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Negociante / Traficante (de escravos)

A menção ao Tráfico de Escravos ou à traficantes de escravos, em especial no século XIX, quando medidas que colocariam fim a esse comércio começavam a ser implementadas, poderia evocar a equivocada imagem de um trabalho realizado à margem da lei, de um criminoso. Mas, na realidade, mesmo na época em que embarcações dedicadas a reprimir tal comércio cruzavam intensamente o Atlântico, os homens envolvidos com o tráfico negreiro eram, muitas vezes, vistos antes como um combatente ao que se considerava, no Brasil, uma afronta e uma ingerência nos assuntos internos – no caso, a pressão britânica no sentido de erradicar de vez o comércio de escravos –, e não como contrabandistas dedicados a uma atividade ilegal. Em geral, gozavam de boa reputação e uma posição de destaque na sociedade colonial, muitos eram membros da Real Junta do Comércio e Navegação, receberam títulos de nobreza e/ou hábito de ordens militares. Em sua maioria, eram de origem portuguesa que, dedicando-se à transações atlânticas, conseguiram se estabelecer e enriquecer em território colonial. Conhecidos como “homens de negócio” ou “negociantes de grosso trato”, concentravam em suas mãos a liquidez necessária para investir no comércio de escravos intercontinental, atividade que exigia grande investimento de capital e para cobrir os elevados custos da travessia atlântica e envolvia uma série de risco como a pirataria, os frequentes naufrágios e o alto índice de mortalidade entre os cativos. Mas, que também era altamente lucrativa, não apenas pela crescente demanda na América lusa, majorando o preço dos escravos, como por seus mecanismos de apropriação da mão-de-obra africana fundamentados sobretudo na violência e não em bases econômicas (RIBEIRO, Alexandre Vieira. O comércio das almas e a obtenção de prestígio social: traficantes de escravo na Bahia ao longo do século XVIII. Locus revista de história, v.12, n.2. Juiz de Fora, julho de 2006). Via de regra, o capital obtido no tráfico negreiro era superior a investimentos produtivos como engenhos e fazendas, logo esse pequeno grupo de agentes comerciais capazes de pôr em funcionamento a gama de mecanismos econômicos e de relações sociais indispensáveis para o comércio atlântico, iriam despontar como elite econômica colonial. O tráfico de africanos mostrou-se como atividade de acumulação mercantil endógena e os traficantes, possuidores de grandes fortunas, vão diversificar seus negócios, investindo no setor financeiro, de abastecimento interno e na compra de terras. Esta última medida se estabelece como esforço para garantir maior status social, creditado aos grandes proprietários rurais e de escravos. Ao poder econômico acumulado pelo setor mercantil, juntar-se-ia o poder político, segundo Manolo Florentino (Tráfico atlântico, mercado colonial e famílias escravas no Rio de Janeiro, Brasil, 1790-1830. História: Questões & Debates. Curitiba, jul./dez. 2009), influenciando decisivamente os destinos do Estado. Vão ocupar órgãos da governança colonial, como os cargos da Câmara, visando o prestígio e o reconhecimento social. A partir de 1831, com a proibição do tráfico, os negociantes de escravos precisaram se adaptar, mas os navios negreiros continuariam suprindo a demanda por escravos na América até sua abolição final em 1850. É importante ressaltar a poderosa rede de financiamento e proteção que havia por trás destes comerciantes, sem a qual manter um comércio proscrito funcionando intensamente teria sido impossível. Bancos em Liverpool e Nova York, apenas para citar exemplos, financiavam resgate de navios tumbeiros apreendidos e leiloados, bem como o que mais fosse necessário para a empreitada.