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Achada de um garfo

A maior parte dos delitos cometidos por escravos, sobretudo durante o período joanino, podia, de acordo com Leila Algranti (O feitor ausente. Estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro, 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988.), se dividir em quatro grandes categorias, a saber: crimes contra a propriedade, crimes de violência, crimes contra a ordem pública, e fugas, motivados, em geral, por duas razões principais, a mais imediata era suprir as próprias necessidades básicas e materiais (alimentação e roupas) ou, de forma geral, contestar o regime escravista e se vingar dos maus tratos recebidos dos senhores. A maior parte dos crimes no período joanino era cometida por escravos de ganho, que tinham dificuldades para pagar as diárias a seus proprietários e se manter, mas outros cativos, forros e brancos pobres eram responsáveis pela criminalidade que tanto assustava a “boa sociedade” do Rio de Janeiro. Entre os crimes executados por escravos, os considerados mais graves eram as fugas e os crimes contra a ordem pública, como capoeiragem, porte de armas, vadiagem, insultos a autoridades, jogos de azar (entre eles o jogo de casquinha), desrespeito ao toque de recolher, brigas, bebedeiras, agressões físicas e pequenas desordens, os dois primeiros sendo considerados os mais graves. A capoeira aterrorizava a população livre porque não era somente uma dança, mas uma luta, uma forma de defesa e ataque, e os escravos não precisavam estar praticando-a para serem presos, bastava que usassem algum adorno típico (fitas coloridas), assobiassem músicas, carregassem algum instrumento para serem levados pela polícia. O porte de armas também era considerado um crime gravíssimo, cuja punição seria equivalente ao uso que se poderia fazer delas. As armas mais comuns eram facas, canivetes e navalhas, mas poderiam ser qualquer objeto: paus, pedras, ferro, vidro, garrafas, e até mesmo um garfo, como no caso deste documento. Estes crimes e sua repressão evidenciavam a preocupação da polícia em disciplinar e controlar o comportamento e a circulação dos escravos, sobretudo depois do trabalho. O estabelecimento do toque de recolher evidencia esse controle: os escravos eram proibidos de circular nas ruas depois do anoitecer. Essa preocupação e a vigilância aumentam à medida que cresce a população cativa do Rio de Janeiro, ao longo do período joanino. Os crimes contra a propriedade incluíam pequenos furtos, normalmente de roupas, alimentos, aves e pequenos objetos, sendo mais difíceis os roubos de produtos mais valiosos. Os crimes de violência eram brigas, agressões físicas, facadas – habitualmente ocorridas por causa de bebedeiras ou desavenças por jogo em botequins. Quanto às penas, as mais comuns imputadas aos escravos eram os castigos corporais (ferros e açoites), de caráter exemplar; os trabalhos forçados, quase sempre em obras públicas da Intendência de Polícia; e a prisão, associada a outra forma de castigo, além dos castigos impostos pelos senhores. Também a intensidade da pena aumentou com o crescimento da população de escravos, por exemplo: um cativo apanhado por porte de armas, em 1808 pegaria pena de 50 açoites; em 1820 a pena seria de 300 açoites, três meses de prisão, quando não também alguns meses de trabalho em calçamento de estradas. Muitas vezes, os escravos eram condenados sem provas, sendo tratados sempre como suspeitos de toda sorte de desordem.