação do Tribunal do Santo Ofício, em 1536, representa o marco inicial da discriminação aos judeus na legislação portuguesa, ao oficializar a perseguição às práticas judaicas. As desqualificações limitavam-se, inicialmente, a indivíduos descendentes de judeus e incluíam ainda mouros e hereges, podendo-se considerar tanto um preconceito de cunho racial como religioso. Com o tempo, os estatutos de pureza de sangue passam a estigmatizar outros grupos além dos judeus, como ciganos, índios, negros e aqueles que possuíssem “defeito mecânico”, isto é, exercessem trabalhos braçais. Em princípios do século XVII, nota-se uma discriminação legalizada e específica contra negros e mulatos, em razão da associação à escravidão. No Brasil, as ordens terceiras, que aqui se estabeleceram, mantiveram uma segregação em relação à admissão de negros e mulatos. É interessante pontuar que havia a possibilidade de “limpeza do sangue” através de prestação de serviços para a Coroa. No período pombalino, a discriminação contra os cristãos novos, mouros, judeus foi extinta da legislação, o que não significa que o preconceito contra esses grupos tenha deixado de existir. A abolição dos critérios de limpeza de sangue se insere em um contexto de mudanças sociais, políticas e econômicas que passava a Europa. Em Portugal, o reformismo ilustrado de Pombal, quando ministro de d. José I, foi determinante para essas mudanças. Vale ressaltar que, a aplicação da doutrina de pureza de sangue se estendeu ao e aos domínios ultramarinos, ainda que não nos mesmos moldes do verificado em Portugal. Os estatutos de pureza de sangue, portanto, podem ser considerados, para alguns autores, a expressão legal do racismo de Estado e da Igreja , tendo-se em conta que “entre os séculos XVII e XVIII o racismo ainda não estava respaldado na "racionalidade científica", mas pautava-se na exclusão social e religiosa”, tendo como princípio a herança dos comportamentos, passada pelo sangue às gerações (RAMINELLI, R. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. 2015, p.19)